Existe um certo fascínio na justaposição do preto e do branco — duas cores que parecem ser opostos cósmicos, mas que estão intimamente interligadas nos mundos do misticismo e do sobrenatural. O preto, a cor da noite e do oculto, sussurra o desconhecido, enquanto o branco — luminoso mas fantasmagórico — tanto assombra a imaginação como exala uma aura infinitamente mais leve.
Quando a luz se apaga, o que resta? O preto, no seu âmago, tem sido desde sempre a cor do desconhecido, do misterioso e do místico. Profundamente entrelaçado com o oculto e o sobrenatural, simbolizando o incognoscível e o intangível, era considerada a cor das bruxas, da feitiçaria e do poder enigmático que transcende a compreensão. O cair da noite, especialmente nas antigas civilizações orientais, trazia consigo o medo do que não se via, era um convite à imaginação para cenários repletos de possibilidades frequentemente assustadoras. Essa escuridão temida envolvia também as mulheres que viviam à margem da sociedade: as bruxas. Não é certo por que motivo estas guardiãs de segredos e de um conhecimento tão temido quanto desejado eram representadas vestindo preto, mas a explicação mais provável liga-se a noções de poder, proteção e resistência. Usando este tom quase como se de uma armadura se tratasse, enfrentavam uma sociedade patriarcal que as temia pela sua sabedoria, mas também as desejava pelo poder que simbolizavam. De facto, o preto tinha uma espécie de dimensão protetora porque a sua capacidade de absorver energia transformava-o num escudo invisível que protegia contra a negatividade, como se o seu próprio mistério tivesse o poder de esconder o que está dentro de si, oferecendo um refúgio contra o temido exterior.
Hoje, o fascínio pelo tom continua tão irresistível como sempre foi. Desde as passerelles, onde o preto domina como sinónimo de sofisticação atemporal, até ao imaginário de fashion designers como Gareth Pugh ou Rick Owens, “Lord of Darkness”, o preto mantém o seu estatuto como uma cor de poder, de mistério e de individualidade. Na Moda, transforma quem o veste: um simples look negro pode ser simultaneamente sedutor e intocável, ousado ou recatado, dependendo de quem o usa e de como o faz. Num mundo que pede constantemente visibilidade, esta cor oferece a oportunidade de preservar o mistério, como um lembrete de que nem tudo precisa de ser exposto, claro ou explicado. Yohji Yamamoto, incontornável mestre da Moda, talvez tenha resumido esta ideia de forma perfeita: "O preto é modesto e arrogante ao mesmo tempo. O preto é preguiçoso e fácil — mas misterioso. Acima de tudo, o preto diz: 'eu não te incomodo — tu não me incomodas.'" No eterno vazio da escuridão e das suas possibilidades, quem sabe se porventura não sejamos uma espécie de bruxas modernas que ainda usam preto religiosamente e andam armadas com um baralho de tarot na carteira e dois ou três cristais nos bolsos, just in case – afinal, a independência, a sabedoria e a perspicácia já foram heresia e deram direito a perseguição.
Em contraste com o negro profundo, o branco surge como o espelho oposto, carregando o seu próprio simbolismo. Branco é serenidade, inocência e honestidade, mas, tal como o preto, carrega camadas de significado por detrás da sua simplicidade. Desde o século XIX, quando a Rainha Vitória popularizou o vestido de noiva branco, esta cor passou a simbolizar a pureza e os novos começos no Ocidente. Em momentos de renovação pessoal, como batizados ou cerimónias religiosas, o branco ainda é a cor que purifica, que traz clareza e luz. Mas, curiosamente, este tom também vive no paradoxo: se, por um lado, simboliza esta candura e a sua beleza, por outro, liga-nos ao sobrenatural. Os fantasmas, no imaginário popular, surgem envoltos em branco, como figuras etéreas que flutuam entre mundos. Esta representação tem, na verdade, raízes numa prática dos tempos medievais na Europa: os mortos, por não terem dinheiro para pagar um caixão, eram enterrados cobertos por mortalhas ou lençóis brancos, e era esse o traje que os acompanhava na sua passagem para a vida celeste. No teatro, anos mais tarde, os fantasmas começaram a ser representados assim vestidos e esta representação ficou para sempre eternizada no nosso imaginário. Por diferentes motivos, em certas culturas orientais, o branco é, precisamente, cor de luto e representa a viagem da alma na transição entre a vida e a morte. Por oposição à cultura ocidental, que perceciona a morte como a escuridão profunda e eterna, este simbolismo reflete uma conexão com o transcendente como uma espécie de porta que se abre para o desconhecido e que o enche de luz.
Tão opostos e complementares, o preto e o branco revelam-se como espelhos das nossas próprias dualidades. Enquanto um nos convida a abraçar o mistério, a introspeção e o poder invisível que reside na escuridão, o outro conduz-nos à clareza, à pureza e à transcendência. Ambos coexistem no nosso imaginário, representando forças igualmente necessárias: o oculto e o revelado, o temor e a serenidade, a morte e o renascimento. Goethe, autor alemão, dizia que “a luz e a escuridão, o brilho e a obscuridade, ou, se preferirmos uma expressão mais geral, a luz e a sua ausência, são necessárias para a produção da cor... A própria cor é um grau de escuridão” e esta dualidade tem, dentro de si, todos os Pantones do mundo. Na Moda, na Arte, na espiritualidade ou no quotidiano, estas cores ultrapassam as suas funções estéticas para se tornarem símbolos de quem somos e de como navegamos pelo desconhecido, seja este leve ou assustador. Talvez, no fim, o fascínio por ambas as tonalidades resida justamente em nos lembrar que somos feitos de luz e sombra, e que a verdadeira compreensão surge no equilíbrio entre o visível e o invisível, o concreto e o místico, o preto e o branco.
Publicado originalmente na edição "The Mystery Issue" da Vogue Portugal, de outubro 2024, disponível aqui.