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A construção da Givenchy de Sarah Burton

06 Mar 2025
By NICOLE PHELPS

Sarah Burton no estúdio. Foto: David Burton/ Cortesia Givenchy

Estávamos no final de janeiro, um mês e mais um pouco antes da estreia oficial de Sarah Burton na Givenchy - com a coleção de outono 2025 -, e uma parede inteira de looks de teste é organizada com precisão meticulosa no atelier da casa, na Avenue Georges V, na ordem em que podem desfilar na passerelle em março, durante a Semana da Moda de Paris. Burton foi nomeada em setembro, mas teve mais do que apenas os últimos seis meses de tempo de preparação do seu lado. Veio da Alexander McQueen, onde começou como assistente de Lee - durante o tempo em que o seu antigo patrão esteve na Givenchy, por volta de 1997, foi encarregue de trazer as peças do desfile de Londres para Paris - e acabou por assumir o seu lugar. No final do seu percurso de 26 anos, em 2023, era tão amada e respeitada que a sua saída originou um protesto de toda a indústria, lamentando a falta de mulheres diretoras criativas nas casas de topo.

Agora, de repente, a experiência é muito importante nas contratações de designers. Alessandro Michele e Peter Copping, colegas de Burton com mais de 50 anos, foram instalados na Valentino e na Lanvin, invertendo as tendências que viram os designers disruptivos e os números dois ficarem com os lugares de topo nas últimas rondas de renovação, e Haider Ackermann, outro designer da Geração X, fez a sua estreia na Tom Ford ontem, dois dias antes da apresentação de Burton na Givenchy.

Para Burton, a Givenchy é a mais bela das missões. “Para mim, há sempre uma justaposição no que faço: há o vestido e a alfaiataria, e adoro o facto de esta casa ter estas duas coisas no seu ADN. Senti que era um ótimo lugar para estar.” Embora isso possa ser verdade, chegou numa altura em que o ADN da casa se tornou um pouco confuso, após os mandatos de Matthew M. Williams e Clare Waight Keller. Poder-se-ia descrever os últimos seis anos da Givenchy como um longo período de busca da alma, com uma clareza limitada.

O primeiro desfile de Hubert de Givenchy, em 1952, foi realizado num hôtel particulier na rue Alfred de Vigny, batizado por um jornalista da época como “a Cathédrale”.
Martin Dutkovitch/Getty Images

Por isso, Burton optou por regressar ao início - ao primeiro desfile de Hubert de Givenchy, em 1952. Ao estudar as fotografias a preto e branco da sua estreia, que teve lugar num hôtel particulier na rue Alfred de Vigny, batizado por um jornalista da época como “a Cathédrale”, ficou impressionada com a juventude de Givenchy - tinha apenas 25 anos - e com a camaradagem óbvia entre o couturier e as suas modelos, entre elas Bettina Graziani, que também trabalhava no seu gabinete de imprensa. “Mas o que realmente me espantou”, diz Burton, ”foi a forma como a coleção era gráfica; é muito simples, não é exigente. Para mim, Givenchy é silhueta”.

Por acaso, durante a renovação desse hotel, foi descoberto no interior de uma parede um conjunto de sacos de lixo com moldes de arquivo da primeira coleção de Givenchy - “como um presente”, diz Burton. Ela tem um deles em exposição no seu escritório luminoso; está em cima de uma mesa em frente a uma grande janela que enquadra a Torre Eiffel, o tipo de vista que os parisienses tomam como garantida, mas que pode parar um visitante no seu caminho. Mas não há correspondência entre o tesouro de moldes antigos e o que se verá na passerelle amanhã. “Acho que é preciso voltar atrás, mas também é preciso ir em frente. Mas adoro a ideia de que eles existem; são uma espécie de coisa mágica”, diz Burton.

Uma antevisão da nova coleção. Os vestidos parecem feitos para desafiar a gravidade, bolas de tule sem alças e vestidos “super, super-mini” cortados, sem qualquer ornamentação.

Uma antevisão da nova coleção. Os vestidos parecem feitos para desafiar a gravidade, bolas de tule sem alças e vestidos “super, super-mini” cortados, sem qualquer ornamentação.
Heikki/ Cortesia Givenchy

Os moldes, que estão agora a ser restaurados, confirmaram-lhe que, apesar da sua famosa associação com Audrey Hepburn e Breakfast at Tiffany's, a Givenchy não começou com folhos, laços e rendas. “Começou como algo bastante limpo, bastante puro e, não voltando ao básico, mas é obviamente pós-guerra”, diz Burton. “Há uma espécie de simplicidade.”

Onde Givenchy tinha Hepburn, Burton tem Cate Blanchett e Rooney Mara e a sua stylist de longa data Camilla Nickerson, que usa os seus fatos McQueen como uma espécie de uniforme. O corte - encontrar o ombro, a cintura, a forma da calça que definirá a sua Givenchy, até às costuras - tem sido a principal prioridade de Burton desde a sua chegada. Durante o seu tempo livre entre cargos, alugou um pequeno estúdio em Londres onde desenhava, costurava e voltava a “perceber porque é que se fazia tudo no início”. Aqui na Givenchy, começou por fazer esboços antes de ir para o atelier para fazer os drapeados com a equipa.

"Muitas vezes, as pessoas dizem: 'Como é que vai ficar numa fotografia?'. E eu digo, 'como é que vai ficar numa mulher, e como é que ela se sente nela?'"

Um smoking preto com duas lapelas tem um aspeto suave e forte ao mesmo tempo - é um pouco como a própria personalidade de Burton - com ombros grandes e arredondados, uma cintura de ampulheta pronunciada e costuras nas mangas que se torcem à volta do braço. “Cortei a manga numa curva e depois pressionei-a para que ficasse com esta forma muito feminina, chamo-lhe uma costura de Alta-Costura”, afirma, salientando que os casacos são feitos à medida com moldes femininos, mas com uma construção masculina. “Gosto da ideia de ambos trabalharem lado a lado, porque a construção masculina é bastante diferente da construção feminina em alfaiataria - a forma como se prensa a peça e o pano.”

Desenhou alguns dos casacos do avesso, com costuras expostas e bainhas que foram deixadas em bruto e desgastadas, mas devido à tela têm uma substância, uma gravitação chic. Muitas vezes as pessoas dizem, “ok, como é que vai ficar numa fotografia?”. E eu digo: 'como é que vai ficar numa mulher e como é que ela se sente? Como é que se consegue a proporção certa, para que pareça suficientemente gráfico, mas não se sobreponha à mulher? Para que pareça que há um ser humano dentro dele”.

Os vestidos, em contraste, parecem feitos para desafiar a gravidade, bolas de tule sem alças e vestidos “super, super-mini” cortados, sem qualquer ornamentação. Apontando para um pequeno número preto, Burton diz: “é um little black dress”, a peça icónica da Givenchy, mas talvez a melhor forma de o descrever seja “o esqueleto de um, antes de se tornar um little black dress”. O vestido de renda branca com espartilho, feito à medida, que Elle Fanning usou nos Óscares - uma antevisão da Alta-Costura de Burton, que não deverá aparecer nas passerelles antes de 2026, diz ela - é muito mais estruturado e formal, como exige a passadeira vermelha, embora o seu colega de elenco de A Complete Unknown, Timothée Chalamet, também estivesse vestido com um casaco em cabedal amarelo ácido Givenchy e calças a condizer com uma camisa em seda, que foi um dos looks masculinos mais descontraídos da noite.

Na Givenchy, Burton ganha de novo a sua reputação de designer participativa. “Acho que sou uma espécie de trainspotter quando se trata deste tipo de coisas”, admite.
Heikki/Cortesia Givenchy

Nesta visita ao atelier em janeiro, e novamente numa antevisão quatro dias antes do desfile, Burton ganha de novo a sua reputação de designer participativa, examinando um desses super-minis, por exemplo, e perguntando: “o godé está no sítio certo ou precisa de ser mais circular?” “Que tipo de tule colocámos aqui, podia ser mais leve?” “Colocamos bolsos para lhe dar uma atitude diferente?” “Acho que sou uma espécie de trainspotter quando se trata desse tipo de coisas”, admite.

Mostrando peça após peça de aparência perfeita, reitera a advertência: “ainda é um trabalho em andamento”. É sua prática fazer pelo menos três provas por peça de roupa. “São 150 provas até sexta-feira”, diz ela, não demonstrando a ansiedade que um número como este poderia incutir noutra pessoa. “Esta é a parte divertida”, diz ela, prendendo uma amostra de bordado que parece ‘envelhecido ou ligeiramente destruído’ como se também tivesse saído daqueles sacos do lixo escondidos na parede, ao laço efusivo no pescoço de um vestido de seda preto. “A McQueen era tão pequena que tínhamos de ser nós a fazer os moldes. Lembro-me de ele pôr um fecho invisível numa saia ao xadrez de corte oblíquo. O Lee era fantástico na máquina de costura, mas só tínhamos um metro, por isso não se podia cometer erros.” Claro que não. “Foi assim que aprendi a coser e a cortar moldes no trabalho.”

Haverá liberdade na reinterpretação de Hubert de Givenchy, um designer que se reformou em 1995 e com quem poucos na indústria se lembram privar? Em comparação com McQueen, que tantas pessoas ainda estimam pessoalmente? “Há uma pressão no primeiro desfile, mas isso acontece em todo o lado, onde quer que se vá”, diz Burton. “Eu sei o que gosto de fazer, o que sou boa a fazer. Aprendi isso com o Lee, e depois continuei. Temos de contar as nossas próprias histórias.”

É sua prática fazer pelo menos três provas por peça de roupa. “São 150 provas até sexta-feira”, diz ela, não demonstrando a ansiedade que um número como este poderia incutir noutra pessoa.
Heikki/Cortesia Givenchy

Quando lhe é feita a pergunta sobre as designers femininas - porque é que não há mais mulheres em posições de liderança - Burton aborda o assunto de forma pessoal. “O meu pai cresceu durante a guerra; o seu pai esteve ausente durante seis anos e foi criado por mulheres, tanto as avós como a sua mãe, por isso sempre acreditou que as mulheres governavam o mundo. Eu venho de um meio muito matriarcal. Por isso, nunca, nunca, nunca pensei que isso fosse um problema. Apenas presumi que poderia ter a mesma oportunidade. E tenho três filhas. Penso que é importante dizer que as mulheres podem fazer tudo. E eu acredito mesmo nisso”.

O último desfile de pronto-a-vestir da Givenchy de Williams foi realizado sob uma tenda nos vastos terrenos da L'École Militaire de Paris. O desfile de Burton terá lugar na sede da casa, na Avenue Georges V, com uma lista de convidados de apenas 300 pessoas e uma sensação de intimidade que evoca as fotografias a preto e branco de 1952. Descrevendo a distância entre a primeira fila e as modelos, Burton diz que a ideia é: “quão perto podemos chegar sem ficarmos presos a uma carteira?”

Ela é uma designer que pensa e trabalha à escala humana - desde a encenação do desfile até à cintura elástica que adicionou à parte de trás das calças. “Talvez por vezes seja demasiado sensível, mas quando estou a vestir alguém, quero que essa pessoa se sinta bem. Adoro as mulheres que visto e adoro falar com as pessoas que compram as roupas e com as pessoas que as usam. Acho que é uma dádiva fantástica. Volto a falar da fotografia do Instagram - é óptima, mas não é só isso. Queremos que as pessoas vivam, respirem e usem a roupa”.


Traduzido do original, disponível aqui.

NICOLE PHELPS By NICOLE PHELPS

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