É um caso de David contra Golias. Contudo, na indústria da moda, David não vence.
A apropriação do trabalho de pequenos designers pelas grandes marcas não é recente, mas as redes sociais trouxeram um rasgo de esperança àqueles que, até agora, não tinham nenhum poder.
“I work, they watch and copy.” Leia-se: eu trabalho, eles veem e copiam. Foi esta a conclusão a que Lara Luís chegou quando viu uma das suas ilustrações impressa numa t-shirt à venda por seis euros no site de compras online Shein. Embora não soubesse, essa seria apenas a ponta do iceberg. Após ter exposto o caso nas redes sociais, foi uma questão de horas até que a artista portuguesa descobrisse a sua ilustração disponível em múltiplas plataformas e impressa nos mais diversos objetos, sem nunca receber créditos pela mesma. Desde canecas a quadros, a criatividade encontrava-se em tudo - menos, é claro, na ilustração em si.
A cópia já não é um assunto novo junto dos designers e artistas portugueses. Ainda em março, uma onda de revolta deu-se nas redes sociais após a descoberta de que Tory Burch vendia camisolas em grande parte similares à camisola poveira, tradicional da Póvoa do Varzim. E tal exposição digital surtiu efeitos. Não demorou muito até que a designer norte-americana admitisse publicamente o seu erro, propondo até uma colaboração com a Câmara Municipal da Póvoa do Varzim para apoiar os artesãos da região. Meses mais tarde, foi Lara Luís, uma ilustradora de 34 anos, quem viu o seu trabalho plagiado. Desta vez, tendo um retalhista chinês de comércio eletrónico no centro da acusação.
A descoberta foi feita a partir de uma seguidora, que enviou a Lara imagens retiradas do site da Shein. “Senti-me impotente, no primeiro dia chorei porque estava frustada por não estar a ver nenhum caminho que pudesse resolver a questão”, contou a ilustradora à Vogue. O caminho acabou por ser a denúncia do caso nas redes sociais. Apesar de não estar à espera da reação avassaladora com que foi recebida, Lara admite que esta se deveu, em grande parte, ao facto da comunidade de criativos portugueses se rever no seu exemplo. Para a artista, a apropriação do seu trabalho não é a mera cópia de uma ilustração, é um “murro no estômago”, o roubo de uma parte de si mesma.
A batalha entre pequenos designers e grandes marcas é uma que se revela injusta, não só pelo sua notória gap de poder; mas, acima de tudo, pela fraca proteção legal neste campo. Enfrentar um peso pesado da indústria da Moda segundo as regras do Direito Internacional é não só um confronto de elevada dificuldade, como ainda exige recursos monetários que se encontram muitas vezes indisponíveis para a maioria dos artistas independentes. Fora isso, existirão sempre as redes sociais. O veículo de ativismo digital que, contra todas as hipóteses, tem lentamente impactado o mundo. E que, certamente, impactou a situação de Lara.
No caso da artista portuguesa, a exposição digital não lhe conseguiu uma indemnização (nem um pedido de desculpas, como havia acontecido com a camisola poveira). Todavia, Lara ainda não desistiu. "Felizmente tive a sorte de um advogado especializado nas áreas da propriedade intelectual e industrial ter entrado em contacto comigo para me representar sem qualquer custo", afirma a ilustradora. Caso consiga alguma recompensação monetária, "esse dinheiro será aplicado na criação de um fundo para proteger a propriedade intelectual dos criativos portugueses. Esta é a melhor forma de retribuir todo o apoio e trabalhar numa causa maior que nos pode beneficiar a todos." É uma gota de esperança no oceano de apropriações que assolam diariamente o trabalho de Lara Luís e de muitos outros designers que veem os lucros do seu trabalho recolhidos por mão alheia.
Por muito que esta ainda não seja uma história com final feliz, Lara sente-se agradecida pela onda de apoio que sentiu nos últimos dias. Após vários pedidos, a t-shirt com a ilustração original “I try to work. You watch and judge”, inspirada no seu gato, Sushi, já se encontra em pré-venda na loja online da artista. Entre uma das maiores surpresas ao longo desta caminhada, está o apoio da modelo portuguesa Sara Sampaio que, de acordo com Lara, já adquiriu uma das suas ilustrações.
Lara Luís
Lara Luís
Do exemplo de Lara Luís e dos artesãos poveiros pode-se retirar a mesma lição: uma partilha no Instagram não resolve o problema, mas é um passo em frente no caminho pela proteção dos direitos de autor. Hoje, todavia, continuam a ser os pequenos contra os grandes. Uma dicotomia que prevalecerá inerente à indústria da Moda até que a criatividade passe a ter dono.
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