Sabia que há pouco mais de 50 anos era proibido que os filmes norte-americanos mostrassem cenas homossexuais? É verdade, eram consideradas “perversões sexuais”.
Sabia que há pouco mais de 50 anos era proibido que os filmes norte-americanos mostrassem cenas homossexuais? É verdade, eram consideradas “perversões sexuais”.
Moonlight
Moonlight
A indústria cinematográfica nem sempre foi o que hoje é. Nos dias que correm, luta-se por uma maior e melhor representatividade de identidades de género e etnias. Há umas décadas, lutava-se pela sua opressão.
Talvez nunca tenha ouvido falar, mas nos Estados Unidos (the land of the free) foi imposto um código, em 1934, que ditava o que não podia ser mostrado em filmes lançados no país. O Hays Code vigorou até 1968 – sim, o ano em que foi assassinado Martin Luther King e em que foi feita a primeira órbita tripulada à Lua. As normas surgiram por iniciativa de um padre jesuíta, Daniel A. Lord, que submeteu aos estúdios de produção cinematográfica uma lista com os padrões que considerava aceitáveis para o cinema. Para o padre, a grande preocupação eram as crianças, que eram mais suscetíveis à "sedução" da indústria.
Depois de ter sido aceite por vários estúdios, como a Metro-Goldwyn-Mayer, a associação comercial de cinema norte-americana concordou aplicar o código a todas as novas publicações. A lista de proibições incluía “perversão sexual”, pelo que se entendiam todas as formas de amor não-heterossexual, “miscigenação” e “qualquer sugestão de nudez”. Ao longo dos tempos, foram vários os realizadores que desafiaram a censura. Alfred Hitchcock, no filme Notorious, de 1946, deu a volta à regra dos três segundos (a duração máxima que um beijo podia ter no grande ecrã) instruindo os atores para se separarem a cada três segundos, conseguindo, assim, estender a cena até aos dois minutos e meio.
Hoje já não temos estes problemas, mas temos outros. Cada vez mais a representatividade no cinema e na televisão é um fator para o sucesso e aceitação das produções. A associação GLAAD (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation) faz todos os anos, desde 2007, um estudo em que analisa a representatividade dos diferentes géneros, sexualidades e etnias na televisão norte-americana. É clara a diferença entre os conteúdos televisivos de hoje e de há cinco anos. Segundo os relatórios da GLAAD, os serviços de streaming (Netflix, HBO, Amazon) somam, hoje, nove personagens transgénero. Em 2015, eram apenas quatro. A associação denuncia, no relatório de 2020/2021, que as personagens bissexuais são retratadas como “inerentemente desonestas e adúlteras”. Há cinco anos, a crítica era a mesma: “personagens bissexuais são retratadas como indignas de confiança, propensas a infidelidade e com falta de sentido moral”. A GLAAD revela, ainda, que em 2020 foi registado o primeiro decréscimo de personagens LGBTQIA+ nos canais televisivos norte-americanos desde 2013.
Brokeback Mountain
Brokeback Mountain
A homossexualidade é a orientação que mais protagonismo tem da comunidade LGBTQIA+, sendo que 34% das personagens queer são lésbicas e 40% gays. Mas ainda são deixadas de fora certas orientações e identidades de género. Foi só em 2020 que a associação atribuiu a sua própria categoria às personagens não-binário, que eram antes contadas junto com as transgénero. Nas plataformas de streaming, foi contabilizada apenas uma personagem não-binário em 2020.
Apesar de ainda não ser incluída neste estudo, a assexualidade é uma orientação sexual que ainda é pouco representada nos media. Em BoJack Horseman, são duas as personagens que se assumem claramente como assexual: Todd Chavez e Yolanda Buenaventura.
Mas talvez o retrato mais marcante desta orientação é o feito pela série de televisão House – sim, a do médico com complexo de deus. No nono episódio da oitava temporada, é introduzido um casal que se assume como assexual. House recusa-se a aceitar a assexualidade do casal, até aposta 100 dólares que consegue achar uma razão médica para a falta de libido dos dois. O marido é, então, diagnosticado com um tumor cerebral que inibe o seu desejo sexual. House tem razão, tem sempre razão. Assim que começam o tratamento para o tumor, a esposa confessa que nunca foi assexual, apenas o admitiu para estar de acordo com o desejo do marido. Vale a pena recordar que esta não é uma série exatamente datada – este episódio estreou em 2012.
Já a série Riverdale foi inspirada uma série de livros de banda desenhada – os Archie Comics, criados por Bob Montana e John L. Goldwater. Na história original, a personagem Jughead Jones assume-se como assexual. Na adaptação ao pequeno ecrã, é alterada a sexualidade do jovem, interpretado por Cole Sprouse, que se envolve numa relação amorosa com Betty Cooper logo na primeira temporada. Esta decisão mereceu críticas não só dos fãs, mas também do ator que interpreta a personagem.
Pose
Pose
Numa nota mais positiva, aproveitamos a ocasião para deixar algumas sugestões de séries e filmes que fizeram por integrar personagens de diferentes origens e sexualidades.
Brokeback Mountain, de 2005, retrata o romance atribulado e secreto entre dois homens. Os dois, além de não assumirem a sua sexualidade, acabam por se casar com as respetivas namoradas. Moonlight, o grande vencedor do Óscar de Melhor Filme de 2016, retrata a vida de Chiron e a sua grande crise de identidade e sexualidade. A produção fez história por ter sido o primeiro vencedor do prémio da Academia em que o enredo se centra numa história da comunidade LGBTQIA+. Quanto às séries, não podemos deixar de mencionar Pose, que, entre 2018 e 2021, retratou o cenário das drag queens de Nova Iorque nas décadas de 1980 e 1990. A produção tratou, ainda, a luta contra a pandemia do HIV na comunidade queer.
Não há dúvida de que a representatividade de diferentes géneros e sexualidades tem vindo a mudar, para dar uma maior visibilidade a identidades que há algumas décadas eram estritamente censuradas. Neste mês de junho, e em todos os restantes, celebramos a diversidade e o que nos torna verdadeiramente nós.
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