Com a chegada da edição de abril de 2019 da Vogue às bancas, tem a palavra Sofia Lucas, diretora.
Todos nós estamos ligados a África, todos nós temos origem em África, quer o saibamos quer não.
É comum dizermos que África é o berço da humanidade e investigações recentes dão-nos provas disso. O povo Khoe-San, da África Austral, reconhecido há já vários anos como um dos grupos genéticos humanos distintos mais antigos, é identificado em pesquisas mais recentes, como a primeira divisão da principal árvore genealógica humana descoberta até agora. Estas novas descobertas ilustram a importância da diversidade genómica africana na compreensão da história evolutiva humana. Talvez por todo o ser humano ter as suas raízes em África, Dalí tenha escrito no seu diário “tenho saudades de África, apesar de nunca lá ter estado”. De alguma forma, consciente ou não, existe uma ligação e uma memória, ainda que apenas genética, em cada um de nós, independentemente da ligação física ou emocional ao continente materno.
Esta edição da Vogue não pretende ser um compêndio sobre o continente africano, mas sim uma homenagem às nossas origens, às nossa raízes, ao que nos faça sentir em casa, e sobretudo ao continente que chamamos de berço. Um continente tão rico quanto diverso em comunidades, que nos desperta todos os sentidos, tanto nas memórias que reconhecemos como nas que nos propomos a descobrir.
"O lugar onde nascemos ditará sempre parte da nossa identidade, que se constrói e entrecruza, inevitavelmente, com a nossa origem genética."
A busca pela nossa própria identidade passará sempre também pelas nossas raízes e pela nossa origem. A identidade é muito mais do que os elementos básicos que nos definem à nascença, como o género ou a cor da pele. E mesmo nestes pontos nem tudo é inato. Embora, obviamente, o ambiente social não determine o sexo, determina o seu significado. Nascer menina em Cabul não é o mesmo que nascer em Lisboa; a condição de ser mulher, como qualquer outro fator na identidade de alguém, é experimentada de forma diferente nos dois lugares. E o mesmo se passa com a cor da pele. Nascer negro em Lagos, Pretória ou Luanda não é o mesmo que nascer em Nova Iorque. O lugar onde nascemos ditará sempre parte da nossa identidade, que se constrói e entrecruza, inevitavelmente, com a nossa origem genética, que nos imprime as características físicas com que podemos nascer e crescer em geografias tão distintas quanto as diferenças socioeconómicas e emocionais, que nos tornam pessoas únicas, a ocupar o nosso lugar ímpar no mundo.
Existe em mim uma fusão de ADN português e africano, sendo filha de uma mãe alentejana e de um pai nascido no Zaire. Toda a minha vivência e educação estão ligadas a Portugal, mas é inevitável a necessidade de saber mais da minha herança genética e de pisar a terra, que de alguma forma, também é o meu berço. A viagem de descoberta, que por diversas razões tenho adiado, ao lugar onde parte de mim teve origem está na minha bucket list, onde quero ter o tempo para me perder a descobrir as minhas memórias, muito mais do que genéticas, que herdo das histórias de família e nas imagens desfocadas em tom sépia que guardo nos álbuns fotográficos antigos, e poder passá-las da mesma forma à minha filha como a herança e o legado preciosos que fazem da sua própria identidade.
E na necessidade deste legado, estamos todos ligados, independentemente do nosso berço. Como disse Maya Angelou, “África para mim é mais que um lugar fascinante. É uma verdade histórica. Nenhum homem pode saber para onde vai a menos que saiba exatamente onde esteve e exatamente como chegou ao seu lugar atual”.
Editorial originalmente publicado na edição de abril de 2019 da Vogue Portugal.