Quase 20 anos nos separam da entrada no novo milénio e com a distância relativa com que já se consegue olhar para trás, dedicamos esta edição a uma retrospetiva do que mais nos marcou nos anos 2000.
Cartaz de Metropolis, filme de ficção científica de 1927, realizado por Fritz Lang, que retrata o então longínquo futuro de 2026.
Cartaz de Metropolis, filme de ficção científica de 1927, realizado por Fritz Lang, que retrata o então longínquo futuro de 2026.
Quase 20 anos nos separam da entrada no novo milénio e com a distância relativa com que já se consegue olhar para trás, dedicamos esta edição a uma retrospetiva do que mais nos marcou nos anos 2000. Claro que quando uma equipa tão diversa em termos de idades e personalidades se focou no mesmo tema, o simbólico Y2K, inevitavelmente percebemos que pessoas que viviam o auge da sua adolescência nesse ano não podiam ter algumas das perceções de quem entrava numa idade mais madura no novo milénio, com referências, experiências e interesses completamente diferentes.
No meu caso, nascida em 1971, bem como toda a minha geração e as anteriores à minha, cresci num mundo de expectativas e futurologia sobre o ano 2000. Desde referências cinematográficas, como Espaço 1999 a 2001, Odisseia no Espaço, às enraizadas profecias populares sobre um quase certo “fim do mundo”, passando pelas vertiginosas mudanças nas décadas anteriores que, desde os anos 60, não pararam de revolucionar o mundo, a uma velocidade tão furiosa que quase pareceu alterar a própria rotação do globo terrestre. Independentemente da imaginação dos mais velhos ou da indiferença de uma geração recém-nascida, o ano 2000 chegou. Com uma leveza que quase defraudou as expectativas de quem planeava e aguardava pelo épico novo milénio sob a forma de meteorito, fosse ele literal ou metafórico. E, na verdade, chegou muito menos estrondoso do que se poderia esperar, mas com a promessa de um estrondo que quase nem nos apercebemos estar a viver em termos de transformação, levando-nos a passos cada vez mais largos para um futuro que só a ficção científica nos fez imaginar décadas atrás. Por vezes o futuro previsto chega-nos como um lobo em pele de cordeiro. Amanhecemos no dia 1 de janeiro de 2000, longe da imagem tecnológica em que todos somos transportados em naves espaciais e de uma era em que o planeta Terra já não é sequer o habitat natural do ser humano, mas de um exército de robots, ao ponto de nos conseguirmos rir das visões do passado.
Este breve momento foi caracterizado por um período estético distinto, encapsulando Moda, design de hardware, música e mobília com otimismo tecnológico – e, às vezes, literalmente. Materiais sintéticos ou com aparência metálica, mobília insuflável, calçado lunar e penteados inspirados em alienígenas eram apenas alguns sinais do espírito da altura. Até os videoclips populares da época tinham um conjunto de traços comuns: roupa brilhante, tons gelados, peças semelhantes a câmaras de ar ou interfaces de computador e os efeitos sonoros bubble pop.
Viveu-se uma certa euforia de prosperidade tecnológica com uma onda de aparelhos novos e modernos para o consumidor, computadores e espaços digitais, e todos os tipos de expressão cultural criativa se tornaram possíveis, até o avanço do mundo digital se tornar mainstream. Os media do século XX sempre conceberam o ano 2000 como “o futuro” e agora o futuro havia chegado.
Embora tenha sido de curta duração, a estética do Y2K foi um período, como em qualquer viragem de século, ou de milénio, que se traduz sempre numa fusão e remakes futuristas de referências retro. Estudar a estética deste período é mais do que uma agradável sensação de nostalgia – pode ser também uma das formas possíveis de compreender de forma mais detalhada um período, os seus valores, os seus media e até o caminho da tecnologia. Só daqui a um largo período de tempo vamos poder compreender o que vivemos agora. Será que as tendências de Moda aerodinâmicas e inspiradas nos androides vistas nas Met Gala dos últimos anos apontam para um boom iminente da cibernética, da realidade virtual e da inteligência artificial? Como será a estética deste tempo que vivemos em retrospetiva daqui a uma década – e o que pode vir a revelar sobre nós que não conseguimos ver no presente?
Como em tudo na vida, olhar para trás é tão importante como olhar em frente, com o único propósito maior: viver o presente com maior consciência.