No universo das girls band e boys band pop dos anos 2000, há uma constante que lhes é transversal, e não é só o sucesso nas tabelas de vendas ou a quantidade de gel no cabelo, mas a injusta divisão da fama entre os participantes. Recordamos os (não tão) bons (para alguns) velhos tempos.
No universo das girls band e boys band pop dos anos 2000, há uma constante que lhes é transversal, e não é só o sucesso nas tabelas de vendas ou a quantidade de gel no cabelo, mas a injusta divisão da fama entre os participantes. Recordamos os (não tão) bons (para alguns) velhos tempos.
Pode parecer uma realidade longínqua, mas no início do novo milénio grande parte da população portuguesa não tinha Internet em casa (perdão? como?). Mas, nem por isso éramos menos atualizados acerca do panorama musical pop. O pilar principal da casa era uma televisão e o cenário era mais ao menos este: passavam-se horas a fio em frente à caixinha mágica para ver pela milésima vez os telediscos de Survivor, Don’t Cha ou Bye, Bye, Bye. As coreografias estavam nas pontas dos pés e as letras eram decoradas até à exaustão. Aqueles três/quatro minutos eram nossos. Arriscamos a dizer que nem as atuações de Beyoncé – tal como as conhecemos hoje – eram tão icónicas.
O tempo voou. Hoje, está tudo à distância de um mero toque num ecrã touch topo de gama e o entusiasmo acabou por se desvanecer. No entanto, há uma realidade que se mantém intacta. Alguns integrantes destes grupos megafamosos continuam a ser figuras meramente ilustrativas e não somos nós que o dizemos. Está à vista de todos. Ora vejamos, um miniteste: à parte de Nicole Scherzinger, qual é o nome dos restantes elementos das The Pussycat Dolls? Não o julgamos se não souber, a probabilidade é pequena. Mas a pergunta que não nos sai da cabeça é: porquê?
Abordar o fenómeno das girls band e não nos debruçarmos sobre as c seria o mesmo do que ir a Milão e não visitar, pelo menos três vezes, a sede da Versace. Beyoncé Knowles, Kelly Rowland e Michelle Williams formaram o trio‐maravilha que conquistou tudo e todos, moveram milhões e marcaram uma geração. Mas nem tudo é um mar de rosas. Já ouviu falar de www.poormichelle.com? Apostamos que sim. Em todo o caso, e para os mais desatentos, importa clarificar o que é. Estávamos em janeiro de 2013 quando a primeira fotografia foi publicada: era um retrato promocional do trio e Williams surge no meio de Kelly e Beyoncé mas de cabeça para baixo. “The time they made Michelle lie upside down in a photo...”, é a legenda que acompanha a publicação. Senhoras e senhores, por favor, cumprimentem o (então) novo meme. Iniciou‐se assim um movimento que nos deixa a pensar. Porque é que isto aconteceu a Michelle e não a Beyoncé? Conflitos de interesse? Uma questão de personalidade? Ou será apenas falta de aptidão para lidar com o showbizz?
Michelle não é o único membro transparente. Se percorremos outros grupos da mesma década percebemos que a popularidade estava concentrada num único elemento. Os ‘N Sync, por exemplo, alcançaram um sucesso desmedido, venderam um milhão de cópias com o segundo álbum, No Strings Attached, em apenas 24 horas, mas dois anos depois decidiram fechar capítulo e prosseguiram com carreiras a solo. Dos cinco elementos, apenas conhecemos o paradeiro de um, Justin Timberlake, claro, que conseguiu o seu lugar ao sol na indústria musical, arrecadando nove Grammys e quatro Emmys. Quanto aos restantes, bom Chris Kirkpatrick faz dobragens em filmes infantis; Joey Fatone participou no Dancing With the Stars e narrou Feud Family; JC Chasez, depois de uma carreira falhada, tornou‐se produtor musical e Lance Bass dedicou‐se ao cinema e à televisão depois de tentar ser astronauta.
Portugal não fica fora desta equação. À época, sintonizar a rádio e ouvir a Rainha da Noite (D’Arrasar) ou a emblemática Eu Sou Aquele (Excesso) era muito frequente. Os responsáveis deste último sucesso, conseguiram vender cerca de 140 mil discos, assinaram linhas de calçado, de roupa e perfumes. Moveram centenas e faziam as delí‐ cias dos adolescentes. Dos cinco participantes, imediatamente nos recordamos de João Portugal e Melão, os únicos que associamos a este fenómeno. Uma vez mais, e os restantes? Gonzo é DJ e dedica‐se à produção musical, Duck devido à instabilidade de uma carreira ar‐ tística passou a vender refrigerantes e Carlos – o primeiro a deixar a boys band – editou um álbum, passou pelos Hexa Plus e acabou por se tornar guia turístico em Espanha.
De volta a Williams, se até há bem pouco tempo procurá‐la no Google nos levava à atriz norte‐americana que partici‐ pou em Manchester by the Sea (2016), agora as coisas parecem ter mudado de figura, assim que a cantora publicou uma fotografia na sua conta de Instagram a anunciar que ia entrar numa clínica de reabilitação para tratar a saúde mental. “Dediquei‐me durante anos a aumentar a consciencialização sobre a saúde mental e a capacitar as pessoas a reconhecerem quando é a hora certa para procurar ajuda”, começou por escrever. “Recentemente, ouvi os conselhos que dei a milhares de pessoas e pedi ajuda a uma grande equipa médica”, disse e imediatamente recebeu apoio público de nomes bem conhecidos, como Tina e Solange Knowles e Missy Elliott.
Apesar de a cantora norte‐americana não ter atingido um sucesso global, isso não faz dela (ou de qualquer outro elemento acima refe‐ rido) menos importante ou talentosa. Editou quatro discos – Heart to Yours (2002), Do You Know (2004), Unexpected (2008) e Journey to Freedom (2014) –, foi protagonista em espetáculos como Aida e Chicago, onde interpretou a personagem de Roxie Hart, ambos na Broadway, e, a fazer companhia aos Grammy que arrecadou enquanto esteve nas Destiny’s Child, tem um Stellar Award e um MOBO. E mesmo estan‐ do na fila de trás, usando calças quando todas estavam de saia ou não tendo recebido convite para o casamento da Serena Williams, a verdade é que não haveria Destiny’s Child sem ela. A outra verdade é que nem todos podemos ser uma Beyoncé. #Poorus?
*Artigo originalmente publicado na edição de agosto da Vogue Portugal.