A ativista brasileira Amanda da Cruz Costa acredita num mundo mais justo, mas sabe que é um caminho que precisa de ser palmilhado todos os dias. Os jovens não são o futuro, são o agora - e estão mais conectados que nunca com as questões sociais. Conversamos com Amanda da Cruz Costa sobre sustentabilidade, ativismo e direitos de igualdade.
A ativista brasileira Amanda da Cruz Costa acredita num mundo mais justo, mas sabe que é um caminho que precisa de ser palmilhado todos os dias. Os jovens não são o futuro, são o agora - e estão mais conectados que nunca com as questões sociais. Conversamos com Amanda da Cruz Costa sobre sustentabilidade, ativismo e direitos de igualdade.
Como olha para a sustentabilidade?
Eu encaro a sustentabilidade a partir de três pilares, que é o “tripé da sustentabilidade'', ou seja, a parte social, a parte ambiental e a parte económica. Olhar para a sustentabilidade é diminuir as desigualdades sociais, fomentar uma economia inclusiva, ao mesmo tempo que somos ambientalmente responsáveis. Então, eu entendo a sustentabilidade dentro deste grande copulo e, também gosto de trazer a parte dos cinco p 's da sustentabilidade: planeta, paz, parcerias, pessoas e prosperidade. Então, para mim, olhar para a sustentabilidade é ter esta visão ampla, holística, em que não basta abraçar as árvores e falar “gratidão” (risos), mas sim, compreendermos em profundidade de que quando estamos a trazer o tema da sustentabilidade, também estamos a pensar na parte económica, estamos a pensar em diminuir as desigualdades, estamos a pensar nisto tudo. Que as nossas ações cuidem do meio ambiente, respeitem os povos tradicionais, respeitem a nossa fauna e a nossa flora, acima de tudo, o nosso planeta como um todo.
Recentemente publicou um artigo sobre "Environment of Racism”, como é que olha para a evolução deste tema na comunicação social, em especial nas camadas mais jovens?
Nós precisamos de fazer um recorte para esta juventude. Porque é que eu trago isto? Porque aqui no Brasil, é um tema que está a surgir cada vez mais. Como este ano sou delegada na delegação de jovens brasileiros no Y20, o grupo de jovens que vão influenciar os líderes dos países G20, numa perspetiva global falar sobre racismo climático ainda é um pouco tangível para eles, por isso, percebo o porquê de a juventude de países como os Estados Unidos da América, França ou Itália, não conseguem entender com muita profundidade como é que isso acontece e como é que isso se reflete na sociedade? Mas fazendo um recorte para os grupos brasileiros, isso é algo explícito, que está acontecendo. A juventude está motivada para apresentar ferramentas para reverter este cenário, não fica apenas no campo da advocacia mas sim, no campo construção e de implementação de agenda. Para entendermos quais os atores que podemos mobilizar, que tipo de conversa ou que tipo de agenda nos podemos “levantar” para que, para além de sermos ouvidos, possamos ser contemplados. Acho que os jovens brasileiros estão muito motivados, pelo menos nos espaços que eu ocupo. Porém, num contexto mais global, ainda é existe uma grande dificuldade em “levantar” esta pauta na agenda internacional
A ideia de um mundo mais justo é uma realidade utópica ou acha que é possível de ser alcançada?
Eu tenho uma visão muito positiva do mundo, eu acredito que um mundo mais justo seria possível, mas para isso é necessário que as pessoas tenham consciência dos conceitos de raça, classe e de género. Que parem de externalizar toda a culpa nos governos e que comecem a entender as microrrevoluções que elas podem fazer. Para mim esta transformação passa por três lugares: individual, quando eu paro, respiro e me questiono sobre quais as mudanças que eu posso trazer ao lugar em que estou inserida; coletiva, depois da reflexão individual começo a mobilizar atores que estão perto de mim; e política, quando tenho uma estratégia, uma campanha ou um programa estruturado e o utilizo como força argumentativa para pressionar os tomadores de decisões. A ideia de um mundo mais justo é possível de ser alcançada, mas, para isso, é necessário mobilização, engajamento, articulação, estratégia, reflexões profundas no campo individual, coletivo e político, para que cada ser humano se entenda e se observe nesse lugar.
Quando surgiu o interesse por ativismo?
O meu interesse surgiu quando recebi a bolsa da World Alliance of YMCAs para representar a juventude brasileira na Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2017. Quando fui para a conferência, percebi que o debate era muito amplo, que a crise climática tinha impacto em todo o mundo mas, principalmente nos povos marginalizados, nas comunidades periféricas, que muitas vezes não são representadas no ambiente de tomada de decisão. Quando fui para a conferência na Alemanha, só via um recorte de pessoas, os homens brancos, héteros, ricos e velhos, ocupando o meu lugar de fala, o das comunidades periféricas, dos povos marginalizados, a falarem sobre a desigualdade. Quando na verdade, eu poderia estar nesse lugar, tanto para trazer uma representatividade do que eu vivo mas também porque voltei para a minha comunidade e comecei a engajar a periferia de São Paulo para as questões climáticas.
Democratizar o conhecimento sobre clima, meio ambiente, direitos e igualdade é um dos seus objetivos. De que forma é que está a desenvolver esse trabalho?
Eu sou uma comunicadora, então, utilizo algumas estratégias para potenciar o alcance desses temas. Tenho três causas principais, que são: a crise climática, negritude e sustentabilidade. Além disso, tenho um projeto social, chamado PerifaSustentável, que tem esse objetivo, democratizar o conhecimento. É feito através de três níveis: participação política, ações comunitárias e documentação, utilizando recursos como blogs, vídeos ou podcasts, com o objetivo de trazer cada vez mais pessoas para a causa.
Os jovens são o futuro e estão cada vez mais conscientes, como é que olha para o desejo por um mundo mais justo?
Eu adoro esta frase que é: “não somos o futuro, somos o agora”, e por vezes as pessoas mais experientes colocam os jovens num lugar de inspiração, de futuro, os que vão construir uma nova realidade, mas na verdade, já é algo que está a acontecer, já é uma realidade, só que muitas vezes não é reportado pelos grandes centros de comunicação. Eu acredito que a juventude está com um olhar cada vez mais plural, ou seja, eu enquanto ativista climática também sou ativista pela negritude. Trago este olhar interseccional de que nós não podemos ser ambientalistas sem ser anti-racistas, uma luta não está desconectada com a outra. Eu acredito que esta juventude está a trazer estes discursos de forma mais fundamentada, de forma em que nós trazemos os nossos conhecimentos empíricos, as nossas vivências, mas também, trazemos um conhecimento teórico, universitário e, para além disso, somos uma juventude que apresenta uma perspetiva descolonizada. Nós conseguimos encarar estes temas a partir de uma ótica do sub-global, sabemos o que é que é a América Latina, o que é a Ásia ou o que é que é a África. Porque por muito tempo, a nossa narrativa, o nosso conhecimento e as nossas experiências foram eurocêntricas. Ou seja, o que acontecia na Europa, “respingava” aqui no sub-global, aqui no Brasil. [Hoje] vejo uma juventude utilizando a internet, as conexões, as alternativas para procurar esse conhecimento de uma forma mais ampla e holística e não apenas com uma narrativa solitária. Uma juventude consciente de um outro lugar, curiosa para desbravar caminho.
Amanda é embaixadora da ONU para a juventude, como é fazer parte dessa organização e quais são as suas funções?
Desde outubro de 2020 que eu sou uma jovem embaixadora da United Nations of Drugs and Crimes que fez uma parceria com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo (SMDHC), para formar jovens multiplicadores da Agenda 2030. Eu fui indicada para ocupar esse espaço e para trazer essa narrativa. A nossa função principal, é ampliar o alcance, a promoção e a territorialização da Agenda de Desenvolvimento Sustentável da ONU, e aí, as ações são diversas. Cada embaixador tem as suas iniciativas, a minha principalmente é o meu projeto PerifaSustentável, para democratizar os ODS aqui na periferia. Para além disso, tenho também os grupos que estou conectada, por exemplo, sou colunista da Agência Jovem de Notícias e também escrevo artigos em inglês no Youth Press Agency,nestes artigos falo sobre os ODS, inclusivo, fiz uma série de seis artigos explicando desde do que é uma Agenda Sustentável, se a ideia de um mundo mais justo é utópica, se essa Agenda é racista, quais são as abordagens que ela traz. Vários artigos mergulhando neste tópico, trazendo isso de uma forma mais sistémica, contemplando diversos fatores, mas sempre a partir do meu lugar de fala, enquanto mulher, jovem, preta e periférica.
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