Do outro lado do Atlântico, existe uma organização sem fins lucrativos criada para fazer a divulgação da cultura portuguesa em território estrangeiro. A Vogue Portugal esteve à conversa com a sua fundadora, Ana Ventura Miranda.
Do outro lado do Atlântico, existe uma organização sem fins lucrativos criada para fazer a divulgação da cultura portuguesa em território estrangeiro. A Vogue Portugal esteve à conversa com a sua fundadora, Ana Ventura Miranda.
© Arte Institute
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Foi no mundo do teatro, enquanto atriz, que Ana Ventura Miranda iniciou a sua relação com as artes. Com os olhos postos no Brasil, fez uma paragem em Nova Iorque para completar a sua formação, mas por lá ficou. Na Big Apple, sentiu a cultura portuguesa caída no esquecimento, sem que houvesse uma organização a fazer a sua divulgação nos Estados Unidos. O ano era 2011 e assim começa a história do Arte Institute de Nova Iorque, fundado por Ana Ventura Miranda. Em território lusitano para mais uma edição da iniciativa RHI, a diretora do Arte Institute conta à Vogue Portugal a sua história.
O que a levou a fundar o Arte Institute?
Inicialmente, o que eu queria fazer era que houvesse uma imagem de Portugal contemporâneo nos EUA, o que não havia. Eu questionava: “porque é que todos os países têm uma casa onde mostram a cultura deles e não há nada para Portugal?” Eu estava sempre a falar nisto aos embaixadores, aos jornalistas, a todas as pessoas que achava que podiam ter uma voz para falar sobre este assunto. Toda a gente dizia que eu só tinha ideias grandes e que realmente isto não era possível fazer, que só se conseguia com muito dinheiro e era preciso um grande investimento. Houve um dia em que fiz uma curta metragem, porque queria aprender a editar vídeo. Depois, a escola mandou-a para um festival, a minha curta ganhou e eu olhei para aquilo e pensei: “ganhou não é porque é espetacular, as outras é que são mesmo muito más”. Então percebi que em Portugal já se faziam coisas muito melhores do que estas, mesmo a nível de universidade. Saí do cinema e nesse mesmo dia fui saber quanto custava alugar uma sala de cinema para poder passar uma mostra de curtas portuguesas. Depois, começaram a chegar os filmes e eram muito bons. Pensei: “uma mostra porquê? Porque não um festival?” Já estava a gastar dinheiro para fazer aquilo tudo, porque é que eu não faço um portal em que posso pôr também uma galeria online para os artistas plásticos? Há 11 anos isto era uma ideia completamente fora da caixa e não tínhamos dinheiro nenhum, nem apoio de ninguém. Era com o dinheiro do meu ordenado que eu fazia estas coisas. Contactei os parques de Nova Iorque e eles ofereceram um dos parques principais, o Union Square Park, onde tinham um pavilhão novo e ofereceram-no para fazer as curtas lá. Aquilo correu muito bem, então eles ofereceram o parque e o pavilhão para fazermos o que quiséssemos durante o verão inteiro. Na segunda-feira a seguir cheguei lá e disse que contactei tudo o que era artista portugueses em Nova Iorque, afinal não vai ser só cinema, vamos fazer [mostras] de 15 em 15 dias de Portugal contemporâneo em todas as áreas.
Sente que lá fora há curiosidade pela cultura portuguesa?
Há, mas ainda é o país que vai à frente, não é ainda a cultura que puxa as pessoas. Depois de cá virem, de conhecerem melhor, aí já começam a alargar os seus horizontes. Isto não acontece do dia para a noite. Há muita coisa a explorar que as pessoas vão acabar por ter interesse, mas temos de ser nós a fazer o trabalho, de aprender a mostrar o que temos e de facilitar que isso seja acessível aos turistas. Podemos ter peças de teatro muito giras, mas, se não há uma legenda em inglês, é impossível um americano ir ver, por exemplo.
© DR
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E cá dentro?
Acho que tem havido uma evolução, mas há ainda muito trabalho a fazer, de todas as partes, tanto do público quanto da classe artística, ou seja, na maneira como os artistas se promovem. Durante a pandemia muitos artistas faziam coisas no online e depois pediam donativos. Quando falamos em donativos parece que estamos a falar de uma causa social, não é o caso. É o nosso trabalho, a nossa profissão e isto tem de ter valor. Quando nós próprios não nos posicionamos da forma certa, a perceção do público é errada, porque surge a ideia de que isto é um hobby. Nem gosto de utilizar a palavra apoio, gosto mais de parceira ou investimento, porque não se está a apoiar, está-se a investir, há um retorno. Estas coisas parecem muito pequenas, mas estão enraizadas nas cabeças das pessoas. Esta valorização tem de começar dentro da própria classe, para que as pessoas possam olhar para isto e valorizar. Eu não tenho dúvida nenhuma de que somos um país com grande valor cultural e com artistas extraordinários. Aliás, não podíamos estar a fazer isto há 11 anos se as pessoas não tivessem qualidade.
Fale-nos do RHI, o evento que toma lugar entre os dias 17 e 25 de junho, de norte a sul de Portugal.
Esta iniciativa é exatamente uma extensão para falar, por um lado, do modelo de negócio que nós adotamos com as empresas, no fundo para que se promova uma ligação maior com as empresas e que não seja tudo à base de subsídios. Por outro lado, serve para fomentar a ligação entre a arte, a cultura e o turismo, porque antes da pandemia tínhamos 23 milhões de pessoas a entrar em Portugal e a verdade é que as artes estavam a aproveitar muito pouco estas pessoas. As cidades fora dos grandes centros urbanos têm uma oportunidade de agarrar pessoas que provavelmente só iam fazer uma viagem para ver um monumento ou comer alguma coisa e não iam lá dormir, mas se começarmos a criar espetáculos para ser vendidos junto com os pacotes de viagens, se se começar a promover uma maior ligação - como hotéis acolher artistas para fazer determinados espetáculos -, se calhar já se consegue que, por exemplo em vez de alguém ir só visitar o Mosteiro de Alcobaça já se consegue que fiquem lá a noite. Ainda promovemos a internacionalização dos artistas, porque o que fazemos é trazer programadores estrangeiros que podem ver nestas cidades artistas que são emergentes ou pouco conhecidos. Esta tem sido a minha batalha nos últimos anos, a de tornar Portugal num destino turístico cultural. Já é um destino turístico, mas agora temos de ter outro tipo de oferta.
O RHI concentra-se na relação entre cultura e negócios. Quais são os pontos fracos nesta ligação em Portugal?
O que se diz é que há falta de apoios e de incentivos para as empresas investirem na cultura. Acho que há outros desafios à frente, porque quando uma empresa quer muito apoiar, arranja-se forma, não é por não haver incentivos. Aí é que eu acho que, enquanto classe artística, temos de ser criativos. Por exemplo, se uma empresa quiser fazer uma ação de formação sobre public speaking, isto é uma coisa que músicos e atores podem fazer, porque eles têm essa formação para exercer a sua profissão. Se calhar, em vez de se contratar uma empresa de recursos humanos para fazer estas ações, poderiam contratar atores ou músicos e, pelo caminho, patrocinar também uma peça ou um espetáculo. É muito mais fácil o dinheiro ser direcionado para uma proposta destas ou uma que só oferece bilhetes e o nome na sala de espetáculos. Se calhar, nós também temos de começar a perceber novas maneiras de o fazer e é isso que o RHI mostra, que há essas alternativas. No RHI, os eventos são gratuitos precisamente para que todas as pessoas possam participar e faço o apelo a que procurem e venham à cidade mais perto, porque será em muitas e podem ainda conhecer os programadores que estão aqui para ver os artistas.
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