A nova série da Disney+ explora os bastidores da vida de Karl Lagerfeld antes de se tornar num mito. Entre paixões ardentes, rivalidades intensas e o glamour parisiense, descobrimos o behind the scenes desta produção, numa entrevista com os criadores.
Foi em 2019 que a aclamada jornalista Raphaëlle Bacqué lançou Kaiser Karl: The Life of Karl Lagerfeld, uma biografia penetrante que desvenda a vida e a carreira do lendário Karl Lagerfeld. No livro, Bacqué oferece um retrato meticuloso da sua vivência, desde a juventude na Alemanha até à ascensão como um pilar incontestável da Moda mundial. Entre as relações complexas, rivalidades intensas e o controlo meticuloso da imagem pública, a autora explora personalidade do génio, marcada por excentricidades e controvérsias mas também pela humanidade que se esconde por detrás de óculos de sol e penteados perfeitos.
Foi este o ponto de partida para criar a série de seis episódios que estreou na Disney+ este mês, que desvenda quem era Karl antes de ser Lagerfeld: Em 1972, Karl Lagerfeld (Daniel Brühl), com 38 anos, era um designer de prêt-à-porter desconhecido do público em geral. Durante esse período, apaixona-se por Jacques de Bascher (Théodore Pellerin), um jovem ambicioso e enigmático. Simultaneamente, Lagerfeld ousa enfrentar o seu amigo e rival Yves Saint Laurent (Arnaud Valois), um génio da Alta-Costura apoiado pelo temível empresário Pierre Bergé (Alex Lutz).
Becoming Karl Lagerfeld transporta-nos para o coração dos anos 70 e acompanha a ascensão da personalidade que estava destinada a tornar-se no Kaiser da Moda, entre glamour, choques de egos, festas grandiosas e paixões destrutivas. A Vogue Portugal conversou com Raphaëlle Bacqué, Isaure Pisani-Ferry [argumentista da série] e Jérôme Salle [realizador de três episódios e produtor artístico] sobre o processo de criação e, sobretudo, acerca do homem por detrás do mito.
Karl Lagerfeld e Pierre Bergé
Isaure Pisani-Ferry: A Gaumont adquiriu os direitos do livro da Raphaëlle [Bacqué] e telefonou-me a perguntar se estaria interessada em transformá-lo numa série de televisão. Então a Raphaëlle e eu começámos a trabalhar juntas num conceito e a pensar que parte desta vida [de Karl] seria realmente interessante, universal e dramaticamente densa para ser transformada numa série de televisão. Foi então que decidimos concentrar-nos nos anos 70 e nestas quatro personagens - Pierre Berger, Yves Saint Laurent, Karl Lagerfeld e Jacques de Bascher - e na relação de amor, ódio e competição entre eles.
Foram essas as 10 páginas que enviámos à Disney, que depois se juntou a nós. Posteriormente, começou toda a fase de escrever a série, que demorou algum tempo; um ano e meio. Houve muita investigação, entre entrevistar pessoas que conheciam Lagerfeld na altura e ler muitos livros e jornais da época. Aos poucos fui trabalhando com três argumentistas no total para construir a história e escrever o argumento, e depois foi aí que entrou o Jérôme.
Por que motivo decidiram focar a série nos anos 70 e neste período da vida de Karl?
Isaure Pisani-Ferry: Bem, primeiro Karl Lagerfeld mudou centenas de vezes ao longo da sua vida e mentiu muito sobre a verdade da sua própria história; mentiu sobre a idade, sobre os seus pais, mentiu sobre a sua nacionalidade… Por isso, assim que decidimos que nos íamos centrar nos anos 70, eu, por exemplo, só me encontrei com pessoas que o conheceram precisamente nos anos 70. Se o tivessem conhecido nos anos 80 não estava interessada, mesmo que fossem os melhores amigos durante os 40 seguintes - só queria falar com pessoas que conhecessem Lagerfeld dessa altura. Ler os jornais ajudou muito, porque ele construiu toda uma história e toda uma lenda à sua volta e então tivemos que chegar à verdade. [...] Não se pode contar a história de um destino como se o personagem já soubesse o que lhe vai acontecer, por isso o que se pretende é reencontrar as encruzilhadas, as dúvidas, os medos. Karl estava um pouco perdido na sua vida, tal como todos nós somos crianças pequenas à noite na floresta, sem saber o que vem a seguir. Era aí que estava o drama, por isso foi esse o trabalho que demorou tanto tempo a ser feito.
Raphaëlle Bacqué: [A atração principal do livro foi] de facto, o paradoxo de um personagem que é muito ambiciosa e ao mesmo tempo muito inibida na sua vida íntima, literalmente frígida, e que ama um rapaz que dorme com toda a gente. É muito cativante [...] há todo um paradoxo sobre Karl.
Karl Lagerfeld e Jacques de Bascher
Podemos pensar que conhecemos Karl mas, na verdade, continua a ser um mistério por ter tantas facetas diferentes…
Jérôme Salle: Eu conhecia o Karl como todos conhecem o Karl, o que significa que só sabemos o que ele nos permitia saber. Ele era um maníaco por controlo e um contador de histórias incrível mas, na verdade, não sabíamos nada que ele não quisesse que soubéssemos. Portanto, acho que o que é interessante quando vemos a série é que ela fala sobre um Karl bastante jovem, nos anos 70, que conhecemos menos. Este é também um período em que ele controlava menos a narrativa e a sua própria imagem e acho que nesta primeira temporada conseguimos realmente descobrir quem ele era, bem como as suas dores e sofrimentos, porque se comportava de determinada forma, as suas relações, a inveja.. É tudo bastante novo e profundo, diria [...] e no fim do processo senti-me bastante próximo deste homem que nunca conheci.
Isaure Pisani-Ferry: Basicamente, acho que descobrimos que ele era humano e complexo, como qualquer um de nós, e não este super personagem, acima da dor, das vulnerabilidades e das dúvidas que todos temos. Era isso que ele queria que pensássemos, queria que as pessoas achassem que estava acima disso tudo.
Raphaëlle Bacqué: E retratamo-lo numa época em que não tem a máscara final que conhecemos depois, quando ainda não é a lenda que vemos em toda a parte. É mais vulnerável e sincero.
Como esperam que o público reaja a este retrato inesperado de Karl?
Isaure Pisani-Ferry: Bem, não podemos adivinhar qual será a reação, tenho muita curiosidade, mas também penso nas pessoas que realmente o conheceram e que nos ajudaram a compreender quem ele era como pessoa… Elas são parte da indústria da Moda também, então vai ser interessante ver se desperta algum debate, já que ele mostrava lados diferentes dependendo das pessoas ou da situação.
Sendo uma série centrada em torno da Moda, como abordaram a pesquisa e figurinos?
Jérôme Salle: Tivemos uma designer de figurinos incrível, Pascaline Chavanne, que estava sob uma enorme pressão porque teve de refazer algumas peças desenhadas por Yves Saint Laurent ou Karl Lagerfeld. [...] Saint Laurent era tão perfeito, era como se pudesse pegar na caneta e atingir a perfeição. Já Karl, por vezes, corria mais riscos e podia até estar no limite do mau gosto. Quando pedimos [a Pascaline Chavanne] determinadas coisas foi desafiante porque, claro, ela respeita imenso Karl Lagerfeld e tinha de encontrar o equilíbrio. Foi um trabalho super interessante. Tentámos ser, eu diria, leais, porque admiramos o seu trabalho, quem ele era como artista.
Isaure Pisani-Ferry: Tínhamos muitas fotos da época e há imensas coisas que ninguém pensaria, mas que Karl usava.
Karl Lagerfeld e Yves Saint Laurent
Se Karl fosse vivo, o que acham que diria sobre a série?
Jérôme Salle: Oh, ficaria rabugento, não sei, acho que ficaria irritado.
Raphaëlle Bacqué: Acho que todas as fotografias dele próprio nunca foram suficientemente maravilhosas para ele… Mas acho que ele é mais simpático na série do que era na realidade [risos].
Jérôme Salle: Mesmo que ele não queira, nós adoramo-lo. [...] Talvez se ele voltasse ao mundo por apenas algumas horas ficaria feliz por ainda ser um herói e ser falado, mas talvez fingisse não gostar disso!
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