A diretora artística, que sucedeu Karl Lagerfeld em 2019, mostra-nos a inspiração por detrás deste desfile virtual, enquanto o presidente de Moda, Bruno Pavlovsky, partilha as opiniões da marca sobre o coronavírus e a diversidade.
A diretora artística, que sucedeu Karl Lagerfeld em 2019, mostra-nos a inspiração por detrás deste desfile virtual, enquanto o presidente de Moda, Bruno Pavlovsky, partilha as opiniões da marca sobre o coronavírus e a diversidade.
© Karim Sadli
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Sob um pôr do sol vermelho-sangue, as figuras são delineadas e vestem roupa escura com manchas douradas contra uma pele beijada pelo sol.
“Para mim, era o sentimento do sul de França ou Capri, onde planeávamos mostrar esta coleção. É sobre toda a região do Mediterrâneo: tudo leve e prático, sem grandes vestidos”, confessou Virginie Viard, diretora artística das coleções de Moda da Chanel.
“Mas não fotografámos na Côte d’Azur - que é a paisagem do Mediterrâneo, as roupas foram fotografadas em Paris”, explica Bruno Pavlovsky, presidente de Moda da Chanel e Chanel SAS.
Como o resto do mundo, em quarentena, a Chanel está atenta à situação que a humanidade enfrenta. A raiva e o desespero dos negros que protestam globalmente contra o racismo, exigindo justiça por George Floyd, Breonna Taylor e inúmeros outros negros que morreram nas mãos da polícia.
“A Chanel tem uma postura real e um valor verdadeiro - e esse valor não é consistente com o racismo, seja nos EUA ou em qualquer outra país”, afirmou Pavlovsky. “É importante que, nesta situação, a Chanel possa levantar a mão e dizer: ‘Este não é o mundo em que queremos estar’. É importante dizer que o racismo não é aceitável, portanto, como marca, podemos condená-lo e dizer muito claramente que não somos e não queremos fazer parte do racismo.”
© Karim Sadli
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O executivo está, portanto, a adotar uma atitude mais sóbria do que “the show must go on” - mesmo que a Maison esteja a trabalhar ativamente na atual coleção Cruise, com a intenção de a apresentar online assim como vai fazer com a Alta-Costura em julho.
Na esperança de manter um equilíbrio delicado entre uma nova coleção e uma ordem mundial depois de uma quarentena, Viard pegou na ideia original de Capri e definiu o desfile como uma balade - que significa um passeio - pela costa do Mediterrâneo.
Depois da designer ter trabalhar na coleção por apenas quatro semanas em maio, o resultado foi tão alegre quanto a realidade é complexa. As imagens mostram uma alfaiataria suave, colorida, mas principalmente escura, com manchas de bordados que brilham como um raio de sol - ou uma perna bronzeada que desliza para fora da saia.
Quão difícil foi produzir esta sensualidade mais serena?
“Usamos máscara o dia todo e cobrimos os olhos, as mulheres nos ateliers sentaram-se muito distantes umas das outras - apenas uma por cada mesa”, explica Viard. “Tentamos manter os manequins como se estivessem em casa e produzimos uma coleção realmente pequena.”
“Atualizamos algumas roupas que estavam nas boutiques - dois ou três casacos que estavam na coleção Cruise anterior, que, aqui, os mostramos com calças. Afinal, quando vais de férias, tiras as roupas que conheces e amas, não é?”
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A designer explica que o principal efeito foi a maneira como as roupas foram apresentadas nas imagens da Chanel. “A ideia de um top de fato de banho - tirei essa ideia de um concerto, onde a cantora estava a usar um fato de banho coberto com brilhos. É muito fofo ter um pequeno top que combina com a tua carteira, reutilizando alguns dos tesouros da [bordadeira, François] Lesage. Esse foi um dos meus pontos de partida.”
Não foi La Pausa, a casa de mademoiselle Chanel no sul de França, perto de Monte Carlo, que influenciou Viard - embora eu lembro-me do próprio Karl Lagerfeld a falar comigo sobre ser inspirado por uma curva da escada daquela casa. “Poderia ter sido Monaco, Saint-Tropez ou Cannes”, explica Viard. “Escolhi Capri porque é um lugar de sonho, mas também porque tive a ideia de refazer uma exposição das fotografias de Karl.”
“Fiquei tão stressada no início dos dois meses de quarentena - não conseguia ler. Pensava o tempo todo na Chanel, no Karl e na minha família, pensei sobre todas as forças que me cercaram e cozinhei bastante. É bom mudar de ideias.”
Embora a designer estivesse ansiosa por falar sobre a coleção e a sua leveza - “um cardigan comprido, um casaco, o tweed branco, blazers em muslin e um bocadinho de crochet - Viard foi além dos sonhos de umas férias do Mediterrâneo antes da quarentena.
“Não queria que o desfile Cruise fosse o oposto da situação atual do coronavírus - mas não queria que fosse uma coisa triste, que não é a essência da Chanel”, explica a designer. “Para mim, Chanel é um tesouro, um refúgio que cuida de ti e te faz bem, como a própria vida.”
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Numa rara discussão com o grupo Chanel, que optou por promover Viard, ao invés de procurar um novo designer, Pavlovsky define a sua visão de onde está a atual diretor artístico. “Há uma grande influência do Karl na Virginie, mas ela teve muito tempo para entender o trabalho que a mademoiselle Chanel realizou. O Karl falou disso muitas vezes. Portanto, a visão dela é pouco diferente daquela que vimos no passado, mas ela está a trazer a sua contribuição, provavelmente é algo mais feminino talvez mais o espírito do momento. Temos muitos comentários de clientes que veem a contribuição da Virginie para o design como uma influencia do Karl. Para mim, é muito consistente. E ela já trouxe muito da sua visão para o futuro da Chanel.”
Na esperança de regressar aos desfiles reais em outubro, Pavlovsky já se concentrou em ajudar nas várias coleções internacionais da empresa. “Temos feito muitas coisas em todos os lugares, na China e em todo o mundo”, afirma o executivo. “Sentimo-nos bastante envolvidos. Para apoiar a nossa comunidade nesta situação, fizemos muita coisa na Itália e nos EUA também.”
“A partir do início de março, era muito importante para a marca contribuir com máscaras e batas. Foi engagement puro e doações para todos aqueles que são voluntários. E isso foi muito importante porque vimos pessoas de todos os lugares, começando com a Alta-Costura a fazer máscaras a partir de casa. Todos foram distribuídos, o nossos ateliers Métiers d’Art, as fábricas do pronto-a-vestir e os nossos fornecedores fizeram mais de 700 mil máscaras.”
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“Precisamos de reimaginar a nossa maneira de comunicar, mas vamos continuar a ter desfiles. Os desfiles são fundamentais quando estamos a falar de Moda. É difícil explicar uma coleção sem um desfile. Acho que é a primeira vez em 30 anos que não temos uma desfile para apresentar uma coleção. No entanto, com todas as sessões fotográficas que estamos a fazer, espero que consigamos transmitir emoção suficiente para que as pessoas entendam o que estamos a fazer com esta coleção.” Pavlovsky resume a atitude da Chanel que entendo ser como novos galhos de uma árvores com raízes profundas.
“És uma marca como a Chanel e desejas emergir, manter a diferença e trazer algo que agregue os valores dos teus clientes. Precisas de trazer mais do que um designer”, diz Pavlovsky. “É um espírito, é uma postura, é uma maneira de ver o que está a acontecer à tua volta. Eu acreditava no Karl e agora, com Virginie, a Chanel está a fazer isso mais que nunca.”
“Acho que o mais importante é poder vincular o que estamos a fazer amanhã com o que foi feito no passado. Podemos ter outra perspectiva, mas no final das contas, existe a marca e, com ela, o passado, o seu código.”