Chemena Kamali fotografada no seu escritório na Chloé. | Fotografia: Jody Rogac. Cortesia Chloé.
Chemena Kamali, a recém-nomeada diretora criativa da Chloé, e a Vogue conheceram-se em Paris, numa segunda-feira no final de janeiro. A Vogue esteve na cidade por um par de horas muito breves, apenas para a entrevistar, e nesse dia Kamali estava (o que descobrimos no decurso da longa conversa) na sua forma mais típica: entusiasmada, alegre e tão calorosa quanto atenciosa, ou seja, muito. Isso pode dever-se ao facto de ela e o marido, Konstantin, e os seus dois filhos (cinco e dois anos) terem feito uma viagem de última hora para a ilha de Saadiyat na véspera de Ano Novo, que por acaso também é o seu aniversário; nessa noite, fez 42 anos. E também é provável que se deva ao facto de, a nove de outubro do ano passado, Kamali ter conseguido o emprego dos seus sonhos: Liderar a casa de Moda Chloé.
Kamali, nasceu em Dortmund, perto de Dusseldorf, na Alemanha, e tem uma longa história com a casa: Começou como estagiária, antes de trabalhar com vários diretores criativos da Chloé - Phoebe Philo, Hannah MacGibbon, Claire Waight Keller - durante dois longos períodos nos últimos vinte anos, subindo na hierarquia com uma antiguidade crescente. Também trabalhou durante seis anos para Anthony Vaccarello na Saint Laurent, tendo entrado para a casa em 2016. Kamali adorou o tempo que passou com Vaccarello na Saint Laurent, mas, ainda assim, foi sempre a casa Chloé que lhe passou pela cabeça, da mesma forma que a Torre Eiffel brilha todas as noites - com absoluta regularidade. Quando a oferta surgiu, não foi tanto porque todos os caminhos levaram a Roma, mas sim porque todos os caminhos levavam à Avenue Percier, a sede da Chloé no chique oitavo arrondissement da cidade.
Kamali e a Vogue conversaram no seu escritório, numa mesa de madeira natural simples, com um sofá curvilíneo Vladimir Kagan no canto e uma tonelada de imagens de coleções passadas da Chloé, sobretudo da era do diretor criativo Karl Lagerfeld, no final dos anos 70, afixadas na parede. É claro que se repara nas roupas, com um ar sensual, livre e dinâmico. Mas o que também se nota é a exuberância e a alegria que irradia da mulher que a veste. O facto de Kamali querer fazer destas duas coisas uma parte importante da sua Chloé é já evidente na pré-coleção de outono, que será uma amostra da coleção de outono de 2024, apresentada a 29 de fevereiro. A coleção será dedicada ao seu pai, que faleceu na semana passada.
Ao longo dessas duas horas no mês passado, Kamali e a Vogue falaram sobre o quanto tudo remonta a Lagerfeld (bem como à fundadora da Chloé, Gaby Aghion), as razões pelas quais o espírito dos anos 70 ainda ressoa em si hoje e por que a casa deve sempre fazer das mulheres o centro de absolutamente tudo o que faz.
Chemena, gostaria de começar por recordar a altura em que começou a trabalhar na Chloé.
Esta é a minha terceira vez aqui. A minha primeira vez foi há mais de 20 anos. Estava a fazer a licenciatura na Universidade de Trier, na Alemanha, antes de fazer o mestrado na Central St. Martins, em Londres. Quando se cresceu na Alemanha, nos anos 90, Karl Lagerfeld era um ícone, um herói nacional, e eu senti-me muito inspirada pelo que ele fazia na Chloé. Como parte da minha licenciatura, tive de fazer um estágio. Todos os outros estudantes estavam a enviar vinte candidaturas para todas as grandes casas em Paris, Milão, Londres, e eu não enviei nenhuma candidatura. Eu só queria ir para a Chloé - por causa do Karl, e também porque era o início do tempo da Phoebe [Philo] lá.
Levei o meu portfólio no comboio de Dusseldorf para Paris. Não tinha uma reunião; não tinha um nome - apenas sabia onde era a sede e apareci, e a rececionista pensou que eu estava louca: "Com quem se vai encontrar? Tens um encontro?" E eu respondi: "Não, não tenho, mas vim mostrar o meu portefólio, talvez ao diretor do estúdio. Gostava de me candidatar a um estágio". E disseram-me: "Bem, tens de marcar uma hora. Ninguém tem tempo para o ver". Implorei, esperei horas e, no final do dia, deixaram-me ver o diretor do estúdio, tive a minha entrevista e mostrei o meu portefólio. Duas semanas depois, telefonaram-me a dizer que podia começar.
Então queria a Chloé e só a Chloé. Como é que foi trabalhar lá?
Comecei como estagiária e depois pediram-me para ficar, e passei a ser designer júnior. No início, fazia muita pesquisa para a Phoebe [diretora criativa de 2001 a 2006] e para a Hannah [MacGibbon, adjunta de Philo de 2001 a 2006, antes de se tornar diretora criativa de 2008 a 2011], ficava horas a fio na fotocopiadora, a ver todas as Vogues antigas durante horas, noites e fins de semana [risos]. E, obviamente, naquela altura eram as musas dos anos 70, todas elas - Charlotte Rampling, Lauren Hutton, Jane Birkin, Jerry Hall - estas mulheres icónicas. Era como se este mundo se estivesse a abrir à minha frente. Era mesmo do género: "Ok, é aqui que eu pertenço. Foi um daqueles momentos decisivos, quando nos ligamos a algo que sentimos que é intuitivamente correto.
A Phoebe tinha sempre uma enorme parede onde colocava imagens de inspiração, e tinha sempre a ver com aquele tipo de feminilidade sem esforço, do final dos anos 70, que era muito natural. Não tinha necessariamente a ver com as roupas - era mais com o espírito da mulher. Havia uma sensação de liberdade. Se falarmos em Charlotte Rampling e aí por diante, essas mulheres foram o ponto de partida - mas se formos à Vogue de novembro de 1977, dezembro de 1978 e janeiro de 1979, podemos percorrer todos os anos: os editoriais, os anúncios, as capas, a paleta de cores, todos estes tons de nudes, castanhos, caramelos e conhaques - as cores dessas Vogues do final dos anos 70 tornaram-se a base da minha coleção de final de curso da Central Saint Martins em 2007. As imagens eram fantásticas. Havia tanta fluidez, movimento e energia, e parecia muito... era um período da Moda que parecia o mais natural, de certa forma. As raparigas eram apanhadas no momento, não eram tão posadas ou passivas - estavam a fazer algo.
Entrou num dos momentos mais importantes da casa. Como foi trabalhar com a equipa da Chloé nessa altura?
O que mais me impressionou foi o facto de no atelier - Phoebe, Hannah, Blue Farrier e Sara Jowett - todas estas mulheres estarem a viver o mesmo. O que importava era o que elas queriam vestir - tão fácil quanto isto. Elas próprias vestiam as roupas, questionando-se intuitivamente sobre o que sentiam e a atitude que queriam expressar - essa era a fórmula mágica. Sentia-me atraída por esse tipo de ligação de mulher para mulher, sobre desenhar coisas para vestir com uma certa facilidade, sem complicar demasiado as coisas. Nada era conceptualizado ou intelectualizado. Elas inspiravam-se em todo o lado: nas feiras de rua, nas revistas, na música, nas idas a concertos. Estava muito enraizado na realidade.
Esse sentimento de cumplicidade entre a marca e as mulheres que a usam tem sido muito forte ao longo dos anos, mas particularmente durante a liderança de Phoebe.
Na altura, havia esta urgência, porque se conseguia relacionar com a mulher. Ela não era uma fantasia distante - pensávamos que a conhecíamos, queríamos parecer-nos com ela, queríamos ser como ela. Nos desfiles, nos bastidores, as raparigas chegavam dos outros desfiles e vestiam-se todas em Chloé, porque era o que usavam na sua vida privada. Foi um momento icónico para a Moda, esta forma intuitiva de vestir. Foi o que a Chloé sempre foi, sempre deveria ser - e que era diferente de muitas outras casas. É único.
Imagino que tudo isto esteja a fazer parte da sua visão da Chloé.
Quando tive as primeiras conversas com a Chloé e com a Richemont (proprietária da casa) sobre o que queria fazer, sempre disse: "Gostava mesmo de trazer de volta os sentimentos que tive quando me apaixonei pela casa". Acredito firmemente que há muitas mulheres por aí, em todo o mundo, que têm essa saudade, que se lembram desses dias e querem senti-los novamente, porque a Chloé é realmente uma marca emocional. As mulheres têm memórias dela e, quando falamos com elas, independentemente da idade - pode ser uma jovem de vinte e cinco anos ou a minha mãe, que tem 72 anos e ainda usa Chloé de quando estava aqui com a Claire [Waight Keller, diretora artística de 2011 a 2017] ou até mesmo Chloé antigo, velho, porque ela costumava comprá-lo antigamente. Ela diz-me: "Não há nenhuma outra marca que me dê esta sensação: as cores e a suavidade e os casacos e as blusas..."
Quero voltar a essa ligação emocional, redirecionar e reenviar a Chloé para essa essência e para essa alma, porque tem uma alma muito quente. A minha própria ligação emocional, o meu próprio amor pela Chloé, está também ligado a Paris - mas esse espírito permaneceu comigo mesmo quando trabalhei noutros locais. Quando trabalhei na Saint Laurent, por vezes propunha algo a Anthony [Vaccarello] e ele dizia: "Oh, não - isto é demasiado feminino; é demasiado suave. Guarda isso para a Chloé!"
Essa cumplicidade, até mesmo uma camaradagem, existiu desde o início, quando Gaby Aghion fundou a Chloé no final dos anos 50?
Quando Gaby fundou a Chloé, o objetivo era definitivamente dar poder às mulheres - embora, claro, dar poder às mulheres há cinquenta anos fosse diferente do que é hoje. Ela foi uma das poucas mulheres que teve a coragem de começar um negócio de Moda nessa altura. Havia todos os homens famosos em Paris, os costureiros, e a silhueta era muito diferente - muito esculpida e muito estruturada. Ela foi alguém que disse: "Sabes que mais? Quero dar uma certa leveza e liberdade às roupas para que se possa trabalhar com elas, para que se possa viver a vida com elas, porque temos coisas para fazer.” Ela estava a trabalhar e, quando se trabalha, quer-se estar à vontade; quer poder-se mexer.
Estava muito à frente do seu tempo.
Foi uma pioneira - a primeira a fazer pronto-a-vestir, mas isso nunca foi devidamente divulgado. E esse sentido de libertação e essa ideia de liberdade ainda são relevantes para o que estamos a fazer. Porque hoje, é claro, as mulheres - pelo menos no mundo ocidental - conseguem ser quem quiserem ser, graças a Deus, e trabalhar em qualquer que seja a sua paixão, têm direitos iguais. É claro que, se o trouxermos para o contexto desta indústria, porque esta é uma espécie de conversa neste momento sobre mulheres diretoras criativas, penso que, no fim de contas, o talento e a competência são independentes do género.
A sua nomeação foi anunciada numa altura em que assistimos a uma vaga de nomeações de outros diretores criativos - todos homens - e, compreensivelmente, tem-se falado de um desequilíbrio na indústria.
Não é necessariamente que hoje estejamos limitados pelo nosso género, mas penso que as mulheres - especialmente numa fase mais avançada da sua carreira - enfrentam desafios adicionais que os designers masculinos não enfrentam. O momento de [decidir] ter uma família ou não vai ter um impacto maior na carreira de uma mulher do que na de um homem.
Obviamente, Karl liderou a casa durante muitos anos, mas a Chloé, durante a maior parte da sua história, tem sido muito mais sobre a perspetiva de uma mulher sobre o que as outras mulheres querem vestir, e isso tornou-se parte da narrativa em torno da falta de mulheres que conseguem estes grandes empregos - qual é o seu ponto de vista?
Sim, sim: adoraria ver mais pontos de vista femininos. Falamos muito de feminilidade, mas, afinal, o que é a feminilidade moderna? Para mim, está ligada à energia feminina, ao nosso "eu" feminino, a sermos bastante autênticas e a confiarmos na nossa intuição. Gostava que houvesse mais disso. Por vezes, sentimos que as mulheres de quem se fala continuam a ser uma espécie de mulheres fantasiosas, objetos mais distantes - ou uma ideia de mulher, digamos assim.
Chloé, pronto-a-vestir primavera 2003 e Chloé, pronto-a-vestir primavera 2004.
Shoot Digital para Style.com e Marcio Madeira, respetivamente.
Chloé, pronto-a-vestir outono 2009 e, Chloé, pronto-a-vestir primavera 2015.
Marcio Madeira e Marcus Tondo / Indigitalimages.com, respetivamente.
Mudando de assunto por um segundo, gostaria de voltar à história da Chloé - especificamente, às suas coleções favoritas - quais são elas?
[Risos] Entre 1975 e 1979, houve duas colecções de Karl realmente fantásticas que eu adoro. Mais recentemente, diria que adorei as coleções primavera-verão 2003 e primavera-verão 2004 da Phoebe, e a outono-inverno 2009 da Hannah [MacGibbon]. E adorei a coleção primavera-verão 2015 quando lá estive com a Claire Waight Keller. Além disso, a primavera de 2003 tinha um colar de pétalas de prata que estava ligado a uma T-shirt que foi, na verdade, a primeira peça de designer que comprei na minha vida - numa venda de amostras para trabalhadores da Chloé.
Por falar nas suas roupas, ouvi dizer que tem um arquivo fantástico de blusas vintage. A que está a usar faz parte desse arquivo?
Esta é antiga, sem nome, sem etiqueta. Comprei-a porque adorei o bolso de remendo, o volume, as pequenas ombreiras - mas sim, coleciono blusas. Provavelmente tenho 600, 700.
Uau! Estão todas em sua casa?
Sim - organizadas por cor. Começam por ser brancas ou esbranquiçadas e depois passam para beges e tons blush.
Usa-as todas?
Uso cerca de 80 por cento. Algumas são demasiado exageradas, ou demasiado complicadas, ou demasiado rasgadas - mas eu adoro blusas! Se há uma coisa que é muito Chloé, é a blusa.
A recente exposição da Chloé no Jewish Museum em Nova Iorque tinha uma parede inteira de blusas incríveis da casa ao longo das décadas. E para falar um pouco mais de história, gostaria de lhe perguntar sobre Karl, especialmente porque vejo algumas imagens do tempo dele na parede do seu escritório. Mencionou, quando começámos a falar, que ele foi uma grande parte da sua paixão pela Chloé.
Um período crucial e fundamental foi a era Karl. Adoro ver o que fez no final dos anos 70, quando realmente experimentou uma feminilidade sem esforço, trazendo o movimento, a leveza e a fluidez. Volto sempre a esse período. Estudo cada coleção. Ele era muito talentoso a trabalhar os adornos mais complexos, mas também trabalhou em silhuetas incríveis para alfaiataria e vestuário exterior. Os anos de 1977 a 1979 foram cruciais para moldar os códigos mais reconhecidos da Chloé - e tudo o que foi feito depois disso remete, de alguma forma, para esse período em que ele esteve presente.
A Stella [McCartney, diretora criativa de 1997 a 2001] e a Phoebe voltaram mesmo a eles - especialmente a Phoebe, mas, claro, de uma forma atualizada. O início dos anos 2000, que foi também um período muito importante e relevante na história da Chloé, deu-lhes uma injeção de modernidade que espelhava realmente aquela geração de mulheres - mais moderna, mais animada e um pouco mais sexy e radiante. Karl também refletiu a sua geração - disse uma vez numa entrevista que, para a Chloé, se olhava realmente para as mulheres jovens na rua. A sua Chloé era sobre o agora e o que virá a seguir.
Precisamos de falar sobre o seu próximo, ou mais precisamente, o seu primeiro trabalho para a casa, Chloé pre-fall, que será revelado depois de termos visto o seu desfile de estreia. Pode falar-me um pouco sobre a pré-coleção, em termos do que queria estabelecer com ela? Ainda ninguém a viu e, sem querer revelar muito, gostei muito da forma como trabalhou os elementos contraditórios da Chloé: duro e macio, o utilitário e o hiper delicado - os vestidos transparentes, as capas, as botas super longas, as calças de ganga de cintura alta, a mala grande e macia despojada de marca.
Apresentámo-la em dezembro a clientes-chave - mantivemo-la muito íntima porque eu queria que essa coleção fosse um começo intuitivo para o guarda-roupa da minha Chloé, com roupas que estavam ancoradas numa ideia muito sincera da realidade. Para falar muito especificamente sobre as roupas, queria um novo começo em termos de leveza, movimento, forte jogo de proporções, grandes peças de vestuário exterior - peças intemporais e icónicas do guarda-roupa que são reconhecidamente Chloé. Com a pré-coleção, não se trata apenas de trabalhar em peças e categorias, mas de ter em mente todo este look e atitude. Começo sempre o processo de design trabalhando tudo em looks - estilizando a coleção com diferentes elementos e construindo um alinhamento virtual com tudo, não apenas o pronto-a-vestir: as malas, os acessórios, as jóias, os cintos - tudo. É uma abordagem muito holística.
A pré-coleção vai refletir-se na sua coleção de outono 2024, o seu primeiro desfile?
A coleção do desfile será definitivamente uma evolução da pré-coleção. Há certos looks e elementos que vamos levar para um contexto mais de desfile, por isso há definitivamente uma forte ligação entre essas duas coleções.
E se tivesse de descrever a estreia no desfile em cinco palavras, quais seriam?
Chloé, Chloé, Chloé, Chloé, Chloé, Chloé!
Boa resposta - se bem que evasiva [risos]! A Chemena e a sua equipa estão a experimentar as roupas tal como todos faziam quando começaram a trabalhar na casa?
Experimentamos tudo só para nos sentirmos bem. Pergunto sempre às mulheres à minha volta: "Usarias isto?" E se a resposta for "não", é um não. Há sempre este tipo de controlo da realidade. Acho que é por isso que a pré-coleção é boa para começar, porque não temos a pressão da grande mensagem do programa - é apenas sincera e honestamente sobre as roupas.
Fotografada por Inez & Vinoodh. Editor de sessões: Taylor Angino. Cabelo, Pawel Solis; Maquilhagem, Sandrine Cano Bock, Produzido por VLM Productions
Falou em malas. Quando a fotografámos para a edição de março de 2024, tivemos a nossa primeira - na verdade, a única! - visão do que tem andado a fazer em termos de design. Trazia consigo a nova Camera Bag da sua coleção de pré-fall, com uma gabardine em pele da mesma coleção. Dado que as Paddington são uma parte tão importante da história da It Bag - e um sucesso ainda maior para a casa - o que pensa sobre elas?
São extremamente importantes para mim - porque, mais uma vez, não se trata de categorias. Para mim, as malas, os acessórios, os casacos de cabedal, as blusas, tudo se conjuga. Quando trabalho nos meus looks, incluo imediatamente as malas: A intenção, a função, a atitude, a proporção. O que era único no sucesso das malas de Chloé era o facto de não terem logotipos - nunca foram objetos preciosos. Sempre macias, em pele vegetal, com uma camada de grão não tratado. Envelhecem muito bem. Adoro este novo tom de conhaque perfeito que criámos, que nos levou alguns testes para acertar. Mas é importante que, com as nossas malas, não tenhamos medo de as colocar no chão quando estamos sentados num café. Estamos a fazer uma versão atualizada da mala Paraty, porque eu queria reintroduzir uma mala icónica do passado, mas com uma atualização - um facelift, basicamente. É super chique.
É óbvio dizer isto, mas o seu novo papel vai para além do design: Tem de pintar um quadro mais alargado do mundo com a marca.
Sem dúvida. A Moda mudou radicalmente nos últimos anos e isso redefiniu o papel do diretor criativo. Não se trata apenas das roupas: temos de pensar em tudo - na nossa comunidade, nas mulheres que personificam a marca, com quem queremos falar e como queremos falar com elas - numa abordagem de 360 graus. As marcas tornaram-se plataformas culturais, e os nossos consumidores e clientes estão muito mais informados - esperam muito mais das marcas de Moda ou das casas de Moda do que antes. Temos a responsabilidade de ser extremamente autênticos e honestos. O caminho certo para nós não é gritar ou estar em todo o lado, falar com toda a gente e fazer tudo. É mais fazer o que nos parece correto - e, mais uma vez, isso resume-se à intuição.
Dois aspetos dessa construção: Fez uma campanha de divulgação de mulheres de diferentes idades que tinham uma associação com a casa, e parece que - especialmente depois dos seus comentários anteriores sobre a sua mãe - está a desafiar a ideia de que a casa é apenas sobre os jovens; que a famosa rapariga Chloé em que pensamos sempre está a mudar....
A ideia da rapariga Chloé era realmente uma narrativa muito forte em torno da casa: Havia a marca e depois havia a rapariga. Eu identificava-me com isso quando tinha 20 anos, mas ela evoluiu - já não é só isso. Isso não significa que a ideia da rapariga Chloé não seja ainda relevante, mas que a rapariga Chloé e a mulher Chloé coexistem - e conseguem fazer isso porque, no final do dia, tem mais a ver com um espírito jovem do que com a idade. Trata-se de ter esse espírito na mente e no coração, independentemente da idade.
Foi o que aconteceu na campanha, em que passaram da mais recente das novas modelos para alguém como Jerry Hall.
Eu queria voltar atrás e olhar para as mulheres, musas e rostos icónicos da história da casa, por isso trouxemos Jerry Hall, que foi a musa de Karl enquanto ele esteve na Chloé. (Ela contou-me as histórias mais loucas quando a filmámos - histórias off the record, porque toda a gente namorava uns com os outros). Ela vivia no apartamento do Karl, fazia parte de um círculo de amigos muito próximo e era uma grande inspiração para ele. Outra mulher que eu queria trazer de volta era Jessica Miller [que apareceu na campanha publicitária da primavera de 2004 da casa]. A Jessica é um espírito livre no coração - ela encarna realmente a mulher Chloé porque é extremamente calorosa, compassiva, divertida e sexy, e sente-o. Ela tem uma vibração - tem uma personalidade que é a sua, tem essa energia, esse pouco de atrevimento.
Também a Natalia Vodianova, que era extremamente jovem quando trabalhou pela primeira vez para a casa - acho que Chloé foi um dos primeiros desfiles que ela fez. Ela seguiu realmente os seus sonhos: É mãe e faz um trabalho fantástico com a sua instituição de caridade. E trouxemos a Liya Kebede desses anos, e depois algumas caras novas, como a Kristin Lindseth, que representam mais a geração da Chloé atual.
São todas mulheres fantásticas. Entram no estúdio e sentimos uma verdadeira ligação. Suvi Kopponen, que vai participar numa segunda campanha que acabámos de filmar, chegou e disse: "Meu Deus, a Chloé foi sempre o meu trabalho preferido, porque nos divertíamos imenso. Era tão agradável e tão gentil, e toda a gente se preocupava - era uma casa de mulheres".
Outra coisa que tem sido uma narrativa importante na casa foi o seu compromisso com a sustentabilidade, com o seu estatuto de B Corp, que foi uma grande conquista.
Herdei-o de Gabriela [Hearst, diretora criativa de 2020 a 2023], e estou extremamente orgulhosa por o ter conseguido - é extremamente importante seguir em frente. Foi um feito incrível e consequência de muito trabalho, e está realmente enraizado em todos os aspectos do negócio, pelo que é minha responsabilidade continuar essa evolução. Por exemplo, quando escolhemos os tecidos, certificamo-nos de que estamos a utilizar tecidos de baixo impacto - ou se há algo que procuramos para um determinado look mas não conseguimos encontrar uma versão de baixo impacto, trabalho em estreita colaboração com o departamento de tecidos para o desenvolver de uma forma de baixo impacto. Há uma grande consciencialização. Está 100% enraizada na nossa forma de trabalhar. Todas as fábricas com que trabalhamos respeitam os nossos valores, as nossas normas, e isso é verificado todos os dias e em todas as estações - tem sido levado muito a sério dentro da casa. Hoje em dia, tem de ser um dado adquirido.
Tirou algum tempo de férias antes de começar a trabalhar na Chloé. A Chemena e a tua família estavam a viver na Califórnia. Como é que foi?
Los Angeles tem uma grande sensação de liberdade e uma forte energia artística, mas é preciso viver lá para a compreender. Não é como ficar na Sunset Tower ou no Chateau Marmont e pensar que se está em LA - é quando se conhece os vizinhos e se tem os filhos na escola e se está mais ligado - os franceses diriam la vie quotidienne: a vida quotidiana. E depois conduz-se muito, por isso ouve-se muita música. Estávamos a viver em Laguna Beach, a 45 minutos do oceano: acordamos muito cedo com esta luz incrível, deitamo-nos muito cedo e estamos desligados da Europa por causa da diferença horária - às duas da tarde já não há mensagens, nem e-mails, por isso há esta desconexão.
Penso que há algo de muito Chloé nesta mentalidade californiana. Claro que há sempre esta sofisticação e requinte franceses na Chloé - está enraizada em Paris -, mas outra parte da minha narrativa será sempre esta liberdade e este "não fazer" que adoro na rapariga Chloé: Ela não é perfeita, e essa falta de perfeição está enraizada no facto de eu não só ter passado um ano em Los Angeles, mas antes disso, na minha adolescência, ter vivido lá durante quatro anos. Tem sido uma das minhas inspirações de sempre: Esta sensualidade que está ligada à natureza, à beleza natural, ao cabelo, à pele e ao sol, e esta utopia costeira.
E é provável que seja ótimo estar numa cidade que não carregue o peso de fazer parte do mundo da Moda quando se está prestes a voltar à luta!
Sabes o que é tão fantástico em LA? Não há qualquer julgamento - as pessoas fazem o que lhes apetece fazer. Vestem o que querem vestir, não pensam em quem vão encontrar ou o que quer que seja. E eu gosto disso - gosto do facto de ser tão livre, e é por isso que acho que consegui ser muito produtiva lá.
Regressar, fazer este trabalho, significa também vir dos bastidores para o palco central. Acho que nada nos prepara para isso a não ser fazê-lo, mas como é que se sente, se não for uma pergunta parva?
Ainda é muito abstrato. A sério, honestamente, ainda não pensei muito nisso. Talvez seja um pouco do género: "Oh, vamos falar disso mais tarde", porque sinto que tenho estado tão ocupada com a chegada aqui, a reestruturação de tudo, a trabalhar para lançar uma pré-coleção, a trabalhar numa exposição dentro de duas semanas. Tenho estado tão ocupada que esta pergunta tem sido um pouco afastada na minha mente - mas desde estagiária até diretora criativa, adorei cada passo do caminho. E podem perguntar a todos os que trabalharam comigo sobre isto, mas sempre fui muito aberta sobre o meu amor pela Chloé - sempre disse o quanto adorava a marca e a sua história.
Por isso, é estranho, mas também natural, de certa forma, porque já passei pelas portas três vezes - já trabalhava neste provador há uma década com a Claire, e ainda este sábado trouxe cá os meus filhos porque queriam vir trabalhar comigo e, como era fim de semana, não estava cá ninguém. Pensei: "É uma loucura: Há dez anos, eu estava a trabalhar naquele provador com a equipa da Claire e agora, todos estes anos depois, os meus filhos andam a correr lá dentro."
Uma última coisa, Chemena - e isto surgiu quando estava a conversar com alguns dos meus colegas da Vogue Runway, que estão sempre atentos às tendências: eles acham que está na altura de o boho regressar. O que pensa sobre isso, uma vez que isso também fazia parte da vibração da Chloé quando chegou à casa?
Sabes de onde é que eu acho que isso vem? Acho que há um desejo de simplicidade, liberdade, suavidade e movimento, e quando olhamos para a história, as raízes estão nos anos 70, quando as pessoas queriam libertar-se das convenções, dos estilos de vida tradicionais e da sexualidade. Em termos de Moda, a certa altura o boho foi exagerado e utilizado em demasia; já tinha passado o seu auge e tinha-se tornado muito comercial. A indústria cansou-se dele e desapareceu - mas é uma questão interessante, porque esta saudade vem do facto de se querer voltar a sentir esse espírito. É o momento de o voltar a sentir: As pessoas querem ser elas próprias, viver da forma como vivem - definir a sua vida por si próprias.
Há tanta coisa a acontecer no mundo - tanta dureza e horror - e acho que há este desejo de douceur - não quero dizer suavidade, porque em inglês não soa bem. É o significado francês de douceur, que significa que as pessoas anseiam por algo que seja quente, suave e doce, que as pessoas querem beleza. Isso é algo que é importante para a minha Chloé daqui para a frente. No final do dia, é preciso bloquear o ruído quando se assume um papel tão importante como este e fazer apenas o que nos parece certo.
Artigo traduzido e adaptado do original, aqui.
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