Fotografia de Andreas Senoner.
Uma rosa que cresce vermelha num mar de flores brancas desperta um interesse idiossincrático. Ainda que as cores do pavão sejam impressionantes, existe um encanto magnético quando vemos um espécime branco. A beleza da diferença é fácil de reconhecer externamente, mas nós, humanos, também possuímos penas e pétalas que nos destacam, só que as vestimos.
“O romance é a base de tudo o que eu faço.” As palavras são de Jeauni Casanova, influencer e colecionadore de Moda [N.R.: Cassanova identifica-se como uma pessoa não binária, daí a formulação de género neutro]. “Desde que sou pequene que a beleza me atrai. Via filmes dos anos 40 e 50 e colava-me à televisão, completamente enfeitiçade por algo que mais tarde vim a descobrir ser Moda.” Longe vão os dias em que se sentava perigosamente perto da televisão na esperança de que o glamour se transferisse por osmose. Atualmente, é ume influencer bem sucedide, acumulando mais de 145 mil seguidores em diversas plataformas. Cassanova leva-nos de volta onde tudo começou. “Lembro-me de ver O Feiticeiro de Oz (1939) e ver a Glinda a descer da sua bolha cheia de brilhantes cor-de-rosa. Essa imagem passou a fazer parte dos meus sonhos à noite. Foi nesse momento que a Moda se tornou algo com o qual sonhava, ando a perseguir esse sentimento desde então.” A inspiração na Good Witch é clara. Ainda que se preocupe em dar-nos as suas inspirações do “mundo real” (“Marilyn Monroe, Isabella Blow e Daphne Guinness”), o estilo de Cassanova não é algo que se encontre neste. É, ao invés, uma complexa mistura entre a teatralidade de figurinos de Ópera, o glamour de Old Hollywood e o maximalismo desconstruído japonês. Se a congregação destas referências é demasiado abstrata, Cassanova sumariza o seu estilo em três palavras: “romântico, titilante e ilimitado.” Se pudéssemos acrescentar mais um adjetivo, seria com certeza “imersivo.” Através de silhuetas exageradas, drapings interessantes e cores extraordinárias, Jeauni Cassanova cria mundos. Os seus outfits são como começos de histórias à espera de serem contadas.
Desde os dias em que colava o nariz ao ecrã da televisão que Cassanova olha para a Moda como uma forma de se expressar. “Sempre me senti um pouco distante do mundo que os meus pés pisavam. Sempre fui muito sensível, sinto tudo com muita intensidade, tudo me põe a chorar. Sempre me senti vulnerável perante o mundo e a Moda tornou-se a minha armadura.” A metáfora metálica que estabelece é suavizada quando a elabora: “Com as minhas roupas torno-me numa flor, posso irradiar toda a sensibilidade, emoção e amor para todos à minha volta, mesmo antes de abrir a boca. Faz-me sentir que o mundo é o meu jardim.” A analogia de Cassanova é simplificada por Sara Camposarcone, uma influencer canadiana. “Sempre fui uma pessoa criativa e interessada em ter roupa que mais ninguém tinha.” A estilista, conhecida pelo seu estilo extravagante, concretiza: “Adoro a liberdade de expressão que a Moda me proporciona, e, por isso, ela tem desempenhado um papel essencial na minha vida desde que me lembro.” Se o estilo de Cassanova é dramático pelas suas silhuetas, o de Camposarcone é arrojado na sua extravagância. Néons gritantes, texturas inesperadas, proporções enigmáticas — descrever o estilo da canadiana é complicado. Quer seja através de sapatos plataforma com um salto em forma de Tweety, dos Looney Tunes, ou de brincos em forma de ovos estrelados oversized, a Moda da influencer é um campo de diversões. “Diria que o meu estilo pessoal é jovial, colorido… até mesmo cómico.” E acrescenta: “Adoro poder divertir-me com o que uso porque acho que só assim consigo representar quem sou por dentro. Não me interessa se faz sentido ou se as outras pessoas gostam, visto-me para mim.” Ainda que confesse ser a sua fã número um, ter uma audiência com certeza não magoa. Com quase dois milhões de seguidores, a influencer fala diretamente para uma plateia que se espalha por todo o mundo, unida apenas quando Camposarcone publica um dos seus curtos vídeos. A estilista confessa que a comunidade que construiu é uma das suas fontes de confiança mais importantes. “Recebo mensagens diariamente sobre como só por publicar estes vídeos dou coragem para que outros se expressem da mesma forma. Nada neste mundo me dá mais confiança do que poder ter este impacto.”
Para muitos a Internet abriu uma porta importante. Ainda que tanto Cassanova como Camposarcone afirmem que se expressariam da mesma forma independentemente da sua presença online, a confiança para ser diferente é difícil de encontrar offline. Sempre houve pessoas que se destacaram orgulhosamente como ilhas em oceanos de conformidade. É, no entanto, inegável que a world wide web criou comunidades que se baseiam na diferença comum. “As redes sociais deram-me oportunidade de encontrar pessoas que pensam como eu e fizeram com que finalmente sentisse que pertencia”, relata Felipe Pelaez, mais conhecido por @soy_raka. Ainda que partilhe o seu estilo com mais de 200 mil seguidores, o influencer confessa: “É-me difícil definir o meu gosto pessoal, quase que resisto à ideia de lhe pôr um rótulo.” A resposta é quase previsível vinda de Pelaez que, no Instagram, TikTok e Youtube, prega a Moda como algo que escapa a definições limitativas. O seu estilo é a personificação desta filosofia. Com silhuetas exageradas, mas elegantes, e uma sensualidade delicada, ele é a personificação de Moda sem género. A chamada genderless fashion é um dos assuntos mais debatidos por Pelaez que, no último ano, se tornou um porta-voz do movimento, tendo inclusivamente dado uma Ted Talk sobre o assunto. Com uma coleção de saias invejável, o influencer testa os limites do que as definições de Moda masculina e feminina significam sempre que publica um vídeo. Por mais que seja um orgulhoso representante da Moda sem limites, confessa que nem sempre foi assim. “Lembro-me da primeira vez que fui para a escola com algo de que realmente gostava. Quando penso nisso agora, era algo tão inocente, só umas calças de ganga oversized, mas lembro-me dos comentários e dos olhares dos meus colegas, lembro-me de ser inundado com insegurança.” É pelo que sentiu nesses momentos que Pelaez se sente tão grato por ter encontrado uma comunidade online. “Hoje em dia sou uma pessoa confiante, que não tem medo de ser diferente, mas duvido que tivesse conseguido chegar a este estado sem o apoio que recebo online”, confessa.
A Internet é um abrigo para aqueles que se destacam da maioria, mas as redes sociais oferecem mais que a garantia de aceitação e a possibilidade de rendimento. Escondidos atrás do anonimato de um teclado, muitos são aqueles que se sentem confortáveis em discriminar. Sara Camposarcone relata: “Expor-nos online é sujeitar-nos a centenas, até milhares, de críticas de desconhecidos.” Os aspetos negativos das redes sociais são sentidos frequentemente pelo que Jeauni Cassanova chama de “alvos fáceis”, isto é, todos aqueles que assumem a sua diferença orgulhosamente. “Quando comecei a publicar mais frequentemente era incessante, era todo o dia, todos os dias.” Cassanova relata as particularidades da discriminação online: “Dizem que basta desligarmos o telefone, mas não é assim tão fácil. Por vezes nem são os insultos, mas a sua frequência. Sempre que ia ver as horas via comentários que me atacavam. Era uma onda de negatividade que não parava.” Felizmente, à medida que foi crescendo a sua plataforma, Cassanova encontrou o seu nicho. Para Felipe Pelaez, aprender a ignorar críticas online é como um músculo que tem de ser exercitado. Hoje em dia, o influencer confessa que já consegue “simplesmente ignorá-los e seguir em frente com o meu dia.”
Se pousar o telemóvel é algo que se pode treinar, a discriminação em pessoa é bem mais difícil de se lidar. Para Jeauni Cassanova, expor o seu estilo é algo que, sabe, pode ser perigoso. “A realidade de ser uma pessoa queer femme e de me vestir desta forma excêntrica é que estou vulnerável.” Cassanova relata os pensamentos que lhe passam pela cabeça sempre que tem de sair de casa. “Vou ter de usar transportes públicos? Será que vou estar num ambiente heteronormativo? Será que devo levar sapatos com os quais consiga correr caso me tentem atacar?” Por mais que seja bela de se ver, exibir a diferença pode ter consequências trágicas. Face ao possível preço desta excentricidade, porquê exibi-la? Sara Camposarcone relembra-nos que a diferença deve ser exibida. “Para mim é algo que me afeta até à minha alma, conseguir expressar quem sou por dentro com as minhas roupas traz-me uma felicidade inexplicável.” A influencer canadiana continua: “Sair de casa com algo no qual me sinto bem tem um impacto gigante na minha vida, faz-me olhar para o mundo de uma forma diferente.” Para Felipe Pelaez, expressar-se através da Moda é mais que um compromisso pessoal, é uma responsabilidade: “Vivemos numa sociedade com inúmeras regras que limitam o nosso potencial, quando suprimi a minha diferença tornei-me numa pessoa zangada, que projetava a minha dor para os que estavam à minha volta. É preciso mostrar que nos devemos expressar livremente.” Cassanova chega a uma conclusão semelhante: “Os julgamentos de muitos são apenas reflexos da dor que sentem por estarem presos a ideais do que o ‘normal’ deve ser. Ao verem-me a divertir-me e a viver a minha vida de uma forma livre é frustrante porque me observam a não seguir as regras que pensavam ser obrigatórias.” Cassanova entende a diferença como algo libertador. “Se pararmos de nos julgar, abrimos as portas para um mundo onde podemos ser quem quisermos, é uma sensação revolucionária que todos deveriam sentir.”
Originalmente publicado no The Kitsch Issue, de fevereiro 2024.
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