Nos últimos dez anos, apps como o Tinder, o Grindr e o Bumble, transformaram a maneira como conhecemos pessoas. Mas, pode o digital dating ser alguma vez comparado às relações que se formam offline?
Nos últimos dez anos, apps como o Tinder, o Grindr e o Bumble, transformaram a maneira como conhecemos pessoas. Mas, pode o digital dating ser alguma vez comparado às relações que se formam offline?
Em 2016, viajei para a Islândia. Estava a caminho de um primeiro encontro com um estranho - uma pessoa que só conhecia do Tinder e de algumas chamadas pelo WhatsApp. Cinco anos antes e eu estaria envergonhada, até mesmo assustada. Sentia-me imprudente, claro, mas o estigma de conhecer pessoas online havia diminuído entre os meus amigos e senti que a pessoa que estava a conhecer valia esta viagem. No final, o relacionamento durou apenas seis meses, mas eu apaixonei-me, visitei um país diferente e aprendi algumas lições de vida. Tudo isto, sem qualquer arrependimento.
Há dez anos, namorar online era uma coisa que só as pessoas que tinham problemas em conhecer indivíduos pessoalmente faziam. Agoras, as dating apps são a norma. Em 2014, o Tinder afirmou que por dia contabilizava cerca de mil milhões de swipes; enquanto isso o Bumble afirmava ter 26 milhões de utilizadores ativos e serem os responsáveis por 20.000 casamentos até ao ano de 2018. Segundo o Financial Times, nos EUA, até 75% dos casais heterossexuais que se conheceram em 2019 fizeram-no através destas apps; já o E-Harmony, um site de encontros, aponta que até 2031, 50% dos casais no Reino Unido vão conhecer-se desta maneira.
O novo normal
Emily Witt, autora de Future Sex, um livro que explora as novas formas do amor e dos namoros, começou a usar sites de encontros em 2011. “Na altura usávamos um pseudónimo”, lembra, “e definitivamente não estava conectado às tuas redes sociais, assim como algumas apps estão hoje em dia.” O GPS nestes aplicativos ainda era novo e associado, principalmente, ao Grindr, pelo menos até ao final de 2011, quando o seu homólogo heterossexual Blendr foi lançado, seguido pelo Tinder, em setembro de 2012. “Quem criou o Tinder estava a pensar num campus de faculdade onde há aquela pessoa que tu vês todos os dias e queres aproximar-te dela, mas tens medo. Criou-se a ideia de uma opção dupla, ou seja, se ambos derem swipe right, a barreira do medo e da rejeição é quebrada, e isso mudou tudo para sempre.”
Witt relembra o quão revolucionário foi quando as dating apps “estavam no teu telemóvel, tinhas uma fotografia tua e o teu nome verdadeiro.” Parecia simultaneamente intrusivo e reconfortante que, no Tinder, os amigos em comum se tornaram visíveis.
Não "o tal", mas muitos tais
O livro de Witt explora a recente mudança social no Ocidente, longe da ideia de encontrar “o tal”. A autora apercebeu-se do facto de que o casamento e os filhos que imaginava ter aos 30 anos se tinha dissipado, assim como aconteceu com a maioria das mulheres da sua idade. De facto, e de acordo com os dados dos census do Reino Unido, desde 1971, o número de pessoas que vivem sozinhas aumentou em 10% e a idade média do casamento passou de 22,6 (mulheres) e 24,6 (homens) para 30,8 (mulheres) e 32,7 (homens). Padrões semelhantes foram testemunhados nos EUA.
As dating apps fazem parte dessa mudança, sugere Witt, porque oferecem mais opções, apresentam experiências compartilhadas e refutam os antigos cronogramas de relacionamento. “Esta tecnologia permite que cada indivíduo tenha acesso a pessoas que estão no mesmo mood do que tu. Pode parecer que te estás a isolar, e podes ter a sensação de que és a única pessoa sem um parceiro, principalmente quando os teus amigos começam a ter filhos. Mas quando entras neste universo das dating apps, percebes que todos estão no mesmo barco.
Explorar novos horizontes
Algumas aplicações existem com o único propósito de ajudar os seus utilizadores a explorar novos formatos nas suas relações, refletindo a crescente fluidez de quem e de como namoramos. A app Feeld posiciona-se como “a mente aberta”, variando de “curiosa” a “kinky”. Cathy Keen, de Londres, é gerente de comunidade e eventos da Feeld e usa o aplicativo a título pessoal. Keen identifica-se como pansexual e está numa relação aberta com o seu marido há oito anos - os dois já tiveram outros parceiros, em separado e juntos.
Feeld e outras apps semelhantes, diz Cathy, permitem que definas o que tu gostas antecipadamente, desde trios a amizades, e até mesmo BDSM. O mesmo vale para a sexualidade e o género. O Feeld oferece aos membros mais de 20 identidade de género e 20 opções de sexualidade, com o objetivo de ser um espaço inclusivo. Enquanto isso, outras aplicações focam-se em comunidades mais específicas: J-Swipe para judeus; Lex para mulheres queer e não-binárias; Tindog para passeadores de cães.
As desvantagens do namoro digital
Por mais válidos que sejam os relacionamento digitais, estas apps podem promover uma cultura descartável. O facto das pessoas se poderem esconder atrás de um ecrã pode também promover uma escudo para o racismo, a homofobia e a misoginia. Em resposta a isso, o Grindr lançou a campanha Kindr, para promover um melhor comportamento.
Keen admite que, apesar da sua conveniência, as apps retiram o romance e o acaso do namoro. Numa época em que podemos pedir sexo, e possivelmente amor, da mesma maneira que pedimos Uber Eats, podemos ter preguiça de fazer conexões na vida real. “É importante que as apps permaneçam produtivas para ajudar os usuários a atingir os seus objetivos de fazerem conexões na vida real”, afirma. “Não há nada que se possa comparar [às conexões reais].” Por esse mesmo motivo, as dating apps como o Feeld, o Tinder e o Raya começaram a concentrar-se em conectar usuários em eventos, desde palestras, festas e festivais, promovendo assim um sentido de comunidade e reintroduzindo a espontaneidade.
Mas afinal qual é a melhor maneira de conhecer alguém?
“A melhor maneira de conhecer alguém,” diz Witt, “ainda é sair com amigos e estranhos e ser a última pessoa na festa.” Seria um equívoco, acredita Witt, pensar que estes aplicativos retiram o que é necessário de um relacionamento. “No final de contas, as apps são apenas uma maneira de conhecer as pessoas, mas, quando tens duas pessoas numa sala, as apps não fazem nada para facilitar as coisas que são complicadas num relacionamento. Como é que tomas a iniciativa? Como é que rejeitas quem não gostas? Tudo isto é estranho e sem guiões como sempre foi.”
Então, como é que os aplicativos de namoro vão evoluir? “Acho que veremos mais do que já estamos a ver”, diz Witt, “entender como ser uma boa pessoa neste tipo de aplicações vai tornar-se mais refinado e elas vão incentivar-nos a declarar as nossas intenções com mais clareza.” A autora aponta o Bumble (onde as mulheres são obrigadas a falar primeiro com os homens) como um exemplo do quão importante o consentimento comunicativo se está a tornar. “Muito daquilo que é doloroso num namoro é a gestão das expectativas. Acho que as pessoas terão mais clareza sobre para quem se vão abrir”, conclui, “e vamos ser muito melhores no que diz respeito à transparência.”
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