Serão os contos de fadas responsáveis por perpetuar um papel estereotipado da mulher na sociedade enquanto sexo fraco e a promover a desigualdade de género?
Pensemos na bela e o monstro. Não o conto de fadas, mas os dois lados destas histórias de encantar: quando o protagonismo é feminino, mas os seus atributos passam pela aparência física, um lado submisso e a sua salvação depende de um príncipe, estaremos a passar as mensagens certas? Serão os contos de fadas responsáveis por perpetuar um papel estereotipado da mulher na sociedade enquanto sexo fraco e a promover a desigualdade de género?
© Artwork de Olivia Erlanger
© Artwork de Olivia Erlanger
Alison Lurie, escritora americana galardoada com um Pulitzer, publicou, em 1970, um artigo no The New York Review of Books intitulado Fairy Tale Liberation, seguido de Witches and Fairies uma sequela do anterior, em 1971, relacionando contos de fadas e feminismo. Neles, argumentava que estas histórias de encantar podiam ser impulsionadoras de cada vez mais liberdades femininas uma vez que se centravam em fortes protagonistas mulheres e cuja presença repleta de recursos e competências, nas mais ou menos conhecidas estórias do género, deveriam fazer dos contos de fadas “um dos poucos tipos de literatura clássica para crianças que uma radical feminista aprovaria”. Defendia ainda que estas narrativas teriam sido, pelos anos, deturpadas pelos homens responsáveis por selecionar, editar e publicar estes contos de fadas. O ponto de vista serviu de combustível para uma série de discussões sobre o tema que ainda hoje se manifesta em ensaios e estudos, nomeadamente os que não partilham da mesma visão. A autora Marcia R. Lieberman, em género de resposta, refutou a premissa, em 1972, com ‘Some Day my Prince Will Come’: Female Acculturation through the Fairy Tale, não só discordando veementemente do argumento principal sobre o protagonismo feminino, mas ainda acrescentando que desculpar os traços que reduziam a mulher ao estereótipo do papel social porque foram manipulados por homens não tinha espaço naquela discussão, uma vez que “apenas as mais conhecidas histórias, aquelas que toda a gente leu ou ouviu, de facto, aquelas popularizadas pela Disney, afetaram massas de crianças na nossa cultura” e isso, assegurava, era algo que a preocupava bastante no processo contemporâneo da aculturação feminina.
Com efeito, pensar em contos de fadas - acima de tudo, os mais mediatizados ao longo do último século e atualmente, ou seja, aqueles a que as crianças das sociedades ocidentais de um modo geral têm mais acesso -, mesmo sem uma extensa formação académica e partindo de um ponto de vista empírico, é perceber uma standardização dos seus elementos, nomeadamente da sua protagonista, e encontrar contornos que podem perpetuar o patriarcado, colocando as heroínas muitas vezes em papéis onde são valorizadas pela sua beleza e subserviência. A tendência nestes contos passa por validar as mulheres pelos seus agradáveis traços físicos e postura submissa, adotando um papel passivo e dependente, enquanto os homens são ativos, os salvadores, os que mudam o destino da protagonista em consequência de características como valentia e esperteza - e, ainda que a sua beleza seja referida, não é ela que mais os define: a Bela Adormecida espera pelo beijo do seu príncipe para ser salva, Cinderela que o principe a encontre com o outro sapatinho de Cristal, a Pequena Sereia que o principe a beije para recuperar a voz… e eles, no final, vêem-se confrontados com a personificação do mal que têm de combater, enquanto a protagonista fica à margem. O rastilho para o backlash feminista em torno destes contos que se massificaram, nomeadamente graças às suas adaptações da Disney (mas não só), passa pelo facto deste óbvio ênfase no visual e beleza física poder ter criado, ao longo do crescimento das raparigas, expectativas falsas relativamente ao romance e uma auto-imagem distorcida. Na maioria das versões populares dos contos de fadas, há notórias limitações colocadas nas personagens femininas por causa do seu género e, ao mesmo tempo, expectativas exacerbadas no sucesso masculino ligadas à sua classe social, magia ou virilidade. Não é à toa que, à luz deste papel objetificado e oprimido que sublinha ideais de beleza, estas histórias de encantar tenham levado a que estudos surgissem sobre a sua preponderância nas narrativas: no ensaio The pervasiveness and persistence of the feminine beauty ideal in children’s fairy tales (2003), L. Baker-Sperry e L. Grauerholz levaram a cabo uma profunda análise de 168 contos de fadas dos Irmãos Grimm, apontando a frequência de termos como “linda”, “bonita”, “bela” ou “atraente” e analisando a sua correlação com a bondade e a sua correlação com o perigo. O estudo demonstrou que referências à beleza feminina são cinco vezes mais frequentes que à beleza masculina, sendo que as jovens são as mais mencionadas, sublinhando ainda que, nestes textos, beleza é bondade e é recompensada - normalmente com um casamento com o príncipe encantado - enquanto que a ausência de beleza é punida. Se a heroína é bonita e bondosa, a personagem maléfica deve manifestar traços físicos opostos - pense na madrasta, nas irmãs malvadas, na bruxa má…; as mulheres mais velhas são normalmente feias, cruéis e determinadas a levar a sua avante, expondo, por isso, traços que ameaçam diretamente o ideal feminino nestes contos, uma vez que são fortes e determinadas, até ambiciosas, apontava Lieberman, que em vez de aceitarem a sua situação, delineavam estratégias para mudá-la, normalmente sem a presença de um homem (imagine-se). O príncipe encantado, ele, também é normalmente descrito como atraente, mas é um traço que é secundário às suas ações: é corajoso e viril, salvando a princesa de torres e dragões, de uma maçã envenenada, de um feitiço de sono, de uma maldição sem voz, de uma familia de enteadas e madrasta disfuncional, enquanto ela, a (futura) princesa, ingénua, se deixa cair e levar pelas garras do mal e esperar passivamente que a venham salvar. Baker-Sperry e Grauerholz repararam ainda que as histórias mais reproduzidas eram também aquelas onde a beleza era mais frequentemente referida, contando-se no top 3 os emblemáticos Cinderela, Branca de Neve e Bela Adormecida, concluindo que, aqui, ser atraente é o mais importante atributo que uma mulher pode possuir e é muitas vezes indicador de maior probabilidade em felicidade futura. A dupla sugere que “este ênfase no ideal de beleza feminino pode funcionar como um controlo social normativo para raparigas e mulheres”, na medida em que possa passar a ideia que a escolha de determinadas atividades pode torná-las menos atraentes, ao mesmo tempo que instiga a competição feminina no que diz respeito a questões de aparência e, consequentemente, diminuindo a possibilidade das mulheres se mobilizarem ou unirem. “Entre outras coisas, estes contos apresentam uma imagem de papéis, comportamento e psicologia de género, e uma forma de prever resultados e destinos de acordo com o sexo, que é importante por causa do intenso interesse que as crianças depositam nos finais”, escreveu Lieberman, acrescentando que todos estes estereótipos colocam as raparigas “predispostas a acreditar numa ligação entre ter uma cara bonita e ser boa pessoa”. Linda T. Parsons escrevia algo do género no seu artigo Ella evolving: Cinderella stories and the construction of gender appropriate behaviour (2004), publicado na revista trimestral Children’s Literature in Education: “Ainda que os contos de fadas não sejam os únicos responsáveis pela aculturação das crianças, são uma parte integral das complexas camadas das histórias culturais e influências que afirmam e perpetuam as normas culturais”. De facto, os contos de fadas que hoje abordamos como sendo os mais populares são um reflexo do seu tempo: escritos e adaptados por homens no final do séc. XIX e início do séc. XX, com referências aos ditames do Cristianismo (a questão da pureza e do casamento como indicadores de sucesso e felicidade) são muitas vezes baseados em histórias de encantar passadas de geração em geração oralmente e que depois ganharam forma escrita e que, invariavelmente, com o sucesso literário, assumiram os contornos da classe social dominante. Construídos para espelhar os costumes, crenças e princípios de determinada cultura, esse espelho é também resultante da imagem social desejada de quem escreve e conta o conto - e perceber o autor e ano de cada uma destas estórias é também contextualizá-las. Portanto, Alison Lurie não estava incorreta nesta referência.
O volte-face é no mínimo curioso, porque os primeiros contos de fadas chegaram das mãos das mulheres: a primeira vez que o termo propriamente dito surgiu escrito, partiu da Condessa d’Aulnoy, autora francesa que escreveu, no séc. XVII, uma série de histórias (não seria a única, no seu tempo - Mme. de Murat é outra referência) que se centravam frequentemente em heroínas que gozavam de ampla autonomia e eram frequentemente críticas da sociedade francesa. Eram histórias que muitas vezes incluíam, ainda que nem sempre, fadas, para sublinhar que o “lugar de poder nos seus contos residia em mulheres omnipotentes”, referia Jack Zipes em The Oxford Companion to Fairy Tales (2000). D’Aulnoy chamou-lhes Les Contes de Fées, cunhando o termo e mostrando que o conceito dos contos de fadas refere-se, originalmente, a narrativas escritas por mulheres, protagonizadas por mulheres e celebrando as mulheres, subvertendo, assim, o poder de uma Corte dominada por homens. E aperceber-se destes contornos, por maior que seja a manipulação posterior (por exemplo, os Irmãos Grimm chegaram a publicar algumas histórias menos adaptadas à sociedade da época que não foram tão bem-recebidas quando os contos que os notabilizaram) é também reconhecer que os contos de fadas, no seu core, não pretendem ser misóginos e até se conseguem ler ideais feministas: “Alguns contos de fadas podem perpetuar que a mulher precise de ser salva, mas há muitos que mostram exatamente o contrário”, refere Joana Canha, psicóloga clínica e um importante contraditório nesta narrativa. “No clássico d’A Bela e o Monstro, é precisamente a Bela que salva não só o pai, como o monstro; a Mulan salva o Imperador e toma o lugar de um homem para poupar o seu pai; a Brave impede que o pai mate a mãe por não a reconhecer e salva a relação dela com a mãe; Hansel e Gretel entreajudam-se e matam uma bruxa que lhes queriam fazer mal e, mais recentemente, a Raya destrói as forças do mal e salva todo um país. São apenas alguns exemplos de contos (uns mais clássicos, outros mais recentes) onde o sexo feminino tem um papel dominante e não precisa de ser salvo. O caminho, penso eu, será promover a diversidade dos contos de fadas, poder falar deles e, assim, mostrar às crianças (e se calhar, aos adultos também) que há uma diversidade de soluções e que a possibilidade de escolha existe. Ensinar/ promover a inclusão de género, escolhas e possibilidades e não a sua exclusão ou limitação”, acrescenta. Até porque os contos de fadas originalmente escritos são um comentário ao comportamento humano e à moral (por exemplo, as irmãs de Cinderela são castigadas por serem más, não por serem mulheres; na Bela e o Monstro, a princesa encontra o amor porque é uma pessoa bondosa, não porque é pressionada a casar, porque é mulher… talvez até a beleza física queira ser não um sinónimo de bondade e sucesso, mas antes um exponenciar metafórico das características consideradas bonitas, como a generosidade e, por oposição, a fealdade física um reflexo da fealdade de atos, numa perspetiva mais subliminar), uma evolução natural às histórias de encantar que os precederam e que eram passados oralmente de geração em geração, normalmente em classes mais baixas, com o objetivo de trazer alguma esperança veiculando a mensagem de que tudo é possível, como ascender a classes mais altas ou conseguir sair de uma situação precária ou infeliz. A ideia de uma história que perpetua a desigualdade de género não era, depreende-se, o intuito: “olhar para os contos de fadas apenas como uma forma de manter as desigualdades de género ou o papel da mulher (enquanto submissa, a necessitar de um herói e com pouca ou nenhuma voz) é extremamente redutor”, adverte Canha. "Vários autores defendem que os contos de fadas mais clássicos transmitem a ideia de que as mulheres têm um papel de inferioridade, criando o risco de isso se tornar aceitável aos olhos de quem ouve estes contos e podendo ser considerado um hábito quotidiano, uma normalidade numa sociedade em que a mulher não é capaz ou tem menos direito de opinar ou de viver uma vida como ela deseja. Mas, por outro lado, os contos de fadas são importantes para a infância. São mais do que histórias do felizes para sempre, retratando verdadeiras lições morais através das personagens. Estes contos trazem a possibilidade das crianças considerarem uma resolução positiva de várias ansiedades, batalhas e problemas da vida. Permite-lhes ainda desenvolver um sentido critico, capacidade de raciocínio e promovem a sua imaginação e criatividade (que faz parte da base de ser criança). Por estas (e outras razões), os contadores de histórias têm um papel fulcral não só na forma como a história é contada, como podem (e devem) promover o debate sobre as mesmas”. E continua: “Precisamos de nos lembrar que as crianças não ouvem os contos de fadas da mesma forma que os adultos os ouvem. Para olhar para as suas mensagens, precisamos de considerar o desenvolvimento cognitivo e emocional infantil. Numa criança, onde a personalidade ainda se está a formar, onde o tempo é diferente (se fizermos o exercício de recuar até a nossa própria infância, os dias pareciam longos) e onde as regras e normas da sociedade não estão tão enraizadas como nos adultos, os contos de fadas (e aqui estou a incluir dezenas de contos de fadas) são um solo fértil para a exploração de várias realidades e possibilidades. As crianças não são literais como os adultos, têm muito mais facilidade em questionar o mundo (mesmo que não o verbalizem), são curiosas, absorvem o mundo à sua volta e por isso, não vêem apenas uma Gata Borralheira que é salva pelo príncipe. Vêem (por exemplo) uma rapariga que não tem pais e que vive numa casa onde os outros são maus para ela, mas que não desiste, que tenta, e que também podem existir madrinhas que a ajudam a alcançar o objetivo que ela queria (que seria ir ao baile)”. Mais do que didáticos, criam cenários para que as crianças possam interpretar papéis nas suas lutas internas como parte de um amadurecimento em direção à idade adulta, como refere Sheldon Cashdan em The witch must die: the hidden meaning of fairytales (1999), um argumento baseado na teoria psicoanalítica de Freud, depois expandida por Bruno Bettelheim no que concerne à aplicação de significado através dos contos de fadas. Em The Uses of Enchantment (1977), Bettelheim elabora sobre como as crianças lutam para criar algum sentido nas suas vidas, “uma criança precisa de entender o que se está a passar dentro do seu eu consciente para que possa lidar com o que se passa no seu inconsciente”, defendendo que os contos de fadas encerram possibilidades na compreensão de tal devido aos complexos problemas que apresentam, como “ultrapassar desilusões narcisistas, dilemas parentais, rivalidade entre irmãos…”. “O tema dos contos de fadas é muito mais abrangente do que ‘apenas’ a moral ou a descrição de um comportamento. É a possibilidade de imaginar diferentes realidades, colocando-nos (na imaginação) nelas e pensando criticamente sobre as mesmas”, esclarece a psicóloga clínica. Até porque “sem qualquer dúvida também passam boas mensagens. Bruno Bettelheim fala nisso no seu mais conhecido trabalho, onde defende um valor terapêutico enorme na relação entre a criança e os contos de fadas. Através da análise destes contos, Bettelheim demonstrou como cada um deles reflete ansiedades ou conflitos internos que surgem de forma natural em fases especificas de desenvolvimento. Estes contos, apesar de ficção, ajudam a criança a recriar internamente algumas das sua questões/dúvidas internas porque permitiriam à criança imaginar o que fariam em diversas situações e assim, aprendessem a lidar com alguns dos seus conflitos internos (não a agir a história de uma forma literal). Através da narrativa, a criança tem a possibilidade de pensar em formas de lidar com os seus medos, falhas e a resolver obstáculos que sintam. Ainda assim, o mais importante e a base do contar contos é promover a ligação e interação da criança com os pais/educadores, num momento de partilha e liberdade para poderem conversar. Quando ouvimos não estamos apenas a ouvir, estamos a pensar, sentir e interagir das mais diversas formas.”
De facto, uma criança, pelo menos as primeiras vezes que lhes é apresentado um conto de fadas, não o lê sozinha. E os contos de fadas passam de geração em geração dependendo das condicionantes sociais do seu interprete. Assim como um dia outros pegaram em histórias de encantar e as rescreveram ou adaptaram em versões que respondiam às exigências de uma sociedade patriarcal, as novas versões, sejam oficiais sejam através da forma como as recontamos às novas gerações, podem também substituir todos os contornos que possam definir a mulher como inferior ao seu par masculino. Ao longo do séc. XX e agora no séc. XXI, a audiência destes fairytales mudou e, com ela, podem ter também alterado valores. Por exemplo, o Movimento Feminista criou um rol de contos de fadas revistos que revertem ou questionam os tradicionais papeis de género, consecutivamente empoderando as mulheres com o controlo dos seus destinos, libertando-as da dependência de um homem. “O resultado é uma impressionante produção de contos de fadas não-sexistas para crianças e adultos, bem como trabalhos teóricos que exploram as implicações subjacentes aos papéis de género nos contos de fadas”, escrevia Jack Zipes em When dreams Come True: Classical Fairy Tales and their tradition (1999). ”A mudança na sociedade é algo inevitável e desejável. A forma como estamos a mudar é tão abrangente que tem, naturalmente, aspetos mais positivos e outros mais negativos”, corrobora Joana Canha. “Deve vir desde pequeno e estamos a assistir a essa mesma mudança. Já há alguns anos, os contos de fadas (em livro e em filme) têm trazido novos heróis de vários géneros, etnias e idades. Inclusive, no remake de clássicos como o Aladino, o fim foi alterado do já conhecido final onde o sultão dá permissão à princesa para casar com alguém que não é príncipe, para a princesa que se torna sultana e tem o poder de ficar com quem quer”, remata, acrescentando que “a crescente procura por escolas onde o ambiente é mais inclusivo, onde estimular a curiosidade, pensamento crítico e atenção pelas fases de desenvolvimento da criança, mostra isso. É um vislumbre da mudança no sistema e sociedade. Os sistemas de ensino de 1º ciclo de referência no mundo já o fazem a algum tempo. Felizmente, em Portugal, também já é uma realidade; uma realidade minoritária (infelizmente) e um trabalho em andamento. Parece-me que é um trabalho sem fim, mas é nesse caminho que está o trabalho em si; não apenas no objetivo”. As novas abordagens feministas abriram caminho para a fracturarão deste género literário, precipitando novas perspetiva e mais inclusão em versões pós-modernas com diversas questões sociais, entre elas o feminismo. O que não quer dizer, de todo, um abandono dos clássicos, que podem ter ganho, para uma franja de estudiosos, uma má reputação, mas que não são por completo o vilão desta história: “Se queres que as crianças sejam inteligentes, lê-lhes contos de fadas. Se queres que elas sejam mais inteligentes, lê-lhes mais contos de fadas”, a psicóloga clínica cita Albert Einstein, antes de continuar. “Ainda que uma parte da comunidade de pais defenda que não se deve ler contos de fadas a crianças mais pequenas por poderem ser violentas ou induzi-las a ter comportamentos menos adequados, vários estudos mostram uma influência positiva no desenvolvimento das crianças: é uma forma dos pais ensinarem valiosas lições sobre o pensamento critico. Impedi-los de ler histórias onde a princesa precisa de um beijo do príncipe para “viver” (Branca de Neve ou Bela Adormecida) ou que é aceitável sair de casa para ir atrás de um príncipe (A pequena sereia) não promove o pensamento critico; a exposição e conversa guiada sim (tendo sempre em conta a idade e fase de desenvolvimento da criança e altura do dia em que se contam alguns dos contos). É importante no desenvolvimento da alfabetização precoce, onde estes contos podem criar uma base de discussão sobre o mesmo, estimulando o pensamento crítico e a expressão de ideias e emoções com maior facilidade; estimula a capacidade de arranjar soluções para as mais variadas ansiedades ou situações de conflito; te êm uma mensagem de resiliência - o mundo de hoje está confuso e assustador, e tanto adultos como crianças experienciam níveis de grande stress. Situações difíceis acontecem a todos e os contos podem ter um papel de apoio na resiliência. Podem ser um ponto de ligação entre algumas questões dos contos e a vida real, onde (nos contos) o herói triunfa, mostrando que há desafios na vida e precisamos de tentar e acreditar que podemos ser bem sucedidos. É uma das bases do desenvolvimento da alfabetização, mas também enfatiza aspetos comportamentais transculturais (pensemos em contos como Mulan, onde está presente a cultura oriental, Brave na cultura escocesa, Pocahontas nos povos indígenas, entre outros). Os contos de fadas são boas ferramentas para ensinar as crianças a contar uma história. Ajudam a aprender sobre o desenvolvimento de histórias, resolução de conflitos e desenvolvimentos de personagens. Ajuda-os assim, a diferenciar histórias de ficção e não ficção”. É que o bom e o belo - o melhor - dos contos de fadas e da eterna expressão “quem conta um conto acrescenta um ponto” é que, no que diz respeito as estas histórias de encantar maleáveis à cultura e tempo onde são (re)contadas uma e outra vez é que somos nós que decidimos como e quando é que “viveram felizes para sempre”.
Originalmente publicado no The Fairy Tale issue da Vogue Portugal, de maio/junho 2022.For the english version, click here.