Nos anos 70, era a marijuana; nos 80, a cocaína; nos 90, o ecstasy; e, nos anos 2000, a oxicodona, por causa de uma crise de opioides que mudou o curso da saúde pública. Agora, porém, uma das ameaças mais perigosas não chega em doses clandestinas nem carrega o estigma de ilícita. O cortisol, a hormona do stress, tornou-se uma droga silenciosa numa sociedade que romantiza a exaustão.
Outrora celebrado pelo seu brilhantismo evolutivo — ajudando os primeiros humanos a escapar de predadores ou a sobreviver a períodos de fome —, tornou-se agora o motor sobrecarregado das vidas modernas. O cortisol, uma hormona produzida pelas glândulas suprarrenais, é o guerreiro silencioso do corpo, essencial para a resposta de fight or flight, fornecendo energia, clareza e capacidade para enfrentar desafios. Sem ele, faltar-nos-ia vigor para navegar pelas exigências da vida. Porém, na cultura frenética dos dias de hoje, onde o stress é um companheiro constante, este deixou de ser um aliado para se tornar — quando produzido em excesso — numa espécie de droga moderna, alimentando um vício que raramente reconhecemos.
Como qualquer substância da qual passamos a depender, é sedutora; é o equivalente bioquímico de um café, oferecendo energia, clareza e perspicácia em momentos de stress agudo. Ajuda-nos a cumprir deadlines, a gerir compromissos intermináveis e a sustentar-nos durante noites mal dormidas. Quando o momento exige — seja uma apresentação importante ou uma crise inesperada —, o cortisol libertado pelo corpo assegura que estamos à altura do desafio. No seu ritmo natural, é um milagre da biologia, destinado a subir em momentos breves e urgentes antes de descer, permitindo que o corpo recupere. Mas eis o problema: a vida moderna não oferece grandes interlúdios para recuperação. Hoje, pode já não existir um predador à porta da caverna como nos tempos primitivos, mas o fluxo interminável de e-mails, notificações e pressões sociais mantém-nos num estado constante de alerta.
O resultado? Uma sociedade viciada em stress, dependente do impulso que o cortisol proporciona, mesmo enquanto este sabota silenciosamente a nossa saúde. A exposição crónica a níveis elevados de cortisol reconfigura o cérebro e o corpo, com sintomas que começam de forma subtil, mas se tornam impossíveis de ignorar. A fadiga persistente, por exemplo, é um dos sinais mais paradoxais deste vício. Apesar de nos sentirmos perpetuamente “ligados”, as nossas reservas de energia esgotam-se, deixando-nos simultaneamente exaustos e incapazes de relaxar. O sono, o pilar crucial da recuperação, torna-se esquivo e as insónias ou as noites agitadas instalam-se, enquanto a mente corre atrás de tarefas inacabadas ou preocupações futuras. Depois, há o aumento de peso, particularmente na zona abdominal, um efeito direto do papel do cortisol no armazenamento de gordura. Este mecanismo evolutivo, concebido para nos proteger durante períodos de stress prolongado, manifesta-se agora como gordura abdominal persistente, resistente a dietas ou exercício físico. Emocionalmente, o cortisol mantém o centro de medo do cérebro — a amígdala — em alerta máximo, resultando em ansiedade, irritabilidade e, no limite, em burnout. As falhas de memória e a dificuldade de concentração também são comuns, uma vez que o hipocampo, responsável pela aprendizagem e memória, encolhe sob a influência desta hormona. As manifestações físicas são igualmente preocupantes. Problemas digestivos, como inchaço ou dores de estômago, surgem frequentemente, consequência do impacto do stress crónico na saúde intestinal. A pele, o maior órgão do corpo e muitas vezes um espelho do equilíbrio interno, também sofre — o cortisol elevado reduz o colagénio, acelera o envelhecimento e desencadeia acne persistente. Até o cabelo é afetado, com muitos a relatar queda ou afinamento excessivo durante períodos de stress prolongado. Contudo, o sintoma mais subtil e insidioso de todos pode ser a incapacidade de relaxar. Momentos de calma tornam-se estranhos, quase desconfortáveis, como se a ausência de stress fosse, ela própria, stressante. Esta inquietação pela “produtividade” mantém-nos presos num ciclo de fazer, alcançar e esforçar-se, mesmo quando o corpo e a mente imploram por descanso, as mãos tremem e a respiração se torna ofegante.
As estatísticas pintam um quadro preocupante: um inquérito da Gallup realizado em 2021 em 122 países revelou que 41% dos adultos em todo o mundo relataram níveis elevados de stress. Como chegámos aqui? De muitas formas, o vício no cortisol é um produto da própria vida moderna. Os smartphones, exaltados como ferramentas de eficiência, tornaram-se fábricas de stress, com cada som e vibração a entregar uma dose de urgência. As redes sociais exacerbam o problema, transformando a comparação numa modalidade desportiva enquanto percorremos feeds curados que amplificam as nossas inseguranças. O trabalho continua a ser uma fonte inesgotável de stress e preocupações constantes e até o lazer foi cooptado, com férias planeadas ao detalhe para o Instagram e práticas de autocuidado transformadas em mais uma tarefa para riscar na lista, ao invés de serem um momento de relaxamento. Esta roda viva bioquímica mantém os níveis de cortisol elevados, deixando pouco espaço para verdadeiro descanso ou equilíbrio.
Quebrar este vício não é fácil, mas é possível e o primeiro passo, como em qualquer outro vício, é reconhecer e aceitar os sintomas: mente acelerada, fadiga persistente, irritabilidade e a incapacidade de relaxar são os principais sinais de um sistema em sobrecarga. O antídoto, sem grandes surpresas, reside na simplicidade. Práticas de mindfulness, como meditação e ioga, demonstraram reduzir significativamente os níveis de cortisol, possibilitando um reset tanto para o corpo como para a mente, com estudos a comprovar que até sessões breves de meditação reduzem marcadores de stress e melhoram o bem-estar geral. O sono, frequentemente sacrificado em nome da produtividade, torna-se inegociável: adultos que dormem consistentemente entre sete e oito horas por noite apresentam níveis de cortisol significativamente mais baixos do que aqueles que não o fazem. A atividade física, de igual forma, desempenha um papel importante ao libertar endorfinas, as chamadas hormonas da felicidade, e regular o Eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (HHA), já que com a prática regular de exercício o corpo aprende a responder ao stress de forma apropriada e a reduzir a ativação exagerada do eixo HHA em situações não físicas, como stress emocional. Contudo, talvez a mudança mais profunda deva ocorrer na forma como se define sucesso. O vício moderno no stress é tanto cultural quanto pessoal, enraizado numa visão do mundo que equaciona ocupação com valor, e cansaço com dedicação ou produtividade. O cortisol não é o vilão desta história; está apenas a fazer o seu trabalho num mundo que exige demais. O verdadeiro desafio está em repensar os sistemas e hábitos que transformaram o stress num modus operandi. Ensinar o corpo e a mente que a melhor forma de viver é numa maratona e não num sprint não é tarefa fácil mas, no fim, é a única forma de garantir que se chega longe sem danos pelo caminho. Reaprender a viver com equilíbrio não é apenas um ato de autocuidado, mas uma necessidade para prosperar a longo prazo.
Retirado da edição What's Next da Vogue Portugal, publicada em dezembro de 2024 e disponível aqui.
Most popular
Algo velho, algo novo, algo emprestado e algo azul: um casamento escandinavo com carimbo português
17 Jan 2025