Comemos orgânico, fazemos reciclagem, lavamos os dentes com escovas com cabo de bambu, vamos aos mercaditos bio aos domingos de manhã e carregamos as compras do mês em eco bags. Só nos faltava mesmo um ritual de beleza que acompanhasse esta nossa tão bonita green life.
Comemos orgânico, fazemos reciclagem, lavamos os dentes com escovas com cabo de bambu, vamos aos mercaditos bio aos domingos de manhã e carregamos as compras do mês em eco bags. Só nos faltava mesmo um ritual de beleza que acompanhasse esta nossa tão bonita green life.
©Fotografia: Nelson Henricks Flower Painting 5 2016 Inkjet On 9mm Polypropylene, Edition Of Three 130 X 91.5 Cm, Cortesia: Paul Petro Contemporary Art, Toronto.
©Fotografia: Nelson Henricks Flower Painting 5 2016 Inkjet On 9mm Polypropylene, Edition Of Three 130 X 91.5 Cm, Cortesia: Paul Petro Contemporary Art, Toronto.
Façam soar as sirenes, a indústria da Beleza e a cosmética convencional como a conhecemos foram desmascaradas. Ups, entrámos a pés juntos, foi? Deixem-nos reformular. Para dizer a verdade, nós sempre soubemos que não devíamos andar a pôr coisa boa no rosto, no cabelo e no corpo, quer dizer, sabíamos assim-assim, quer dizer, era melhor era nem saber. Só que, entretanto, passámos a querer saber. Foi porque começámos a ler mais, não descansadamente no sofá com o pijama polar e as pernas estendidas (para isso ainda nos falta tempo), mas dentro dos supermercados e mercearias enquanto ganhávamos consciência sobre o que significam os rótulos das embalagens que enfiamos na despensa, e depois nas lojas e perfumarias, onde replicámos a premissa às embalagens que vão parar aos nossos nécessaires, prateleiras do WC e gavetas do toucador.
E enquanto descodificávamos aquilo que nos escreviam as costas dos nossos produtos favoritos, partimos em busca de mudança. E, tchanam, ei-la, a Clean (ou Green) Beauty, uma versão “limpa” da Beleza e da cosmética convencional que ainda está por definir oficialmente, mas que se baseia em ingredientes provenientes de plantas e da Natureza (nunca diga não tóxicos, porque todos os ingredientes o podem ser, sejam de origem natural ou sintética). O que é certo é que ela veio pôr alguma ordem nessa fraude que é o greenwashing e, apesar de ter começado como nicho, entretanto, tornou-se mainstream (e tão instagramável).
O empurrão foi dado pela nossa obsessão pelo wellness que, de acordo com o relatório de 2018 da Global Wellness Economy Monitor, está imparável, com esta indústria a ter passado a valer mais de 3 triliões de euros em 2017 (uma muito surpreendente subida de 12,8% desde 2015). E quanto é que isso significa em self-care e cuidados de beleza, perguntam vocês? Quase um 1 bilião. E se gastamos mais, é claro que sabemos mais. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma pesquisa de 2016 feita pela Kari Gran (uma marca de maquilhagem e skincare que se define como inclusiva e antibeleza) mostrou que 55% das mulheres e 62% dos millennials inquiridos leem cuidadosamente os rótulos dos produtos de beleza antes de os comprar para evitar incluir ingredientes sintéticos na sua rotina.
"Uma pesquisa de 2016 feita pela Kari Gran mostrou que 55% das mulheres e 62% dos millennials inquiridos leem cuidadosamente os rótulos dos produtos de beleza antes de os comprar para evitar incluir ingredientes sintéticos na sua rotina"
Por cá, a Organii, uma loja de produtos biológicos, cruelty-free e de comércio justo, tem tentado que façamos o mesmo desde 2008. “O problema de muitos produtos de beleza é o uso de substâncias sintéticas que o corpo não consegue absorver e, como tal, vai ter de eliminar”, explica à Vogue Cátia Curica, uma das fundadoras. “O nosso corpo terá de eliminar resíduos de pesticidas, herbicidas, químicos sintéticos ou derivados de petróleo que são sempre uma fonte de trabalho para os órgãos excretores como pele, rins e fígado.” É uma espécie de bola de neve: sem sabermos, entupimos o corpo de toxinas e damos à pele alguns dos problemas que, na verdade, gostaríamos de evitar ou tratar e, como não vemos melhorias, acabamos a entupir-nos ainda mais, com nova dose de produtos com ingredientes nocivos.
“[Eles] são os responsáveis pela maioria das reações adversas da pele e pelas alergias. E usamos muitos produtos. Podemos diminuir o que usamos, mas temos sempre que aumentar a qualidade e, na minha opinião, isso passa por usar mais ingredientes naturais que a pele entende e consegue verdadeiramente absorver”, aconselha Cátia. Soa bem, mas não é assim tão fácil de pôr em prática. Afinal, esta obsessão pelo wellness e a procura incessante por produtos de beleza naturais que nos encham as medidas também resultou no tal greenwashing, o aproveitamento de uma série de marcas que colam nas suas embalagens falsos selos de aprovação “verde” – porque “natural” e “orgânico” não estão legislados e qualquer marca pode estampá-los nas suas embalagens.
Mas Cátia sabe distingui-las e a nós ensina-nos que basta privilegiar cosméticos com certificações biológicas credíveis não desenvolvidas pelas próprias marcas (Ecocert, Cosmos, Soil Association, BDIH, Natrue, a USDA estão entre as certificações confiáveis); não comprar produtos de marcas que fazem bio e não bio (“são sempre marcas que querem o aproveitamento e que não o fazem por acreditarem que é melhor para as pessoas e para o ambiente, mas por ser moda”); procurar ingredientes que se estendam no rótulo e evitar os suspeitos do costume, como os parabenos, o petrolatum, a parafina líquida, os ftalatos, os compostos de alumínio, o PEGs, o lauryl e o laureth, o sulfato de sódio e os óleos minerais, que geralmente são palavras que terminam em “one”. Ufa. Cátia reconhece: “É difícil não ser da área e ler bem um rótulo.” Felizmente, temos lojas que o fazem por nós.
"Esta obsessão pelo wellness e a procura incessante por produtos de beleza naturais que nos encham as medidas também resultou no tal greenwashing, o aproveitamento de uma série de marcas que colam nas suas embalagens falsos selos de aprovação verde"
Como a The Green Beauty Concept, mais um projeto português que, à semelhança da Organii, foi fundado por duas irmãs: Joana e Rita Parente. Só funciona online e, para além de ser uma loja com uma seleção cuidada de produtos naturais e orgânicos para pele, corpo, cabelos e de maquilhagem, também é um espaço onde se ensina que a Beleza e a cosmética natural têm tanto de eficaz quanto de elegante e sofisticado. “O mundo da cosmética natural, orgânica e não testada em animais tem avançado muito nos últimos anos”, diz Joana. “É possível introduzir produtos naturais na nossa rotina, sem sacrificar resultados. É possível formular potentes produtos naturais que superam os sintéticos convencionais e, portanto, se podemos optar pelo melhor que a natureza tem para nos dar sem abdicar da eficácia, não faz sentido usarmos produtos sintéticos.”
Antes de chegarem à The Green Beauty Concept, todas as marcas e produtos são avaliados e testados para que não tenhamos de perder tempo a ler rótulos com palavras que nunca ouvimos antes e, para nos facilitar ainda mais a chegada à green life, é só filtrar a procura com o seu tipo de pele. Mas nem tudo são rosas, nem quando o assunto são ingredientes que colhemos da Terra, e até na Beleza Natural pode haver reações alérgicas. “Apesar de ser fácil uma pessoa entusiasmar-se com as opiniões de bloggers ou youtubers, é importante perceber que um produto pode ser fantástico para umas pessoas e reagir mal na pele de outras, principalmente produtos que possam ter elevadas concentrações de ingredientes ativos, sejam eles naturais ou não”, alerta Joana. Cátia Curica tem o argumento perfeito: “Não existe nada de errado com a laranja e algumas pessoas são alérgicas, tal como aos morangos ou às nozes.”
"No ano passado, o movimento Zero Waste Week revelou que são produzidos anualmente 120 biliões de embalagens pela indústria da cosmética e que a maioria nem sequer é reciclável"
Mas chega de falar de nós, afinal, não somos os únicos a sentir na pele os efeitos do universo da Beleza. O ambiente também, não só porque os produtos convencionais são, como diz Joana, feitos “através de métodos de cultivo prejudiciais para a Natureza, mas também porque a sua utilização pelos consumidores acaba por poluir os sistemas de abastecimento de água e do solo”. Sabe aquele disco desmaquilhante e o cotonete que faz desaparecer todos os dias pela sanita abaixo? Ele não desaparece. E, voltando às embalagens, há outra coisa que deve examinar: o material que carrega nas mãos. Porque de pouco serve ser natural por dentro, se está cheio de materiais ruins por fora. No ano passado, o movimento Zero Waste Week revelou que são produzidos anualmente 120 biliões de embalagens pela indústria da cosmética e que a maioria nem sequer é reciclável. Bom, não é mentira que não é fácil encontrar opções recicláveis sofisticadas e, na verdade, até mesmo as empresas de cosmética mais conscientes têm tido as suas dificuldades.
Como a marca orgânica e 100% livre de sintéticos Tata Harper, cuja própria fundadora confessou à Vogue norte-americana que o eco-packaging é um desafio: “O packaging da cosmética natural ainda tem um longo caminho a percorrer em termos de sustentabilidade. Encontrar opções luxuosas que também sejam sustentáveis é muito difícil, porque as coisas que são sustentáveis não são luxuosas e as coisas que são consideradas luxuosas são feitas de plásticos não recicláveis e acrílicos que acabam em aterros.” She’s got a point. Mas só se continuarmos a pensar que o luxo é o luxo de sempre. Afinal de contas, luxo não será aquilo que nós quisermos que seja? Se assim for, o nosso serve-se em poções mágicas naturais que combinam aquilo que a Natureza tem de melhor. Pode ainda não vir numa embalagem 100% green, clean, ou qualquer outro nome que lhe queira chamar, mas ao menos estamos a caminhar a passos largos para lá.
Artigo originalmente publicado na edição de abril 2019 da Vogue Portugal.