Ainda não está patenteado, mas o azul de Daniel Mattar (ou seria mais correto dizer “os azuis”?), consagrado artista brasileiro, é tudo o que falta para o mundo respirar, e viver, com um pouco mais de serenidade.
Ainda não está patenteado, mas o azul de Daniel Mattar (ou seria mais correto dizer “os azuis”?), consagrado artista brasileiro, é tudo o que falta para o mundo respirar, e viver, com um pouco mais de serenidade.
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Vista Aérea #05, 2020. Impressão fotográfica, montada em vidro de museu e frame de madeira (146 x 220 cm).
Vista Aérea #05, 2020. Impressão fotográfica, montada em vidro de museu e frame de madeira (146 x 220 cm).
Cor. É ela que liga, e dá sentido, a todo o seu trabalho. Desde o início, quando estudou na PUC Rio, uma das melhores universidades brasileiras, até aos dias de hoje, quando percorre a calçada portuguesa, como um transeunte mais. É nas ruas de Lisboa, onde vive com a mulher – e com quem, em 2018, abriu a Brisa Galeria – que agora se inspira. Sempre de olhos postos no que se passa à sua volta, principalmente no imenso espectro de tons que invadem o seu dia a dia. “Sempre fui reconhecido por usar a cor de uma forma muito especial. Se alguém fosse falar do meu trabalho enquanto fotógrafo de moda, diria que eu usava uma cor saturada e vibrante e, de facto, eu utilizava uma técnica de iluminação artificial aliada à iluminação natural, que resulta numa imagem muito parecida com a pintura, quase irreal”, confessou, há dois anos, numa entrevista. Artista multidisciplinar, mistura pintura e fotografia com uma mestria que não é para todos. Quisemos saber mais sobre a sua arte e, obviamente, sobre a imensidão de azul que a invade. E que nos invade, como num abraço bom.
O Daniel estudou arte, design, fotografia. Atualmente trabalha com quadros, que depois fotografa. Não é redutor chamá-lo apenas de “fotógrafo”? O que é que coloca na sua declaração de impostos?
A fotografia sempre foi a minha primeira expressão, com uma família toda de artistas, convivi desde cedo com uma casa repleta de esculturas e muita arte. Há já alguns anos que tenho um grande interesse pela pintura, entrei no dilema fotografia versus tintas e resolvi esta equação com uma linguagem baseada no registo da luz nas microssuperfícies onde pinto e imediatamente fotografo. Na declaração de impostos preencho “Artista Visual”, resolvido! [risos]
Como é que chegou a este diálogo entre fotografia e pintura? É assim que se sente mais confortável, ou há ainda mais técnicas que queira explorar?
Sempre tive um fascínio pela fotografia macro, a ampliação de detalhes através do uso da ótica indicava-me muita potência visual, uma pesquisa da hiper-realidade. Passei a revelar, pelas lentes, os volumes e cenários reais que não eram passíveis de serem percebidos a olho nu. A possibilidade de somar a expressão do gesto da tinta e os pigmentos minerais a este fenómeno ótico foi um caminho natural. Descobri nesta técnica um universo gigante onde ainda tenho muito para explorar, trazer o micro para o macro em impressões de grandes escalas. Procuro a materialidade desta terceira dimensão no plano bidimensional.
Grande parte da sua obra está ligada à cor, e ao uso da cor, que parece enviar mensagens subliminares nas suas mais diversas formas. Como é que descobriu o poder da cor?
No início da minha trajetória na fotografia, era fascinado pelo preto e branco, a possibilidade de ter um laboratório fotográfico em casa e ver o mundo em tons de cinza envolveu-me e estimulou-me. Fui morar, com 20 anos, para Tóquio, no Japão, e nesse momento descobri Van Gogh através das cartas que ele trocou com o seu irmão Théo. Nesta narrativa sobre a perceção psicológica da cor e conhecendo mais a obra do pintor holandês, mergulhei na fotografia colorida e nas suas possibilidades. Desde então, estudo o uso das cores na capacidade de criar sensações e literalmente alterar o mood do observador. Estas conduções subliminares foram o meu norte nas escolhas cromáticas das obras. Quando montámos a nossa casa em Lisboa, imprimi uma peça fotográfica bem grande no tom de Azul Cobalto que ocupou parte da nossa sala; a peça, ao fim de três meses, teve de ir para a nossa galeria e com a sua ausência no ambiente consegui entender ainda mais a potência daquele azul no nosso convívio diário da casa. Mudou completamente o mood doméstico, tratei de produzir rapidamente outra superfície azulada para inspirar e elevar a família.
O azul é o tema desta edição. Nem de propósito, o Daniel tem uma série de trabalhos azuis – e nas suas mais diversas declinações. Das dezenas de significados que se associam ao azul, o que é que lhe transmite o azul? Tem algum tom (Cerúleo, Índigo, Klein…) com o qual prefira trabalhar?
Antes de tudo, sou do mar, do signo Peixes e devoto de Yemanjá. Nasci no Rio de Janeiro e, em pequeno, já surfava nas ondas azuis de Ipanema. Esta foi a primeira identificação que tive com a cor. Depois, fui descobrir o poder da pedra Lápis-Lazúli, a sua história mágica no antigo Egito e na confeção do pigmento Ultramarine. Quando tive conhecimento da trajetória de Yves Klein e a sua celebração do azul, envolvi-me ainda mais com as possibilidades artísticas da cor. Nas minhas últimas obras, percebi-me apaixonado pelo Azul Índigo e as suas possibilidades de criar as sensações do mergulho marítimo nos seus diversos tons através da tinta a óleo.
Algumas das obras que escolhemos mostrar (ou parte delas) alertam para perigos como o aumento da temperatura global e o impacto das alterações climáticas. Sente que a Arte, apesar da concorrência das redes sociais, continua a ser uma poderosa arma de combate por este Planeta Azul?
Na minha segunda exposição na Brisa Galeria, apresentei a série intitulada Rise, onde seleciono recortes de jornais e revistas em diversos idiomas que falam sobre as alterações climáticas e as suas consequências. Intuitivamente, comecei a depositar as tintas sobre estes recortes e seguir isso com a técnica de os fotografar com uma lente macro. Surgiram oceanos revoltos e uma representação da elevação das águas. Uma realidade que se mostra visível para todos e que necessita de atitudes urgentes. A alteração da temperatura do planeta e o desequilíbrio ambiental é uma verdade clara e extremamente preocupante. As manifestações deste alerta através de todas as formas de comunicação, incluindo as Artes Visuais, é fundamental e compõe um grito natural. A Arte sempre foi e será um forte veículo para a manifestação e alerta das necessidades sociais, políticas e ambientais do nosso planeta. Quanto à relação da potência na mensagem entre a Arte e as redes sociais, penso que ambas se complementam, os diversos canais de propagação das redes podem ajudar a aumentar esta voz da mensagem artística.
RISE. Impressão fotográfica, montada em plexiglass e moldura de madeira (100 x 133 cm).
RISE. Impressão fotográfica, montada em plexiglass e moldura de madeira (100 x 133 cm).
Cerulean Blue, 2019. Impressão fotográfica, montada em acrílico e frame de madeira (100 x 133 cm).
Cerulean Blue, 2019. Impressão fotográfica, montada em acrílico e frame de madeira (100 x 133 cm).
Cobalt Blue, série Polaroids, 2020. Impressão fotográfica, montada em acrílico e frame de madeira (120x120 cm).
Cobalt Blue, série Polaroids, 2020. Impressão fotográfica, montada em acrílico e frame de madeira (120x120 cm).
DUST #02, Díptico, 2020. Impressão fotográfica, montada em vidro de museu e frame de madeira (160 x 240 cm).
DUST #02, Díptico, 2020. Impressão fotográfica, montada em vidro de museu e frame de madeira (160 x 240 cm).
Vista Aérea 04, Díptico, 2020. Impressão fotográfica, montada em vidro de museu e frame de madeira (160 x 240 cm).
Vista Aérea 04, Díptico, 2020. Impressão fotográfica, montada em vidro de museu e frame de madeira (160 x 240 cm).
Natureza Alterada. Impressão fotográfica, montada em plexiglass e moldura de madeira (120 x 160 cm).
Natureza Alterada. Impressão fotográfica, montada em plexiglass e moldura de madeira (120 x 160 cm).