É possível sobreviver dois dias sem telemóvel? Uma jornalista da Vogue embarcou num detox digital e voltou com a resposta.
É possível sobreviver dois dias sem telemóvel? Uma jornalista da Vogue embarcou num detox digital e voltou com a resposta.
©Conde Nast Archive
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Até ao momento em que me separei do meu telemóvel durante dois dias (e quando digo separar, é mesmo separar), nunca considerei que as estatísticas sobre o uso excessivo dos smartphones se aplicassem a mim – mas os sinais estavam todos lá. O telemóvel estrategicamente colocado ao lado da cama era a primeira coisa que via quando acordava. Se não estivesse a permitir-me mais 10 minutos de sono depois de agendar mais um daqueles alarmes ensurdecedores, estava deitada numa qualquer posição a consumir stories do Instagram só porque sim. Depois vinha a viagem de metro, normalmente ocupada com um livro nas mãos – mas nem isso impedia que o telemóvel saísse da carteira para responder a uma mensagem ou abrir um e-mail que podia ter esperado cinco minutos para ser lido. Quando ficava sem bateria ou era obrigada a ligar o modo voo, a ansiedade ocupava-se do meu corpo como reminder que, se acontecesse alguma coisa, eu seria a última a saber.
Apesar de passar mais de três horas por dia com os olhos mergulhados no pequeno ecrã do telemóvel e sentir que devia dar o tratamento Marie Kondo ao Instagram, todas as barreiras que pus entre mim e a minha (muito óbvia) utilização excessiva acabaram por (também muito obviamente) cair. Descarreguei aplicações com a mesma velocidade com que as apaguei. Li artigos de gurus do wellness com títulos apelativos como “este é o guia que precisa para recuperar a vida que o seu telemóvel lhe roubou” e cheguei ao fim a pensar que nunca seria capaz de passar uma noite separada dele, e muito menos ser uma pessoa funcional se não o tivesse sempre comigo. Aplaudi de pé (metaforicamente falando, claro) as pessoas corajosas que embarcaram naquela viagem de um mês chamada detox digital e sairam vitoriosas da mesma para nos dizer que é possível quebrar a corrente. Eu, de certeza, não aguentaria nem um dia – mas, na verdade, consegui aguentar dois e sobreviver para contar a história.
"Será que vou conseguir desligar esta ficha?"
“Então vou mesmo ter que deixar o telemóvel com eles durante dois dias?” A ideia é essa, sim. “Então e se eu prometer que o deixo no quarto sempre que sair?” Acho que é mais giro se não tiveres mesmo o telemóvel contigo. Não vais é conseguir tirar fotos para o teu Instagram, mas deixa lá isso. “Não sei se vou aguentar.” São só dois dias, vá, passa rápido. “Já estou a ficar nervosa com a ideia de não conseguir falar com as pessoas.” Avisas as pessoas que vais estar incontactável e, qualquer coisa, usas o telefone do hotel. Tudo se resolve. “Estou mesmo a ver que vou adormecer sem o despertador do telemóvel, mas gosto da ideia de não ir ao Instagram durante dois dias. Aliás, se pudesse apagava o Instagram, não me faz assim tão feliz.”
Nos dias que antecederam a minha viagem até ao Pine Cliffs Resort, no Algarve, onde iria embarcar no programa de bem-estar Digital Detox – uma proposta do resort que consiste em, muito literalmente, deixar o seu telemóvel na receção e prestar mais atenção a si do que a ele -, as conversas sobre não ter o meu dispositivo móvel durante dois dias começavam a deixar-me mais nervosa do que entusiasmada. Nunca tinha estado longe do meu pequeno companheiro e tinha a certeza que a separação não iria ser assim tão fácil. Entre mim e mim, o discurso de “vá, acalma-te, são só dois dias, passa rápido”, “vais ter tempo para ler aquele livro que andas há séculos para ler, vais fazer pilates e yoga, e tens aqueles dois tratamentos de spa incríveis”, “de certeza que nem te vai lembrar que não tens telemóvel contigo” era uma constante tentativa de conforto, e assim se manteve até ao momento em que desliguei o meu pequeno companheiro com um suspiro nervoso e o entreguei com um sorriso igualmente suspeito na receção das Pine Cliffs Ocean Suites.
"Onde é que está o meu telemóvel?"
Agora sim, era oficial: 48 horas sem telemóvel. Assim que entrei na suite, aterrei o corpo no sofá, liguei a televisão (“está a dar Friends, boa”) e esperei pelo jantar. As primeiras horas de “desmame” não foram uma imagem muito bonita de ser ver – o instinto de procurar o telemóvel em sítios onde ele nunca estaria, a sensação constante de “falta-me alguma coisa” e a ansiedade de não poder comunicar com ninguém foram o mais difícil de contornar. Quando me deitei, voltei a ter um momento de “onde é que está o telemóvel?”. Liguei a televisão para ver que horas eram, peguei naquele livro que andava para ler há séculos e tentei esquecer a ausência do meu pequeno companheiro.
Com a primeira noite de divórcio superada, acordei com a sensação de que me podia habituar a manhãs sem Instagram. Em vez de pegar no telemóvel e mergulhar naquele buraco negro só porque sim, abri a janela do quarto, tirei alguns minutos para observar os jardins e respirei – um daqueles momentos de “coisas que podes fazer quando não tens um ecrã luminoso a distrair-te.” Na verdade, o melhor de não termos esse ecrã luminoso a distrair-nos é precisamente isso, o tempo que tiramos para viver no mundo real. Nessa manhã, o meu tempo foi dedicado a uma aula de Pilates no Tabu Garden Lounge, um dos jardins mais intimistas do Pine Cliffs Resort, uma espécie de templo ao ar livre com vista para a praia, onde o tempo faz as pausas por nós. Nos momentos de descanso entre exercícios, em vez de ter o instinto de pegar no telemóvel para responder a uma mensagem ou ver que horas eram, limitei-me a olhar para o mar de verde e azul. Sem o instinto de pegar no telemóvel, sentei-me na relva a ler, desci até à praia e andei sem pressas.
Com a mente limpa das ansiedades de estar constantemente ligada, estava na altura de mergulhar no Serenity Spa The Art of Well Being para o Tratamento de Assinatura “Sentir o Algarve” – um tratamento de corpo que utiliza ingredientes típicos da região para nos levar numa daquelas viagens sensoriais incríveis. Começa com uma esfoliação corporal feita com flor de sal da Ria Formosa e areia da Praia da Falésia que, como me explica a técnica, é preparada pela equipa do Serenity Spa e funciona como purificante da pele, para abrir os poros e preparar-nos para o próximo passo do tratamento – um envolvimento com alfarroba que, para além do aroma que vai deixando no ar e das propriedades antioxidantes e antibacterianas, ajuda a tratar a pele danificada. Enquanto me deito na cama envolvida naquele cobertor reconfortante de alfarroba, a minha mente está completamente limpa. Depois de uma massagem com óleo essencial de laranja do Algarve, sou encaminhada para a área de relaxamento, onde me espera um chá de erva-príncipe. São 80 minutos que me fazem pensar numa única coisa: “Telemóvel? Não sei nem me interessa.”
"Podem ficar com ele? Acho que não o quero mais"
Assim que o segundo e último dia do Digital Detox se levanta, não sinto falta de acordar e pegar no telemóvel. Em vez disso, sinto uma vontade enorme de nunca mais usar redes sociais na vida – mesmo sabendo que isso nunca vai acontecer. Desta vez, a manhã é passada numa sessão de yoga, também no Tabu Garden. Apesar de já ter feito yoga antes, nenhuma experiência se compara aquela de recentrar corpo e mente em plena natureza, a sentir a brisa pura e o calor do sol, a ouvir o som suave das folhas e a sonância abrupta das ondas. Mais uma vez, a ausência do telemóvel, das vibrações e das notificações torna tudo melhor. Num estado de bliss completo, o segundo tratamento corporal do fim de semana assenta no bolo como a cereja mais perfeita – uma Massagem Desintoxicante que, para além de relaxar o corpo (como se fosse possível sentir-me mais relaxada), usa produtos marinhos para ajudar à libertação de toxinas (como se fosse possível ter toxinas depois de viver dois dias sem as ondas tóxicas do meu telemóvel).
Com as malas feitas, está na altura de recuperar o pequeno companheiro. Se tinha saudades? Surpreendentemente, não, não tinha saudades do pequeno companheiro. A única coisa de que tinha saudades, na verdade, era da conveniência que o pequeno companheiro me dá quando quero falar com alguém. Se ia abrir o Instagram assim que a luz do ecrã atacasse os meus olhos desabituados da sua intensidade? Apesar de ter controlado todo os instintos para não o fazer, acebei por ceder e foi a melhor decisão que tomei nesse dia. Porquê? Porque só precisei de três minutos para perceber que não precisava assim tanto de estar ali. Nessa noite, e durante a viagem de regresso, a minha utilização do pequeno companheiro baseou-se em uma ou duas chamadas telefónicas, algumas mensagens de texto e zero Instagram. Quando cheguei a Lisboa, chamei um Uber e passei a viagem sem tocar no telemóvel – sim, é possível fazer uma viagem de Uber com o telemóvel dentro da carteira.
O que é que aprendi com este detox digital? Se é um facto que não vou ter fins de semana com aulas holísticas em jardins encantados e tratamentos de corpo incríveis todos os meses, também é um facto que, apesar de tornarem o processo de “desligar” muito mais agradável, não o tornam um mar de rosas – quando almoçamos e jantamos sozinhas, percebemos que a ausência do telemóvel nos deixa sozinhas com os nossos próprios pensamentos, e que não temos nenhuma distração possível para fugir deles. Mas também nos ajuda a perceber a imagem assustadora que nos rodeia – toda a gente os tem nas mãos. E é aí que está o fundamental que tirei desses dois dias sem ele: prometer a mim mesma que, nos momentos em que não preciso dele, vou deixá-lo a descansar dentro da carteira.