E foi assim que, pela primeiram vez, ouvi a história do Ovo de Colombo, que até aí não passava de uma expressão cujo significado desconhecia. Lucio Fontana, um dos precursores da arte conceptual, era o autor daquela obra, parte da série Concetto Spaziale (final dos anos 40) que, naquela tarde, me despertou – e, mais do que um ovo de Colombo, foi um ovo que se abriu na minha cabeça e me fez perceber que a criatividade (emoldurada ou não) está interligada à coragem.
"To be nobody but yourself in a world which is doing its best, night and day, to make you everybody else meand to fight the hardest battle which any human being can fight. This, of course, is the perennial battle of every creative person in any field." - E.E. Cummings
Numa visita de estudo à Fundação Calouste Gulbenkian, era eu uma pré-adolescente que adorava desenhar e pintar, recordo-me de um quadro em particular que me surpreendeu e me marcou – uma tela pintada de branco que tinha simplesmente um corte vertical no centro. Estávamos no início dos anos 80, era A.G. (antes do Google), uma altura em que a informação e a cultura só podiam ser encontradas nos livros, nos museus, ou através do conhecimento de quem era mais experiente. No meio de uma turma barulhenta e desinteressada, eu e a professora éramos as únicas que contemplávamos a obra. Mas enquanto o olhar dela era de admiração, o meu era de surpresa, e acabei por não conseguir conter a minha indignação: “Mas isto é um quadro feito por um artista?! Mas qualquer pessoa podia fazer isto!” Com a maior calma e lucidez do mundo, respondeu-me: “Sim, qualquer um podia fazer isto. Mas mais ninguém o fez, pelo menos antes dele…” E foi assim que, pela primeiram vez, ouvi a história do Ovo de Colombo, que até aí não passava de uma expressão cujo significado desconhecia. Lucio Fontana, um dos precursores da arte conceptual, era o autor daquela obra, parte da série Concetto Spaziale (final dos anos 40) que, naquela tarde, me despertou – e, mais do que um ovo de Colombo, foi um ovo que se abriu na minha cabeça e me fez perceber que a criatividade (emoldurada ou não) está interligada à coragem. Coragem para abrir novos caminhos, novas experiências. Coragem para questionar, para romper com cânones e conceitos pré-definidos. Coragem para arriscar, mesmo quando mais ninguém acredita ou compreende. Coragem para dar forma ao que se sonha, acordado ou a dormir. Porque quando sonhamos, não existem filtros nem limites para a criatividade, construímos e desvendamos universos inteiros e respondemos apenas a nós próprios, sem julgamentos ou castração de terceiros.
Nos sonhos, a mente ousa o que não ousamos no dia a dia, sem impor limites à criação, de pesadelos a cálculos fantásticos... e percebe a realidade além das nossas interpretações nebulosas. Sabemos que o mecanismo que agita as nossas fantasias noturnas está intimamente relacionado com a criatividade. Os sonhos podem ser uma ficção banal ou a fonte das obras-primas mais visionárias. Nietzsche via os sonhos como uma máquina do tempo evolucionária para a mente humana. Dostoiévski descobriu o significado da vida durante um deles. Mendeleev inventou a tabela periódica noutro. Einstein sonhou a relatividade antes de a tornar numa teoria. O surrealismo dos sonhos de Dalí transformou-se em telas pintadas. A criatividade engloba a capacidade de descobrir ideias novas e originais, conexões e soluções para problemas. É parte da essência humana – como um impulso que promove a resiliência, estimula o prazer e cria oportunidades para a autorrealização. Um ato de criatividade pode ser grandioso e inspirador, como elaborar uma bela pintura ou projetar uma empresa inovadora. Mas uma ideia não precisa de ser artística ou transformadora para ser considerada criativa. A vida requer atos diários engenhosos e soluções alternativas. O puzzle da criatividade contém muitas peças, incluindo um equilíbrio entre o pensamento controlado e deliberado e o jogo e a imaginação espontâneos onde a personalidade desempenha um papel primordial.
Acredito que todas (ou quase todas) as pessoas possuam alguma dose de criatividade, mesmo que não tenham noção disso. A vida é cheia de pequenos momentos que exigem novas ideias ou soluções surpreendentes. Uma escolha em que nem se pensa duas vezes – seja na forma de cozinhar um ovo ou simplesmente no caminho que se faz para o trabalho. A inovação não é um dom divino, na verdade, é a aplicação habilidosa do conhecimento de maneiras novas e emocionantes, sem medo de sair das zonas de conforto típicas e prestar atenção ao momento presente. A Vogue é muito mais do que uma revista de Moda, é um espaço aberto ao sonho e à criatividade. A nossa, a de todos os que connosco colaboram, e a de todas as criações que admiramos.... É a criatividade que faz o mundo girar. Numa iniciativa conjunta, aglomerando e enaltecendo as suas diferentes visões, as 27 edições de março da Vogue uniram-se numa celebração global de homenagem à criatividade no meio da Moda e da Arte, como símbolo de otimismo e mudança no momento que o mundo atravessa. A própria história da Vogue é feita de diretores, editores, jornalistas, colaboradores, criadores, designers, modelos, fotógrafos, e um sem-fim de artistas que, ao longo dos seus 129 anos, não marcaram apenas o título – marcaram o mundo. Com criatividade.
*Originalmente publicado no The Creativity Issue da Vogue Portugal, de março 2021.For the English Version, click here.