As pessoas são forçadas a mostrarem-se divertidas para serem aceites e percecionadas como bem-sucedidas. Pergunto-me o quanto da epidemia moderna FOMO - o nosso medo crônico de perder alguma coisa ou de ficarmos excluídos - deriva dessa mesma noção de que o vasto menu de prazeres da vida está repleto de oportunidades práticas, que não sendo praticadas, parecem impedir a capacidade de alcançar o “sucesso”, a “felicidade”.
“The problem with pleasure is that it needs to be intermittent in order to retain its pleasantness.” - Mokokoma Mokhonoana
Photography © Eric Michael Roy
A industrialização da felicidade como um item na lista tirânica de sucesso social visa encorajar a superação do que, na psicologia popular, passou a ser conhecido como “inibições”. Mesmo o que é suposto ser espontâneo e involuntário parece ser uma condicionante imposta pelas redes sociais... As pessoas são forçadas a mostrarem-se divertidas para serem aceites e percecionadas como bem-sucedidas. Pergunto-me o quanto da epidemia moderna FOMO - o nosso medo crônico de perder alguma coisa ou de ficarmos excluídos - deriva dessa mesma noção de que o vasto menu de prazeres da vida está repleto de oportunidades práticas, que não sendo praticadas, parecem impedir a capacidade de alcançar o “sucesso”, a “felicidade”.
Alguém disse que o verdadeiro valor do homem mostra-se quando, com toda a liberdade possível, ele se impõe limites. E talvez aí resida o equilíbrio que nos permite a dose e a mistura perfeitas entre aquilo que realmente nos enche de prazer e as nossas obrigações, para que o hedonismo seja saudável e nunca tóxico.
O trabalho, quando completamente separado do elemento lúdico, torna-se monótono. E até o prazer, quando igualmente isolado do conteúdo “sério” da vida, torna-se tolo, sem sentido e puro “entretenimento”. É que a substância real de qualquer atividade não utilitária está na maneira como ela é praticada, porque enfrenta e sublima os problemas da realidade: res severa verum gaudium [a verdadeira alegria é coisa séria].
Photography © Domen & Van de Velde
Os prazeres momentâneos do hedonismo são distintos da satisfação mais profunda e duradoura; e, para alcançar tal satisfação, precisamos de refletir sobre quem somos e para que servem as nossas vidas. Não podemos ser plenamente humanos sem pensar no que significa ser humano.
O hedonismo, como qualquer puritano pode dizer, nunca leva à virtude. Se todos pudéssemos deixar o prazer de lado e comer apenas o que nos faz bem, todos os nossos problemas desapareceriam. (Boa sorte com isso.)
Por causa da capacidade de adaptação do ser humano, tomamos demasiadas vezes, na nossa vida, as pequenas e grandes coisas como garantidas, em vez de nos deliciarmos com elas. Um bocadinho de pessimismo, na dose certa, pode ser um poderoso antídoto para a adaptação hedônica. Ao pensar conscientemente sobre a possibilidade da perda do que temos, podemos recuperar o nosso apreço por isso e revitalizar a nossa capacidade de alegria. O prazer é um reflexo hedonista, um impulso ardente de abandonar completamente o pensamento racional e mergulhar no momento.
Esta edição é uma ode ao prazer e uma lembrança de que podemos, e devemos, saborear a vida, mesmo nas mais pequenas coisas que nos enchem de felicidade. A felicidade que nunca é permanente, vive na nossa capacidade de reconhecer os momentos que têm esse poder e colecioná-los com amor - incluindo o próprio.
Publicado originalmente no The Pleasure Issue da Vogue Portugal, de maio 2023.For the English Version, click here.