Opinião   Editorial  

Editorial | "The Revolution Issue", abril 2023

10 Apr 2023
By Sofia Lucas

Nunca antes precisámos tão desesperadamente do oposto – crentes e otimistas que saibam pensar, empáticos e resilientes num caminho de liderança moral e, sobretudo, humana.

“You said, ‘They’re harmless dreamers and they’re loved by the people.’ ‘what,’ I asked you, ‘is harmless about a dreamer, and what,’ I asked you, ‘is harmless about the love of the people’ Revolution only needs goos dreamers who remember their dreams.’” - Tennessee Williams

© Branislav Simoncik

(R)evolução

Mesmo para os maiores visionários não é fácil conseguir olhar além do horizonte de possibilidades de uma época, mas o horizonte muda a cada nova revolução. Peneiramos o mundo através da malha das nossas certezas, tecidas pela natureza e pela cultura em que crescemos, mas de vez em quando – seja por acidente ou esforço consciente – essa malha afrouxa e escapam-se os primeiros grãos que dão início à revolução.

Muitas vezes, a busca por uma (discutível) felicidade significa ser passivo ou jogar pelo seguro. Mas, na verdade, é o descontentamento, ou mesmo o sofrimento, a inquietação e o desconforto, que mais impulsionam a criação - paixão, desejo, desafio. As revoluções não vêm de um lugar de felicidade, mas de um lugar negro e insustentável, que é urgente mudar.

© Anastasia Fursova

REVOLUÇÃO é o tema desta edição, lançada em abril, mês em que celebramos a Revolução dos Cravos, que em 1974 pôs fim à ditadura em Portugal. Dos maiores movimentos revolucionários que mudaram o mundo aos mais pequenos gestos que todos os dias mudam a nossa vida, celebramos sobretudo a criatividade e a liberdade de expressão artística. Arte e Revolução estarão sempre interligadas, como tão bem expressou Einstein: “A Revolução apresentou-me à arte e, por sua vez, a arte apresentou-me à revolução.” A importância das palavras é muita, todos o sabemos, e há palavras mais importantes que outras. Se a palavra água desaparecesse do nosso vocabulário, rapidamente seria substituída por outra, que significasse o mesmo. Mas tal como escreveu George Orwell no seu livro, 1984, se a palavra revolução fosse apagada do nosso vocabulário, seriam precisas décadas para se chegar a outra palavra que tivesse o mesmo significado tão profundo. E há muitas outras palavras com igual importância, como justiça, respeito, liberdade. A crise e a instabilidade global que o mundo atravessa são a ignição para mais movimentos revolucionários e para a mudança que queremos ver acontecer. Mas a maior das (R)evoluções, a que deveríamos almejar antes de tudo, a liberdade e respeito pelo outro, parece cada vez mais ameaçada pelos extremismos radicais, pela intolerância e pela falta de diálogo. Vemos lutas pela aceitação transformarem-se em lutas pela imposição; lutas pela inclusão que se tornam discriminatórias; lutas pela liberdade que mostram uma face tirana e castradora; lutas pela tolerância que gritam intolerância nos megafones... e vemos direitos conquistados ao longo de séculos a serem pisados em prol de causas nobres, que se esquecem de o ser, quando afinal perpetuam a injustiça a que apontam o dedo. É preciso acreditar na mudança e nas revoluções necessárias, sempre. Sem que nunca se percam de vista os valores humanos mais básicos do respeito, da empatia e da liberdade.

© Juankr

Os cínicos podem apontar para um sistema de governos, instituições e tecnologias tão corrompido que as tentativas para o mudar são inúteis. Mas os cínicos não constroem o futuro, costumam usar os seus argumentos preconceituosos para justificar a sua própria inação. Nunca antes precisámos tão desesperadamente do oposto – crentes e otimistas que saibam pensar, empáticos e resilientes num caminho de liderança moral e, sobretudo, humana. Quem realmente se propõe mudar o mundo tem de ter uma curiosidade voraz sobre o mundo e as outras pessoas, vontade de ouvir e ter empatia pela diferença. Essas pessoas destacam-se, não pelos seus diplomas académicos ou pelo tamanho das suas contas bancárias, mas pelo seu caráter, pela sua coragem e resiliência em defenderem aquilo em que acreditam, mesmo quando estão sozinhas.

A verdadeira revolução nasce dentro de nós, e entre nós, para equilibrar as necessidades do indivíduo com as necessidades da comunidade, a necessidade de liberdade com a necessidade de pertença, em moldar e refinar continuamente a mudança social em direção a um mundo mais igualitário e digno. Eu não posso fazer a revolução, só posso ser a revolução. Que ou está no espírito de cada um de nós ou não está em lugar nenhum.

Publicado originalmente no The Revolution Issue, de abril 2023.For the english version, click here.

Sofia Lucas By Sofia Lucas

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