Nunca antes precisámos tão desesperadamente do oposto – crentes e otimistas que saibam pensar, empáticos e resilientes num caminho de liderança moral e, sobretudo, humana.
“You said, ‘They’re harmless dreamers and they’re loved by the people.’ ‘what,’ I asked you, ‘is harmless about a dreamer, and what,’ I asked you, ‘is harmless about the love of the people’ Revolution only needs goos dreamers who remember their dreams.’” - Tennessee Williams
© Branislav Simoncik
(R)evolução
Mesmo para os maiores visionários não é fácil conseguir olhar além do horizonte de possibilidades de uma época, mas o horizonte muda a cada nova revolução. Peneiramos o mundo através da malha das nossas certezas, tecidas pela natureza e pela cultura em que crescemos, mas de vez em quando – seja por acidente ou esforço consciente – essa malha afrouxa e escapam-se os primeiros grãos que dão início à revolução.
Muitas vezes, a busca por uma (discutível) felicidade significa ser passivo ou jogar pelo seguro. Mas, na verdade, é o descontentamento, ou mesmo o sofrimento, a inquietação e o desconforto, que mais impulsionam a criação - paixão, desejo, desafio. As revoluções não vêm de um lugar de felicidade, mas de um lugar negro e insustentável, que é urgente mudar.
© Anastasia Fursova
REVOLUÇÃO é o tema desta edição, lançada em abril, mês em que celebramos a Revolução dos Cravos, que em 1974 pôs fim à ditadura em Portugal. Dos maiores movimentos revolucionários que mudaram o mundo aos mais pequenos gestos que todos os dias mudam a nossa vida, celebramos sobretudo a criatividade e a liberdade de expressão artística. Arte e Revolução estarão sempre interligadas, como tão bem expressou Einstein: “A Revolução apresentou-me à arte e, por sua vez, a arte apresentou-me à revolução.” A importância das palavras é muita, todos o sabemos, e há palavras mais importantes que outras. Se a palavra água desaparecesse do nosso vocabulário, rapidamente seria substituída por outra, que significasse o mesmo. Mas tal como escreveu George Orwell no seu livro, 1984, se a palavra revolução fosse apagada do nosso vocabulário, seriam precisas décadas para se chegar a outra palavra que tivesse o mesmo significado tão profundo. E há muitas outras palavras com igual importância, como justiça, respeito, liberdade. A crise e a instabilidade global que o mundo atravessa são a ignição para mais movimentos revolucionários e para a mudança que queremos ver acontecer. Mas a maior das (R)evoluções, a que deveríamos almejar antes de tudo, a liberdade e respeito pelo outro, parece cada vez mais ameaçada pelos extremismos radicais, pela intolerância e pela falta de diálogo. Vemos lutas pela aceitação transformarem-se em lutas pela imposição; lutas pela inclusão que se tornam discriminatórias; lutas pela liberdade que mostram uma face tirana e castradora; lutas pela tolerância que gritam intolerância nos megafones... e vemos direitos conquistados ao longo de séculos a serem pisados em prol de causas nobres, que se esquecem de o ser, quando afinal perpetuam a injustiça a que apontam o dedo. É preciso acreditar na mudança e nas revoluções necessárias, sempre. Sem que nunca se percam de vista os valores humanos mais básicos do respeito, da empatia e da liberdade.
© Juankr
Os cínicos podem apontar para um sistema de governos, instituições e tecnologias tão corrompido que as tentativas para o mudar são inúteis. Mas os cínicos não constroem o futuro, costumam usar os seus argumentos preconceituosos para justificar a sua própria inação. Nunca antes precisámos tão desesperadamente do oposto – crentes e otimistas que saibam pensar, empáticos e resilientes num caminho de liderança moral e, sobretudo, humana. Quem realmente se propõe mudar o mundo tem de ter uma curiosidade voraz sobre o mundo e as outras pessoas, vontade de ouvir e ter empatia pela diferença. Essas pessoas destacam-se, não pelos seus diplomas académicos ou pelo tamanho das suas contas bancárias, mas pelo seu caráter, pela sua coragem e resiliência em defenderem aquilo em que acreditam, mesmo quando estão sozinhas.
A verdadeira revolução nasce dentro de nós, e entre nós, para equilibrar as necessidades do indivíduo com as necessidades da comunidade, a necessidade de liberdade com a necessidade de pertença, em moldar e refinar continuamente a mudança social em direção a um mundo mais igualitário e digno. Eu não posso fazer a revolução, só posso ser a revolução. Que ou está no espírito de cada um de nós ou não está em lugar nenhum.
Publicado originalmente no The Revolution Issue, de abril 2023.For the english version, click here.
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