The Voyage Issue | Editorial: junho 2023

“I learned to watch... I learned to wander. I learned what every child needs to know - that no horizon is so far that you cannot get above it or beyond it." - Beryl Markham. 

Photography: Alessandro Esposito.

Se a nossa vida é dominada pela busca da felicidade, então talvez poucas coisas revelem tanto sobre a dinâmica dessa busca quanto as nossas viagens. Mesmo aquelas em que não nos movemos fisicamente, e que só têm o limite da nossa imaginação. Uma verdadeira viagem é, seja de que forma for, uma experiência a que os filósofos gregos chamaram de eudaimonia, ou “florescimento humano.”

O mundo parece-nos injusto, ou muito além da nossa compreensão, mas é na presença de lugares de uma beleza avassaladora que entendemos que não é estranho que as coisas sejam assim. Somos fruto da mesma força que criou os oceanos e esculpiu montanhas. Lugares sublimes levam-nos a reconhecer as nossas limitações, é a imensidão de alguns espaços naturais que nos proporcionam o mais belo e maior respeito por tudo o que nos excede — aceitar o que é maior que nós e o que não entendemos. A nossa vida não é a medida de todas as coisas: existem lugares que nos põem no lugar, e nos relembram da insignificância e fragilidade humana.

Photography: Mara Alonso.

Viajamos para nos perdermos; e viajamos de novo para nos encontrarmos. Viajamos para abrir os nossos corações e os nossos olhos e para aprender mais sobre o mundo, mais do que os jornais ou as redes sociais nos podem trazer. Viajamos para deliciar os sentidos, com cheiros, sabores e cores... Viajamos para trazer o pouco que podemos, na nossa ignorância e conhecimento. E, como alguém disse, na nossa essência, viajamos para nos tornarmos jovens tolos novamente, para desacelerar o tempo.

The Voyage Issue é dedicado à arte de viajar, nas suas mais variadas formas e dimensões. Na redação foi inevitável perguntarmos-nos qual a viagem de sonho de cada um, ainda por realizar. Suponho que haverá sempre uma, por mais rica que seja a experiência de alguém. No meu caso, penso nalguns destinos que estão na minha bucket list, mas, influenciada pela literatura, confesso que vou adiando, precisamente por saber que não vou encontrar os lugares aos quais viajei, num tempo distante deste e numa essência que imagino destruída pela versão moderna e turística desses mesmos lugares, e escolho guardar a memória que criei, ainda que literária. Num livro viajo, não apenas para outros mundos, mas também no tempo, no meu próprio mundo... Mas, na impossibilidade de viajar no tempo, escolheria uma viagem à Anatólia Central, pela paisagem impressionante esculpida pela atividade vulcânica de há milhões de anos e pela magia de uma viagem de balão de ar quente, ao pôr-do-sol, na Capadócia. É sempre curioso ver como são diferentes os lugares e experiências com que sonhamos, e a diversidade é notória nos testemunhos de parte da nossa equipa, como pode descobrir na página 210.

Photography: Armand Dicker.

A verdadeira viagem de descoberta não consiste em procurar uma nova paisagem, mas em ter um novo olhar. Viajamos para poder voltar. Para vermos o lugar de onde viemos com novos olhos e com novas cores. Porque voltar a casa não é o mesmo que nunca sair. Antes de partir para hemisférios distantes, tente perceber o que já, realmente, viu. Às vezes estamos sentados em cima do tesouro, sem o saber. Pouse os “mapas” e deixe-se perder: descubra novos lugares, na sua rua, na sua cidade, no seu país... num livro, ou numa revista. É só deixar-se ir.

E, sem tempo, nem distância, desejo-lhe boas viagens. 

Photography: Bastiaan Woudt.

Publicado originalmente no The Voyage Issue, de junho 2023.For the english version, click here.