Fotografia © Avery Swail
"It is not in the stars to hold our destiny but in ourselves" -William Shakespeare
Não existe Futuro sem Passado.
Sempre que penso nos anos 90, ou em algum momento que ocorreu antes de a maioria de nós estar na Internet e ter telemóveis, parece que foi há cem anos. As cartas chegavam uma vez por dia, previsivelmente, às mãos do carteiro. As notícias chegavam em três formatos – rádio, televisão, imprensa – e em horários determinados.
Ami Duggan para Vogue Portugal
Jamie Nelson
Talvez cada geração reflita sobre como as tecnologias disruptivas do seu tempo estão a destruir a civilização - afinal, Ítalo Calvino lamentava a criação do jornal como uma distração preocupante e um monge Zen do século XII pensava o mesmo em relação aos livros. Mas a verdade é que os efeitos mais subtis das tecnologias de comunicação atuais afetam-nos psicologicamente e ao nível do comportamento – existe uma destruição da própria estrutura do tempo, que comanda a nossa vida quotidiana e o seu ritmo.
O tempo passado tinha ritmo e espaço para que se pudesse fazer uma coisa de cada vez, tinha partes diferentes, as manhãs incluíam isto e as noites aquilo, e muitos de nós tinham esses horários em comum. Podíamos ler enquanto ouvíamos rádio, mas não verificávamos e-mails ao mesmo tempo que se respondiam a mensagens nas redes sociais, ou se viam notificações de sites de notícias enquanto falávamos ao telefone. Os telefones estavam ligados à parede ou, mesmo sem fios, continuavam presos em casa. A qualidade do som era geralmente boa, e as pessoas tinham conversas longas e profundas, de um tipo quase desconhecido hoje, agora que os telefones são usados enquanto se conduz, ou enquanto se faz compras.
As cartas transformaram-se em e-mails e, durante muito tempo, os e-mails tiveram toda a profundidade e complexidade das cartas. Depois, os e-mails deterioraram-se e transformaram-se em algo mais parecido com mensagens de texto… As mensagens de texto, que no início, estavam sujeitas aos limites dos telegramas – a tecnologia de ponta de 1844 – e eram quase igualmente difíceis de enviar. Em breve, as chamadas telefónicas eram feitas principalmente em telemóveis. A comunicação começou a reduzir-se a frases e fragmentos práticos peremptórios, enquanto as subtilezas da ortografia, da gramática e da pontuação foram postas de lado, juntamente com as possibilidades mais líricas e profundas, e demasiadas vezes reduzidas a siglas e emojis. A comunicação entre duas pessoas transformou-se muitas vezes em conversas de grupo: dizer a todos os amigos do Facebook como se sentia e acompanhar a popularidade da sua publicação. As nossas vidas passaram a ter classificações, e o reach da nossa comunicação é agora comandada por um algoritmo.
Akur Chol para Vogue Portugal
Ricardo Abrahao
As tecnologias anteriores expandiram a comunicação, mas não sei até que ponto a última ronda não é a sua contração. Penso na forma como vivíamos antes destas novas tecnologias de rede, como tendo dois pólos: a solidão e a comunhão. A nova conversa coloca-nos algures no meio, amenizando o medo de estar sozinho sem arriscar uma ligação real. Por vezes, sinto-me como se estivesse num mau filme de ficção científica, onde todos somos comandados pela urgência e presença constante do telemóvel e pelas grandes instituições tecnológicas.
Uma inquietação apoderou-se de muitos de nós, uma sensação de que deveríamos estar a fazer outra coisa, independentemente do que estivermos a fazer, ou a fazer pelo menos duas coisas ao mesmo tempo. É uma ansiedade de acompanhar, de não ficar de fora ou ficar para trás. Penso que é por um tempo que já não temos, e que é difícil de imaginar recuperar. A culpa é minha, sem dúvida, mas também é sua - é culpa de todos os que conheço.
É difícil, agora, estar com outra pessoa de forma completa e ininterrupta, e é difícil estar verdadeiramente sozinho. A bela arte de não fazer nada em particular, também conhecida como pensar, ou meditar, ou introspeção, ou simplesmente momentos de ser, fazia parte do que acontecia quando se caminhava, sem telefone, sozinho, ou se olhava pela janela do comboio, ou se contemplava a paisagem, mas as novas tecnologias inundaram estes espaços abertos. O espaço para o pensamento livre é rotineiramente considerado um vazio e preenchido com sons e distrações.
India Tuersely para Vogue Portugal
Jamie Nelson
É um ritmo mais lento que necessita de um manifesto que explique o que os discos de vinil, um bom livro e o pão caseiro têm em comum. Não derrubaremos as corporações através do tricô - mas compreender os prazeres de tricotar, arrancar ervas daninhas ou fazer picles pode articular o valor deste mundo fora da conversa eletrónica e da distração, e dentro de uma noção de tempo mais majestosa. Um tempo, de regresso a nós próprios, com menos tecnologia e algoritmos, e regressar a alguma analogia, ao toque físico que envolva todos os nossos sentidos e nos devolva a humanidade que parecemos estar a perder. No fim do dia, o que virá a seguir, depende apenas de nós.
Nota: esta edição, dedicada ao tema What's Next foi pensada e produzida com a ajuda de ferramentas tecnológicas, mas apenas com inteligência natural, sem artifícios.
Anne Floor para Suplemento de Joias do The What's Next Issue.
Rocío Ramos
Publicado originalmente na edição The What's Next Issue, de Dezembro 2024. For the English version, click here.