Protagonista de uma das capas da edição de abril da Vogue Portugal, Ajak Deng falou sobre o seu percurso de supermodelo, com todos os seus altos e baixos.
Protagonista de uma das capas da edição de abril da Vogue Portugal, Ajak Deng falou sobre o seu percurso de supermodelo, com todos os seus altos e baixos.
Fotografia de Domen & Van de Velde. Styling Julia Müller. Modelo Ajak Deng. Vogue Portugal, abril de 2022
Fotografia de Domen & Van de Velde. Styling Julia Müller. Modelo Ajak Deng. Vogue Portugal, abril de 2022
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Não é a primeira vez que Ajak Deng aparece nas páginas da Vogue Portugal. Em abril de 2019, a modelo sul-sudanesa-australiana foi a protagonista do editorial Estrela Cadente, fotografado por Jamie Nelson. Agora, Deng regressa para uma nova estreia: ser uma das estrelas das capas do The Quote Issue. E, desta vez, não podíamos deixar de falar com a modelo e ativista, cuja história de superação ultrapassa o poder de qualquer imagem.
Comecemos por falar do seu futuro. Já fez um pouco de tudo na indústria da Moda: já esteve na capa de revistas bastante conhecidas, já desfilou para designers de renome, já trabalhou com a Vogue Portugal (duas vezes)… O que quer que sejam os seus próximos passos?
Penso que os meus próximos passos serão para retribuir. Retribuir à comunidade, às pessoas que me ajudaram ao longo da minha carreiras e às jovens que me seguem. Estou neste momento a trabalhar em produtos de Beleza pensados para peles escura, que são produzidos de forma ética para ajudar os produtos que contribuíram para a sua criação.
A última vez que trabalhou com a Vogue Portugal foi para a nossa edição de abril de 2019, e o mundo já mudou bastante desde então. Como sente que foi a sua evolução enquanto profissional da indústria da moda, mas também enquanto pessoa?
Sinto que a pandemia da COVID-19 serviu como catalista para toda a gente envolvida, seja lidares contigo mesma a um nível anterior ou falares de assuntos para os quais passou a haver uma atenção global. Não sinto que ninguém saiu dos últimos dois anos sem mudanças interiores, sejam boas ou más. Pessoalmente, estou mais focada nos meus objetivos do que nunca. O mundo é passageiro e o nosso tempo é curto.
Fotografia de Domen & Van de Velde. Styling Julia Müller. Modelo Ajak Deng. Vogue Portugal, abril de 2022
Fotografia de Domen & Van de Velde. Styling Julia Müller. Modelo Ajak Deng. Vogue Portugal, abril de 2022
No momento presente, a sua história é uma fonte de inspiração para muita gente. Para os que não sabem, nasceu no Sudão do Sul e depois foi para a Austrália depois de viver num campo de refugiados. Pode contar-nos um pouco sobre esse tempo?
Penso que não consigo falar sobre esse período brevemente. Tudo o que conheces é arrancado de ti num período tão curto de tempo. Passei de viver uma infância feliz no Sudão do Sul para ter de viver num campo de refugiados. Estivemos três anos no campo, numa tenda no meio do deserto. A minha mãe faleceu enquanto lá estávamos e tive de ser eu a ajudar a tomar conta dos meus 7 irmãos e irmãs. O falecimento da minha mãe obrigou as autoridades a prestar atenção à situação e porque nos encontrávamos em risco, o processo de imigração foi acelerado e permitiu que entrássemos na Austrália.
A Austrália foi um choque cultural. Sofri muito de bullying e foi difícil integrar-me porque o meu inglês não era tão bom quanto o dos outros. Estava prestes a fazer 11 anos e a ir para a escola no ano em que chegámos. Era a única criança negra na escola e era muito tímida. Demorei 3 anos a habituar-me às coisas - a estudar ou a comer sozinha na cantina. Foi muito difícil.
E hoje é uma das modelos mais conhecidas. Sempre quis trabalhar em Moda?
Não, nunca tinha pensado nisso. Para além disso, na Austrália não havia ninguém parecido como nos anúncios, por isso eu nunca pensei que fosse uma possibilidade. É por isso que a representatividade é tão importante, em todas as indústrias, para que os jovens se sintam inspirados.
Também é a cara de marcas, como a Fenty Beauty, que colocam a diversidade no topo do seu trabalho. Sente que a indústria da Moda é inclusiva?
É assim, eu sempre fui muito vocal quanto às minhas frustrações raciais nesta indústria. Dito isto, sinto que, tanto na frente como atrás das câmara, a inclusão está a tornar-se cada vez mais comum, o que só pode ser algo bom. Recentemente trabalhei com excelentes equipas e fotógrafos negros e é muito bom ser vista pelos olhos deles. Já trabalhei com o Danny Kasirye e ele é brilhante. Também trabalhei com o Rafael Pavarotti e o Ib Kamara para a revista System e meditámos no set antes de começarmos - foi fantástico. Também gostava de trabalhar com o Rasharn Agyemang - algum do seu trabalho é muito bom.
Então o que ainda falta fazer e como usa a sua influência no setor para falar por quem ainda não tem voz?
Penso que toda a gente precisa de chamar à atenção os incidentes de desigualdade. Recentemente, nos Grammy’s, o Virgil Abloh foi homenageado pelo seu papel enquanto “hip hop fashion designer”. Porque raio é que era preciso escrever hip hop nesta situação? Virgil Abloh era um designer e ponto final. Palavras como hip hop ou urbano são tentativas de menosprezar e separar. Mas não são apenas situações como esta que precisam de ser mencionadas. Precisamos de falar sobre coisas como sustentabilidade na cadeira de produção, sourcing ético, pagamento igualitário, a desigualdade entre géneros - a lista continua.
Existe algum marco na sua carreira que pode não parecer importante para as pessoas que a rodeiam, mas que foi muito importante para si?
Honestamente eu tive a sorte de atingir muitos dos meus objetivos no início da minha carreira. Algumas das capas que fiz foram tão fantásticas que nem conseguia acreditar que estavam a acontecer naquela altura. Agora é tempo de levar as coisas para o próximo nível e usar a plataforma que me foi dada para levar a cargo uma mudança positiva.
Mas também existem lados menos bons em ser modelo. Em 2016, decidiu desistir da sua carreira. Poderia partilhar connosco o porquê?
Na verdade houve muitos fatores que contribuíram para isso. Estava infeliz com a minha agência, estava infeliz com a indústria e estavam sempre a dizer-me para me manter calada e não agitar demasiado as águas. Ora, adivinhem? Essa não sou eu - por isso desisti. Agora tenho uma equipa excelente que me compreende e estou a trabalhar com pessoas com as quais quero trabalhar. Sinto-me mais realizada.
E o que a fez querer voltar?
Recebi muito apoio dos meus fãs mais novos nas redes sociais, diziam-me que eu os inspirava e que tinham saudades de me ver - era algo muito bom de ler. E também senti que já era hora. A indústria estava a começar a mudar e a minha situação tinha mudado também. Sentia-me pronta.
A edição de abril de 2022 da Vogue Portugal é sobre quotes. Tem um quote favorito?
Adoro este quote da Marilyn Monroe: “I refuse to compare myself with others and compete to be better than them. My only interest is to be the best I can with the gifts and talent that have been given to me.”
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