Hora pequenina não é algo que sirva para caracterizar a vida da protagonista do novo filme de Almodóvar. Quem tem tempo para 15 minutos de fama quando se está demasiado ocupada a conquistar o cinema para todo o sempre?
Hora Pequenina. É algo que gostaríamos que a pandemia tivesse sido, uma hora pequenina. O confinamento, um passado que continua a pairar no presente, dá o mote para a produção que domina as imagens do editorial seguinte, colocando a atriz Milena Smit num cenário que se tornou, para todos nós, demasiado familiar. Mas hora pequenina não é algo que sirva para caracterizar a vida da protagonista do novo filme de Almodóvar. Quem tem tempo para 15 minutos de fama quando se está demasiado ocupada a conquistar o cinema para todo o sempre?
"Hora pequenina”, essa frase feita para futuras mães que expressa o desejo de um parto pouco prolongado, um título que encaixa aqui em diversas dimensões e não só porque usa uma medida de tempo numa edição a ele dedicada. A mais recente obra de Pedro Almodóvar coloca como protagonistas duas personagens prestes a dar à luz em idades, situação emocional e contextos completamente diferentes mas que, apesar dessas discrepâncias, formam laços empáticos tão fortes como os de uma amizade de longa data. Numa marquesa está Penelope Cruz, essa musa de Pedro que dispensa apresentações. Na outra, Milena Smit, essa coqueluche do cinema espanhol e, provavelmente, muse-in-the-making de Almodóvar, que já a elogiou largamente em público. Não sem fundamento: Smit (de seu nome completo Elisa Milena Smit Márquez), de 25 anos, vê em Madres Paralelas apenas a sua segunda longa-metragem (acumulou algumas curtas pelo caminho) depois de No Matarás (2020), filme pelo qual foi nomeada para um Prémio Goya na categoria de Melhor Atriz Revelação. Não ganhou, mas também não precisa dele para marcar com assertividade um caminho que se avizinha longo e com sucesso.
Os galardões são parcos quando o seu talento se manifesta de forma inata: “A primeira vez que vi Milena foi no ecrã do computador de Eva e Yolanda, as minhas diretoras de casting”, começa por escrever Pedro Almodóver num artigo para a Vogue Espanha. “Aparecia vestida de negro total e visual muito oversize. O cabelo comprido, tão escuro quanto a camisola e calças. O rosto limpo. Era a imagem de uma rapariga amorfa, sem formas, mas no momento em que abriu a boca, tudo mudou. Era indiferente como estava vestida, esses olhos de garça, tão peculiares, emocionaram-se de imediato, iluminando um rosto inocente e com mágoa.” No texto, aplaude a sua maturidade, uma de alguém que já viveu muito, apesar da tenra idade. Diz ainda que tem mil mulheres dentro dela. Talvez por isso fale da dualidade de Milena, a que usa fato de treino numa audição e a que domina uma passadeira vermelha em Givenchy. Mas, assegura(mos), é arrebatadora em ambos, uma característica transversal à sua representação. Poder-se-ia dizer que a hora de Milena é agora, mas a sensação que perdura no tempo é que o agora de Smit se prolongará pelo futuro.
A sua carreira no cinema começou em grande – foi nomeada ao Prémio Goya de Melhor Atriz Revelação em No Matarás e a sua segunda longa-metragem é de Pedro Almodóvar, contracenando com Penélope Cruz. Quanto tempo demorou este caminho – sente que foi moroso ou muito rápido?
Foi só há dois anos que terminei as filmagens de No Matarás e apenas um desde que o filme foi lançado, a partir daí tudo foi muito rápido, eu ainda estava a promover No Matarás quando comecei a fazer testes para Madres Paralelas. Às vezes, olho para trás e parece impossível que tenha passado tão pouco tempo. É uma jornada muito gratificante profissionalmente, mas às vezes um pouco complicada a nível pessoal. Tive de aprender a adaptar-me a uma agenda e a um ritmo de trabalho loucos e não deixar que isso me dominasse. Digo sempre que é muito fácil enlouquecer quando coisas deste género acontecem, mas tens de aprender a cuidar de ti própria e das pessoas que te rodeiam que te amam e te mantêm com os pés no chão.
Como aconteceu o convite? E o que sentiu quando recebeu a chamada? Foi como se o tempo parasse?
Quando comecei a fazer a audição para o filme, nem sabia qual era o projeto, não tínhamos nenhuma informação, foi só na última chamada que descobri que era o próximo filme do Pedro Almodóvar. Lembro-me de pensar que estavam a tentar ludibriar-me, era impossível imaginar que este projeto pudesse surgir quando estava apenas a começar.
Quanto tempo demorou, em castings, até conseguir o papel em Madres Paralelas?
Comecei a fazer audições durante a promoção de No Matarás, se bem me lembro, em outubro de 2020; no início de novembro fiquei com o papel, depois de quatro castings com as diretoras de casting, Eva e Yolanda, e alguns ensaios com Pedro e Penélope, no seu escritório, El Deseo. Daí para a frente, ensaiámos ao longo de cerca de quatro meses até ao início das filmagens, que duraram mais dois meses e meio.
Madres Paralelas mostra uma versão menos polida da maternidade. Acha que esse é um dos pontos fortes do filme?
Sem dúvida, em Madres Paralelas podemos ver algumas mães imperfeitas, como o Pedro sempre as descreve. É muito interessante para mim não ver o modelo típico de mãe exemplar porque, desta forma, aproximamo-nos da realidade, ninguém é perfeito. Acho que uma das mensagens mais importantes e sinceras deste filme é a empatia que cada personagem demonstra e que faz com que o público compreenda as boas ou más decisões que tomam.
Qual é a sua cena favorita?
O nascimento foi uma cena de que gostei muito, foi também o primeiro dia de filmagens, por isso, simbolicamente, estava a dar à luz tudo o que tinha trabalhado ao longo de tantos meses, trazendo-o finalmente à vida a partir daquele momento.
Há uma expressão em português que se deseja às mulheres que estão grávidas, que é “uma hora pequenina”, e que significa desejar que o parto seja rápido. Quanto tempo passa a trabalhar numa personagem antes que esteja pronta para “nascer”? E como se preparou para a sua personagem Ana, em Madres Paralelas, como a imaginou, depois de ler o argumento?
O Pedro foi muito generoso connosco, dando-nos imenso tempo para as personagens se desenvolverem e estarem prontas para nascer no set, é um verdadeiro ato de respeito pelo ator. Todos os dias eu voltava para casa e continuava a trabalhar arduamente para estar pronta para o dia seguinte. Sempre imaginei a Ana como uma menina muito doce e inocente e acho que essas qualidades ficaram com ela no filme. Ternura pura. Identifica-se de alguma forma com a personagem? De que forma? Para mim, a Ana reflete uma parte da minha vida que saltei porque queria sentir-me mais velha, de certo modo sou capaz de reconciliar-me com isso a um nível pessoal graças a ela.
“Ela tem uma inteligência emocional e uma sinceridade que não se aprendem em nenhuma escola”, disse Almodóvar sobre o seu desempenho. Acha que esta é uma avaliação justa sobre o modo como aborda a interpretação?
Trabalho sempre com as personagens a partir da intuição e da energia que me provocam, e quase sempre é a certa. Na minha vida pessoal, procuro muito aprender e desenvolver a minha inteligência emocional e isso é sempre um ponto positivo que procuro para adicionar às personagens.
E acha que muito da representação vem de dentro e não das escolas? Ou é um pouco dos dois?
É claro que a formação te dá as ferramentas, mas colocares os teus sentimentos para fora, usares as tuas experiências, etc., ajuda-te a tornar uma personagem real, a trazê-la à vida.
Esta é a sua segunda longa-metragem. O que aprendeu com Penélope Cruz e com Pedro Almodóvar que levará para os seus próximos projetos e para a vida?
Acho que aprendi a mesma coisa com os dois: abordar o trabalho com seriedade e paixão e entregar-me totalmente ao momento. É sem dúvida a melhor lição que poderia ter aprendido agora que estou a começar.
Esta produção para a Vogue também se centrou no tempo em que ficámos em casa, durante a quarentena, por causa da pandemia, e aborda todas as incertezas dos últimos dois anos. O que fez enquanto estava confinada e o que a ajudou a lidar com todas essas incertezas?
Uma das coisas que mais me ajudou a superar o confinamento foi fazer um estudo sobre a ansiedade e outros transtornos que podem surgir em situações deste género, e também em termos mais gerais. Conversei com três psicólogos e um estudante de psicologia e depois fiz um live no Instagram, com todas as informações que reuni, tentando ser um pouco uma porta-voz para tentar ajudar, quem precisava, a lidar melhor com a situação.
Em Portugal, a quarentena mostrou o quanto dependemos da cultura – filmes, livros, música – para nos ajudar a relaxar e passar momentos de qualidade, por exemplo. O que espera que esta quarentena tenha contribuído, culturalmente?
A valorizar a cultura, dar-lhe a importância que merece e, claro, o seu lugar. Tem contribuído e tem sido o apoio de muitos nos dias difíceis e nos tempos mortos, e isso não deve ser esquecido.
Esta edição é dedicada ao tempo. Gostaria de ter mais tempo para…
Estar com as pessoas que amo, sem dúvida.
Quanto tempo demora, de manhã, a preparar-se para o seu dia?
Tenho dificuldade em levantar-me e adoro ficar na cama quando já estou acordada. Mas muitas vezes estou a trabalhar e, quando estou a filmar, levanto-me muito cedo e acabo por me habituar. Depende do período da vida em que estou.
Acabe esta frase: “Está na hora de…”
Nos valorizarmos a nós próprios, de cuidarmos uns dos outros e de tomar as rédeas da nossa própria vida, sempre desfrutando do presente. É o único momento verdadeiro.
Ficha técnica:
Direção criativa de Axel Heilenkötter e Mara Chiappara. Fotografia de Assiah Alcázar. Styling de Axel Heilenkötter. Cabelos: Pol Guarné. Maquilhagem: Rebeca Trillocom produtos Givenchy Beauty. Set design: Mara Chiappara. Assistente de fotografia: Francisco Úbeda Llorente. Assistente de styling: Gerri Kimber. Assistente de set design: Patricio Mendez.
Publicado originalmente no Time issue da Vogue Portugal, de dezembro/janeiro 2021-22.