De pequenino... se chega a Locarno. Pedro Cabeleira discute, em entrevista à Vogue.pt, os maiores desafios de Verão Danado, a sua primeira longa-metragem que terá honras de estreia no renomado festival suíço.
De pequenino... se chega a Locarno. Pedro Cabeleira discute, em entrevista à Vogue.pt, os maiores desafios de Verão Danado, a sua primeira longa-metragem que terá honras de estreia no renomado festival suíço.
Quem acha que a Arte não pode nascer da bondade, camaradagem e talento puro é porque não conhece a história de Pedro Cabeleira e do seu incrível Verão Danado.
Tudo começou em 2014, acabadinho de sair da escola de cinema e com uma fome insaciável de se fazer realizador. Segue-se o desenrolar do incontrolável génio criativo, dos favores, das bondades e das simpatias, do esticar da corda até limites que até então não se conheciam. A materialização suprema dessas ganas adolescentes surge em 2017, e o esforço, entrega e talento levaram a primeira longa-metragem de Cabeleira aos holofotes do Festival de Locarno.
Prestes a embarcar para o renomado festival suíço, o realizador português discute com a Vogue.pt o entusiasmo de ser selecionado para o certame, mas exalta, sobretudo, a importância de se fazer Cinema em Portugal – que é, afinal, a vitória mais importante de todas.
Com o dedo bem firme na tua pulsação, conta-nos tudo: como foi receber a notícia de que a tua longa-metragem tinha sido selecionada para competir num dos festivais de cinema mais emblemáticos da Europa?
Foi com um misto de alegria e alívio por finalmente ter um espaço para estrear o filme. Sabia que o filme tinha dado um passo importante porque a partir de agora havia um pretexto para se falar nele e para, acima de tudo, poder começar a difundi-lo. Mas acima de tudo devemos manter os pés na terra: este tipo de coisas... vale o que vale. É um festival grande e é prestigiante ter lá o filme, mas não é isso que torna o filme pior ou melhor. O que vai verdadeiramente definir as metas do filme é a forma como ele será recebido cá e noutros sítios do mundo, nomeadamente em quantas salas passa e quantas pessoas o vão querer ver em grande. Locarno talvez possa ajudar nisso, mas não é suficiente.
Se tivesses de fazer um pitch do teu filme a alguém que nunca ouviu falar dele, como convencerias essa pessoa a vê-lo?
Prepara-te para viajares numa longa festa de duas horas. Vais amar e odiar pessoas novas, e vais ter oportunidade de experimentar coisas novas; e se já as experimentaste não tem mal, vais certamente divertir-te outra vez.
Retratas no teu filme uma juventude "perdida" cuja real verdade raramente vemos no ecrã. O que te levou a fazê-lo foi um processo natural apenas – as tuas vivências e o que significaram para ti – ou algo mais?
O que aparece no filme é uma ficção. Claro que tem como base coisas que eu passei ou que vi a acontecerem, outras coisas que me contaram, outras coisas que iam surgindo durante as filmagens e que nos fazia sentido tendo em conta os personagens e contextos. Nunca houve uma intenção de o filme ser sobre uma juventude "perdida", no fundo queríamos experimentar coisas e métodos. O que acabou por tornar o filme numa espécie de retrato está relacionado com o facto de todas as pessoas que entraram no filme serem jovens também e o próprio filme se dedicar a personagens dessa idade no contexto em que vivíamos, neste caso, o ano de 2014. Não se pensava em estar a representar uma geração, queríamos divertir-nos a fazer o filme, encontrar situações com piada, momentos que tivessem força cinematográfica, trejeitos reais, e passar experiências que seriam apenas naqueles contextos específicos, claro que a questão geracional é automaticamente associada por sermos tão novos e por termos quase todos a mesma idade. Mas, no fundo, aquilo que nos movia era fazer o melhor filme dentro das condições que tínhamos.
Já falaste em algumas instâncias sobre a produção difícil e com muitos apoios que tiveste, mas para os jovens como tu, acabados de sair da escola de Cinema e que se veem sem saídas... como é que em Portugal se faz uma produção desta qualidade... virtualmente sem qualquer orçamento?
O caso do "Verão Danado" resultou por se tratar duma coisa muito específica. Eu não acho que seja saudável fazerem-se filmes sem dinheiro,mas a verdade é que também não havia outra maneira de o fazer, e é claro que recomendo qualquer jovem a tentar fazer um filme seu também. É um processo de aprendizagem enorme e dá certamente estaleca para outras coisas no futuro. Mas a verdade é que tem de se perceber sempre bem o contexto que nos rodeia, no caso deste filme aconteceu porque eu tinha acabado a escola e andava sem sustento, então foi mais fácil conseguir que me ajudassem sem dinheiro e acreditassem em mim, nem que fosse para me darem uma oportunidade de falhar. Se fosse hoje não conseguia ter feito o filme, mas na altura era possível reunir essas condições, o material veio da Escola de Cinema que me cedeu gentilmente, tal como a câmara que o meu grande amigo Vasco Esteves me emprestou sem nunca me pedir nada em troca, ou todos os atores que se esforçaram e sem nunca receber um tostão deram o máximo para se excederem a si mesmos, ou a uma equipa composta por jovens recém-licenciados e outros ainda a acabar o curso que se disponibilizaram para perder noites a filmar esta loucura, ou a outras produtoras que me iam ajudando com material, ao Rodrigo da Around Meridian e ao Cunha Telles por me terem deixado estar nos estúdios deles a fazer dobragens, claro que não há uma maneira de se fazerem as coisas, isto aconteceu por sorte e pela boa vontade de toda a gente. E a verdade é que também só consegui acabar o filme porque tive este ano um apoio do ICA para finalização e que me permitiu acabar as coisas de uma forma profissional.
A estética do Verão Danado é muito peculiar e experimenta por vezes com técnicas que não vemos assim tão regularmente em cinema português. Tiveste inspirações específicas ou limitaste-te a seguir o instinto?
Para este filme não procurei referências específicas, e, na realidade, tentei desligar-me de quase tudo o que sabia e procurei filmar com um olhar mais virgem, também muito apoiado na intuição da Leonor, que fazia câmara do filme. Mas no fundo queria filmar coisas sem base, queria filmar quase como um amador. O filme é muito sobre o momento e isso tinha que estar presente tanto à frente como atrás da câmara. Além de que para mim enquanto realizador era um desafio que me queria propor, filmar mais por instinto, sem vícios, sem nada, e perceber o que é que me puxava mais na hora sem pensar muito sobre isso. É importante trabalharmos este nosso lado mais orgânico para depois podermos avançar com coisas mais planificadas.
Falaste na Leonor Teles (Balada de um Batráquio) que trabalhou neste projeto como a tua Diretora de Fotografia. Como surgiu esta oportunidade?
A Leonor era da minha turma na ESTC (Escola Superior de Teatro e Cinema) e já era a minha DoP nos tempos de escola e se tudo correr bem, continuará a ser durante muito mais anos. É uma pessoa que entende quase sem precisarmos de falar aquilo que eu gosto de ver e é uma química que é difícil de ter com outra pessoa, eu já conheço a Leonor desde os 18 anos e crescemos juntos na escola, e existe esta química que foi uma coisa que se foi construindo ao longo dos anos, tanto que agora para mim é difícil confiar noutra pessoa para fazer a imagem dos meus filmes.
Verão Danado é um filme que vive da sofreguidão febril com que vivemos a juventude – particularmente quando ainda não nos definimos como adultos. Evidentemente esta noção e vivência acompanhou todo o teu processo criativo, mas pensas que, no decorrer de toda a experiência acabaste, finalmente, por transitar para o outro lado da "calmaria fingida" da idade adulta?
Não diria "calmaria fingida" da idade adulta, mas já estou numa frase diferente da do "Verão Danado". Na altura do filme estava com muito menos estabilidade do que agora, tudo era uma incerteza, a única coisa que me agarrava era o gesto de ter aquele filme feito. Hoje já tenho outras metas, existem mais coisas pelas quais sou responsável e a noção de perspetivas é menos difusa do que na altura. Obviamente que esta área é sempre uma incerteza e nada me garante que continuarei estável no próximo ano. De qualquer das formas não continuo tão "danado" como na altura do filme, também sou um pouco mais velho e o próprio filme em si ajudou-me a amadurecer imenso.
Conta-nos uma coisa sobre ti completamente aleatória que ainda não saibamos.
A ida à Suíça vai ser apenas a segunda vez que vou andar de avião. A primeira foi quando tinha 15 anos e fui jogar futebol aos Açores no Campeonato Nacional na altura pelo CADE.
E próximos projetos? Já estão no horizonte? Estamos curiosos!
Existe um filme que gostava de fazer no Entroncamento, no entanto neste caso só vou mesmo conseguir avançar caso arranje financiamento para o fazer...Verão Danado de Pedro Cabeleira será exibido como parte da secção Concorso Cineasti del presente no Festival de Cinema de Locarno nos dias 4,5 e 6 de agosto. Em Portugal a distribuição do filme estará a cargo da Filmin Portugal.
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