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Desapego

09 Jan 2019
By Catarina Parkinson

É curioso que, na alimentação, o açúcar possa trazer uns quilos a mais, mas, na cosmética, leva umas células que estão a mais na pele. Estamos a falar da esfoliação, o gesto de Beleza que o ingrediente‐maravilha nos permite fazer tão bem.

É curioso que, na alimentação, o açúcar possa trazer uns quilos a mais, mas, na cosmética, leva umas células que estão a mais na pele. Estamos a falar da esfoliação, o gesto de Beleza que o ingrediente‐maravilha nos permite fazer tão bem. 

© iStock
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Sabe quando dá a primeira dentada num coscorão e fica com aquele resto de açúcar delicioso no canto da boca? Se calhar antes de o comer, pode aproveitar e fazer uma esfoliação à pele. Ok esta ideia pode parecer rebuscada mas sabia que muitas das substâncias usadas para fazer esfoliações têm como ingrediente‐chave não só o açúcar (aquele que estamos habituados a usar nos bolos) como também ácidos hidroxiácidos que não são mais que açúcares da fruta? Agora sempre que comer uma fatia de bolo‐rei imagine o que é que toda aquela fruta cristalizada que o decora pode fazer pela sua pele. 

Se tem a cabeça demasiado ocupada com a ideia de que podia estar neste momento a comer um coscorão ou uma fatia de bolo‐rei nós ajudamos, explicando o que é, afinal, a esfoliação e principalmente porque é que ela é tão importante para a nossa pele. “Quando falamos em esfoliação, quer dizer que estamos a tentar fazer com que haja uma desagregação da camada mais superficial da pele que é a camada das células mortas a que chamamos de camada córnea. Quando a pele vai progredindo, evolui da base para a superfície onde fica compactada numa camada de células que já são células mortas. Estas já não recebem nutrientes e provocam aquilo a que nós chamamos pele espessa, que é muito fácil de identificar por exemplo nos calcanhares ou cotovelos”, diz-nos a dermatologista Leonor Girão. Basicamente queremos ser como as cobras e renovar a pele para ficar com uma tez mais suave, elástica e luminosa. Para este processo podemos optar por uma esfoliação mecânica ou uma esfoliação química e a grande diferença entre uma e outra é simples: a primeira exige um ingrediente granuloso para, através da fricção, eliminar as células mortas e a segunda é feita através de substâncias químicas que degradam uma espécie de cola que une as células mortas, fazendo com que estas descamem por si (é o que se chama peeling). 

As palavras químico ou ácido assustam sempre um bocado, principalmente quando estamos a pensar na nossa pele, mas a verdade é que um esfoliante mecânico (com partículas que fazem o ato de esfoliar através da fricção) às vezes pode ser mais abrasivo e nocivo. Podemos estar tão entusiasmadas com os possíveis resultados ou tão frustradas com o estado atual da pele que nos deixamos levar no ato de aplicar (e literalmente esfregar) o produto na pele, quase como se estivéssemos a tentar polir a travessa de prata que serve o peru de Natal. Se ao menos fosse assim tão simples eliminar manchas ou imperfeições da pele. Em muitos casos, acaba por ser pior a emenda que o soneto e a tez reage de forma negativa. Fica irritada e pode entrar num ciclo desregulado para tentar combater algo que identifica como uma agressão.

Antigamente, muitos esfoliantes usavam microbolinhas de plástico para a função de fricção. Entretanto, estas foram banidas da indústria de cosméticos por poluírem o ambiente e ainda bem porque também não eram particularmente boas para a pele. Provocavam frequentemente rasgões microscópicos na derme e removiam por completo a hidratação natural. Se optar por esfoliantes mecânicos, escolha sempre um produto que use o açúcar como agente de esfoliação. É um ingrediente que tanto esfolia como hidrata a pele porque, como esclarece Leonor Girão, as suas partículas têm tendência a dissolver-se quando em contacto com o calor da temperatura do corpo. 

Voltando à revelação de que ácidos hidroxiácidos não são mais do que açúcares derivados da fruta, é necessário explicar que existe um mundo inteiro de ácidos à nossa disposição. Dentro dos ácidos hidroxiácidos, existem os alfa-hidroxiácidos e os beta-hidroxiácidos e a principal diferença entre eles é que os alfa são solúveis em água (por isso penetram a uma menor profundidade) e os beta em óleo (sendo mais indicados para peles oleosas). Leonor Girão explica ainda que a profundidade da esfoliação também pode ser maior ou menor consoante os tipos de ácidos e as concentrações utilizadas. Alguns dos mais populares destas duas famílias são o ácido glicólico, o ácido lático, o ácido cítrico e o ácido salicílico. 

Sempre que sentir que a pele acordou tão nublada (baça e sem vida) como o dia que está lá fora, não avance imediatamente para uma máscara de luminosidade ou um booster de vitamina C porque a grande vantagem do esfoliante químico é que ele “abre caminho” para todos os produtos que aplicar de seguida. Ao eliminar a camada de células mortas, eles vão conseguir penetrar em maior profundidade na derme e ter resultados mais eficazes. Outro grande trunfo deste tipo de esfoliantes é que muitos dos produtos de beleza que usamos no dia a dia já são formulados com estes ingredientes, tornando a incorporação deste gesto na nossa rotina ainda mais fácil. Em pequenas doses praticamente toleradas por todo o tipo de peles, é possível encontrar séruns, loções de limpeza e até cremes com estes ácidos, perfeitos para fazer uma esfoliação ligeira de forma consistente e gradual sem agredir a pele. Claro que pode sempre optar por uma abordagem mais eficaz se a pele precisar. Se tiver cicatrizes de acne acentuadas ou manchas de pigmentação muito pronunciadas, pode optar por um tratamento de peeling químico que deverá ser sempre feito com o aconselhamento de um dermatologista. Só um especialista é que consegue fazer uma avaliação correta das limitações da pele e da “potência” adequada do peeling. 

Um procedimento como este pode mudar por completo a textura e a aparência da pele, revelando a tão cobiçada pele de bebé. No fim das contas, percebemos que tão importante quanto alimentar a pele com ingredientes que melhoram a sua aparência e que ajudam ao seu bom funcionamento, é ajudá-la a livrar-se do que está a mais e principalmente impede que ela atinja o seu potencial máximo. Já sabíamos que o açúcar era bom, só não sabíamos que era tanto. 

 

* Artigo originalmente publicado na edição de dezembro de 2018 da Vogue Portugal.

Catarina Parkinson By Catarina Parkinson

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