Desfile: Moschino outono/inverno 2014. Fotografia: iStock; Spotlight Launchmetrics. Artwork: João Oliveira.
Porque rir é o melhor remédio, a Moda surge como uma dose de serotonina que encapsula o guarda-roupa e comanda o caminho para a felicidade.
Num turbilhão de emoções, entre figuras de autoridade que ditam o rumo dos nossos guarda-roupas, a Moda é uma forma de escape aos ambientes distópicos que nos rodeiam — e é com os olhos postos nas passerelles que, escondidos pelos cortes e costuras, encontramos pequenos pedaços de felicidade. Repleta de personalidades ecléticas e munida de um espírito que recusa a conformidade, a Moda é a reflexão do génio artístico de designers e diretores criativos capazes de nos apaixonar, empoderar e, acima de tudo, abstrair. Apesar disso, numa série de desventuras que se regem pela ânsia de conquistar um lugar à mesa dos crescidos, a indústria tende a trocar a sua leveza escapista em prol de uma sobriedade comercial. Tabus à parte (e porque rir é um meio terapêutico), na Moda, o humor tece-se entre silhuetas disruptivas e padrões caleidoscópicos, e assume-se naturalmente diferente da comédia. A verdade é que uma boa gargalhada pode ser considerada uma ferramenta sustentável no que toca ao consumismo, e há uma certa leveza associada a criações pensadas para não serem levadas demasiado a sério. Quando compramos uma peça divertida, olhamos para esta como uma autêntica obra de arte, tornando-a imprescindível e desafiando a sua longevidade. Com um sentido de humor perspicaz e visualmente barulhento, a Moda divertida transporta-nos para o epicentro da brincadeira com uma energia inspirada no maximalismo e idealismo utópico que persiste entre conflitos mundiais. No entanto, embora a inclinação óbvia passe por apelidar este tipo de criações como kitsch, estranhas ou invariavelmente camp, a ironia é que os sorrisos e gargalhadas são agora essenciais ao sucesso de uma das principais indústrias à face da Terra. De mensagens subvertidas a conjugações exageradas, nos principais palcos da Moda, há um designer para cada tipo de humor, cujas conjugações honram clichês e denotam trocadilhos que nos inspiram a respirar fundo e seguir em frente de forma leviana.
A picardia entre a Moda e o humor teve origem na época moderna da história da Arte, quando Marcel Duchamp e o movimento dadaísta destruíram todos os valores estéticos até então estabelecidos, com o objetivo de questionar os pressupostos tradicionais associados ao significado e papel do processo criativo. Foi através dos seus descendentes, os artistas pertencentes ao surrealismo, que o humor chegou à Moda, através das criações de Elsa Schiaparelli, durante o final dos anos 30 e início da década de 40 do século XX. A designer, cuja obra e legado desafiam os ideais da beleza no vestuário, imaginou peças que destacavam o diálogo entre a Moda e a Arte — como o icónico vestido de lagosta, popularizado por Wallis Simpson, Duquesa de Windsor —, numa época de desespero social, com a missão de cultivar beleza e alegria no quotidiano. Com um percurso construído entre revoluções estéticas, a brincadeira tornou-se um símbolo comum na linguagem tecida pelas criações contemporâneas que brilham dentro e fora das passerelles. Este “ar de graça” é agora mais do que uma mera estratégia para cativar atenções, é um gene essencial no ADN de algumas das principais casas de Moda.
Com uma irreverência criativa que faz jus a um sentido de humor extravagante, Jeremy Scott fez da Moda o seu parque de diversões durante a sua passagem pelo leme da Moschino, entre 2013 e 2023. Durante o apogeu da casa italiana, o criador apresentou propostas divertidas e coleções temáticas através de desfiles lúdicos e coloridos que relembram que a Moda é mais do que uma apática entidade de guarda-roupa. A abordagem de Franco Moschino, fundador da casa, ao humor no vestuário seguia normas mais tradicionais e práticas — como evidenciado num fato vermelho, apresentado durante a coleção de primavera/verão 1991, onde se podia ler “waist of money” (um trocadilho sonoro entre os conceitos de cintura e desperdício de dinheiro). Scott pegou no carisma convencional da Moschino e atualizou-o para o século XXI, elevando-o a níveis sem precedentes. Entre propostas inspiradas em cadeias de fast-food (como a sua coleção de estreia para a casa, durante a temporada de outono/inverno 2014), no mítico mundo encantado da Barbie (primavera/verão 2015) ou no icónico ditado de pastelaria de Marie Antoinette (outono/inverno 2020), o estilo extravagante e satírico do designer captou a atenção do público durante uma década, numa ode à imaginação e aos limites da criatividade. Com a saída de Scott e a entrada de Adrian Appiolaza, o humor da Moschino tornou-se mais sofisticado, e as suas criações provocam agora o público de uma forma mais nítida e astuta.
Nos últimos anos, a Moda não só entrou na brincadeira, como foi a principal interlocutora na interação entre a diversão e o vestuário. Entre peças lúdicas que aludem a memes da cultura pop (como as t-shirts de Victoria Beckham, onde se podem ler frases como “My Dad Had A Rolls-Royce” ou “Fashion Stole My Smile”, em referência a momentos virais da designer) e a ousadia de acessórios cujo conceito vai além da inspiração e assume proporções literais, o prognóstico é claro: numa altura em que parece que tudo já foi feito, a leveza e a ironia perspicaz surgem como os conceitos de ordem no que à Moda diz respeito. Jonathan Anderson, o designer encarregue da Loewe e marca epónima, tem usado o seu sentido de humor para dar vida a peças divertidas e lúdicas, como as mais recentes carteiras da JW Anderson em formato de pombo, ouriço e fatia de bolo Victoria Sponge ou a carteira em forma de tomate da casa espanhola que surgiu após um tweet (iykyk), além dos charms excêntricos que parecem adornar cada centímetro das carteiras da marca que acompanham o nosso dia a dia. Já no vestuário, Anderson tem criado propostas com silhuetas carismáticas e uma energia que prioriza a felicidade; como visto, por exemplo, nas coleções da Loewe para a temporada de outono/inverno 2023, inspirada pelos looks característicos de proporções ousadas da Polly Pocket, e para o outono/inverno 2024, cujas peças uniram a brincadeira ao mundo natural através de vestidos em padrões com diversos vegetais e uma carteira feita de espargos.
Numa ode ao estranho e ao misterioso mundo que construímos no nosso escape imaginário, o humor na Moda tornou-se um meio de reflexão que questiona o papel atual do vestuário. Aliadas a uma criatividade sem limites (e precedentes) e a uma audácia singular, as peças lúdicas são mais do que meros momentos de exibicionismo, funcionam como uma dose de serotonina e brincam com o absurdo da complexidade da vida contemporânea, sem descurar o potencial artístico de se tornarem verdadeiros clássicos de guarda-roupa — pensados para mais tarde sorrir e recordar.
Originalmente publicado na edição The Pursuit of Happiness, de março de 2025, da Vogue Portugal, disponível aqui.
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