O JOMO é o novo FOMO. Rejeitar um convite e ficar em casa a uma sexta-feira à noite nunca soube tão bem.
Descarregámos o Instagram, passou um segundo e todos fomos diagnosticados com FOMO. Felizmente, o self-care decidiu intervir e, ao FOMO, respondemos com uma dose de JOMO, planos cancelados e uma espécie de fusão perfeita entre amor-próprio e vontade de cair na cama.
Julia Roberts em Pretty Woman © IMDB
Mentimos. Quer dizer, mais ou menos. O Instagram e as redes sociais no geral não tiveram nada a ver com a invenção do FOMO e não foi bem no momento em que ficámos obcecados pela instalife que desenvolvemos esse tão pavoroso fear of missing out. Na verdade, o FOMO enquanto conceito foi inventado muito antes, quando ainda ninguém seria capaz de prever que duas pancadinhas de um polegar num ecrã tátil pudessem fazer tanta mossa na autoestima. Era o ano 1996, imagine-se, e Dan Herman, um marketing strategist entretanto especialista em comportamento humano, começou a aperceber-se que, perante uma infinidade de escolhas sociais possíveis, surgia nas pessoas uma estranha sensação de medo perante a eventualidade de ficar de fora, de perder qualquer coisa, um evento, uma novidade bombástica, e de falhar enquanto ser social, tudo porque não temos o dom da omnipresença e somos obrigados a ter de escolher entre compromissos sem-fim. Os anos foram passando, Dan aprimorou o conceito e em 2000 decidiu apresentar o FOMO ao mundo, com um artigo publicado na revista científica Journal of Brand Managment. Só que foi preciso o empurrão da social media para o FOMO se tornar, vá, viral — no sentido digital e de vírus que se propaga.
Já tínhamos chegado a 2012 quando começaram a surgir os primeiros estudos que recuperavam o conceito e o aplicavam às redes sociais e, voilà, com o incentivo da comunicação social, o FOMO nunca mais recuperaria da fama de maior praga da era digital. E que praga se a social media nos deixou incapacitados de jantar sem fazer scroll no feed para ver o que é que Ariana Grande ou Dona Dolores estão a fazer, não vão elas estar ocupadas com qualquer coisa incrível e isso nos passe ao lado. O psicoterapeuta Pedro Martins explica-o com uma noção de vida enquanto corrida para ver quem se diverte mais — porque é essa possibilidade, não estarmos a aproveitar a vida tanto quanto os outros, que nos causa a ansiedade associada ao FOMO. Mas alguém por aí tem uma fita métrica para medir o divertimento alheio? “É uma coisa subjetiva”, diz o psicoterapeuta. “Apesar de eu me estar a divertir bastante, posso sempre achar que os outros se divertem mais, tal como posso achar que são mais bonitos, mais interessantes, mais inteligentes. Estamos a falar de amor-próprio e, quando não confio muito em mim, no meu valor, não confio nas minhas escolhas pessoais.” E acabamos todos a achar que temos de confiar nas escolhas dos outros, de corresponder às suas expectativas (ou às expectativas que achamos que têm em relação a nós) e que somos obrigados a estar em todo o lado, a sair todas as sextas-feiras e a ir ao brunch aos domingos, porque senão: “Estás a viver debaixo de uma pedra, ou quê?” As pessoas, os amigos, os conhecidos, a família, não nos deixam estar sozinhos, porque isso é sinal de que algo de errado se passa, de que estamos depressivos ou de que temos problemas de socialização. E nós não deixamos que as pessoas, os amigos, os conhecidos, a família, nos deixem sozinhos, porque senão parece que eles têm razão. E lá vamos nós sem vontade nenhuma àquele almoço, onde se sentam à mesa pessoas que nos irritam, pessoas que nos fazem perguntas inconvenientes e que nos forçam a sorrir quando queríamos estar só a ver 11 episódios seguidos de uma série qualquer. Ou então dizemos que sim até à última, “claro que vou”, e na iminência cancelamos os planos, inventamos desculpas e toda a gente tem de perceber, porque nós até tentámos. Tentámos tanto, oh se tentámos. Mas não podíamos simplesmente dizer “não me apetece”, desde o início? Não seria essa uma justificação suficientemente aceitável?
“Trata-se de uma libertação. Agora sou livre, não tenho que estar em todas, posso sair, excluir-me por opção própria. Esta liberdade permite desfrutar das coisas"
Numa troca de emails sobre isto com colegas que também são amigas, uma delas respondia-me com outra pergunta: “Será que os teus amigos aceitarão bem o facto de estares feliz, ou bem, ou até ok se não quiseres ir? Eu ia ficar lixada. Tens de fingir que estás chateada ou triste ou inventar desculpas quando na verdade tens pequenos orgasmos mentais quando dizes que não? Eu invento bué desculpas, tipo sempre.” Outra respondia-nos às duas: “Eu invento desculpas for life, sou doutorada nisso, mas depois sinto-me ridícula e mal e, de todas as vezes em que fui sincera, correu bem melhor. A verdade é que, se alguém me diz que não quer ir porque não está bem ou porque não lhe apetece, eu aceito. O meu namorado é o rei de dizer “não me apetece” sem sentir qualquer mal-estar com isso. Eu respondi-lhe com um “goals” e uma terceira amiga, aparentemente num estádio avançado de paz consigo própria, respondeu-nos a todas: “Demorei muito tempo a conseguir dizer que não sem inventar desculpas. Ainda hoje [era sexta-feira] disse simplesmente que não podia, não dei justificação nenhuma. Com algumas amigas mais chegadas, digo sem problemas que não me apetece, mas em geral digo apenas que não posso ou então tento ser minimamente honesta e digo que estou cansada e quero ir para casa.” E a isto chama-se JOMO.
“Trata-se de uma libertação. Agora sou livre, não tenho que estar em todas, posso sair, excluir-me por opção própria. Esta liberdade permite desfrutar das coisas, ora mais longe, ora mais perto, conforme o desejo que o próprio reconquistou, porque parecia viver mais ao sabor do desejo do outro. Eu excluo-me para poder, verdadeiramente, incluir-me.” Esta é uma espécie de definição de Pedro Martins para a joy of missing out, um estado de felicidade e plenitude que se alcança quando se fica em paz com esse “perder algo”, esse “ficar de fora” que o FOMO tanto nos fez temer.
“Joy of missing out: quando os teus amigos estão na fila para entrar na discoteca e tu estás de calças de pijama no sofá”
O conceito também não é novo e foi definido em 2012 por Anil Dash, na mesma altura em que começámos a falar desenfreadamente de FOMO. Anil (escritor, empreendedor, ativista e especialista em tecnologia, que dedicou os últimos 20 anos da sua carreira a tentar tornar a indústria tech mais ética) tinha acabado de ser pai e, depois de um mês inteiro offline sem fazer scroll nas suas contas favoritas, porque estava demasiado ocupado a apreciar o que lhe tinha chegado aos braços, sentiu tudo menos medo de ficar de fora. E foi assim que inventou o JOMO, lê-se no site dele. “Qualquer pessoa que me conheça sabe que há poucos eventos com que eu me importe mais do que um concerto de Prince, mesmo já o tendo feito mais de uma dúzia de vezes na minha vida. Na noite em que a minha mulher entrou em trabalho de parto, poucas horas antes de irmos para o hospital, Prince estava a dar um concerto em Madison Square Garden. Não é preciso dizer que perdemos o concerto. E foi uma felicidade.” É JOMO, capisce? É aceitar que estamos a perder qualquer coisa, seja ela qual for, mas sem que isso seja um problema; é estar em paz com a possibilidade de ficar de fora; é aceitar que estar sozinho, ou longe do barulho digital, também é ganhar qualquer coisa, nem que seja um momento de self-care, dentro da cama ou no sofá, a ler sobre astrologia enquanto uma máscara facial faz a sua magia. E, plot twist, as redes sociais também nos dizem que não estamos sozinhos nisto. No Instagram, o hashtag #JOMO vai nas 100 mil publicações e no Twitter é onde se encontram os melhores posts de apreciação do JOMO, entre eles: “se eu realmente vivesse os meus dias como se fossem o último, eu provavelmente cancelaria todos os meus planos e deitava-me” ou “o meu cão está deitado em cima de mim devia ser uma justificação aceitável para cancelar planos” ou “joy of missing out: quando os teus amigos estão na fila para entrar na discoteca e tu estás de calças de pijama no sofá”.
Deu por si a pensar que tudo isto lhe soa um bocadinho egoísta? Certo. Tirar tempo para nós próprios e preferi-lo a estar com amigos pode ter um lado narcisista e não é por acaso que o Word nos sugere “egoísmo” como sinónimo de “amor-próprio”. Mas se é narcisista reservar tempo para ser honesto numa altura em que estamos todos a morrer afogados em farsas digitais, relações forçadas e empregos stressantes, então o meu ego está bastante resolvido.
Artigo originalmente publicado na edição de fevereiro 2019 da Vogue Portugal.