Manequins na passerelle no desfile Elie Saab Alta-Costura outono/inverno 2024-2025 durante a Semana da Moda de Paris no dia 26 de junho de 2024, em Paris, França. Fotografia: Lyvans Boolaky/Getty Images
O mundo da "Haute Couture" é, inegavelmente, alimentado pela fantasia. Duas vezes por ano, clientes, amigos da marca e pessoas ligadas à indústria da Moda fazem uma peregrinação a Paris para assistir a desfiles exclusivos onde as marcas apresentam os seus designs mais excessivamente opulentos: cada um feito à mão e mais extremo que o outro. Desde peças feitas inteiramente em camadas de bordados a peças cobertas de penas, todas cosidas à mão.
Em França, o termo Alta-Costura é legalmente protegido pela Chambre de commerce et d'industrie de Paris. Além disso, os designs não são baratos, com as peças mais simples a começar em cerca de 45 mil euros e as mais extravagantes a atingirem valores superiores a 700 mil euros por uma única peça.
Em 2024, o mundo da Alta-Costura está a crescer. É um dia quente de junho e estamos a poucos dias dos desfiles de haute couture do outono de 2024, que tiveram lugar em Paris. “Na minha experiência, já lidei com marcas que não me conseguiram marcar uma reunião até janeiro porque estavam muito sobrecarregadas, o que talvez se deva ao facto das principais economias mundiais não sentirem tradicionalmente uma recessão”, afirma Nolan Meader, um stylist que também trabalha como consultor com clientes de Alta-Costura. “Também acho que a procura disparou porque, em muitos casos, o vestuário pronto-a-vestir aumentou tanto de valor, especialmente durante a pandemia de COVID-19, que agora é frequente vermos vestidos ready-to-wear com valores de 15, 20, 25 e 30 mil dólares. Com a Alta-Costura, por um valor não muito superior, podemos adquirir algo que é feito para nós e sermos a única pessoa na nossa região, continente ou até mesmo país a tê-lo”.
Há muito que a Haute Couture é associada às mulheres e aos eventos da sociedade, especialmente porque muitas das peças apresentadas na passerelle são vestidos. No entanto, em 2024, nem sempre é esse o caso, e não é definitivamente a única coisa que os clientes estão a comprar. “Tenho uma cliente que compra as peças que a chamam”, diz Meader. “E depois tenho outra que é um pouco o oposto e tenta realmente comprar peças que possa usar com frequência”. Esta última cliente gosta de comprar casacos, blusas, corpetes e calças. “Já reparei que, regra geral, ou se é um género ou outro de cliente”.
Para muitos, ser cliente de Alta-Costura vem de forma geracional. Como é o caso de, por exemplo, Zofia Krasicki, que cresceu a ver a mãe e a avó a comprarem peças Haute Couture. É natural de Melbourne, na Austrália, mas atualmente divide o seu tempo entre Londres e Nova Iorque. “Acho que sempre soube desde pequena”, diz por telefone, três dias antes dos desfiles de Alta-Costura do outono de 2024. De momento, está a fazer as malas. “Quando comecei a pensar realmente se podia ou não começar a ter a minha própria coleção, tinha talvez uns 25 anos e lembro-me de ter ido ao meu primeiro desfile Valentino, em 2019. Esse foi, provavelmente, o momento em que comecei esta viagem, por assim dizer”. Hoje em dia, Krasicki trabalha com Meader e é cliente da Armani Privé, Giambattista Valli e Jean Paul Gaultier, entre muitas outras marcas. “É raro as pessoas entrarem no mundo da Alta-Costura por acaso”, acrescenta.
Krasicki não guarda as suas preciosas peças couture apenas para as passadeiras vermelhas ou grandes eventos, combina-as com o resto do seu guarda-roupa. Um exemplo disto é ter usado o seu corpete cor-de-rosa Jean Paul Gaultier Alta-Costura durante um jantar no Chiltern Firehouse, em Londres. “É uma das coisas que mais gosto de fazer – misturar e combinar as minhas peças haute couture com o meu guarda-roupa de dia a dia”, diz Krasicki. “Mas, obviamente, não as vou usar todos os sábados à noite ou algo do género; isso seria ridículo. Ainda assim, vou usá-las de vez em quando, digamos assim”. As suas aquisições mais recentes incluem várias peças Armani Privé, entre as quais um vestido que usou recentemente em Cannes e que é a única pessoa no mundo a possuir. “Penso que se comprarmos um vestido, os valores rondam os 70 mil euros, mas variam consoante a peça”, explica. “Depende da quantidade de trabalho necessário para a criação da peça”.
Para a colecionadora de Alta-Costura Rebecca Vanyo, outra cliente de Meader, a sua primeira compra foi um vestido de cocktail Giambattista Valli, mas coleciona também peças da casa Haute Couture parisiense Stéphane Rolland. Uma peça que a entusiasma é uma blusa da coleção de Alta-Costura de Simone Rocha para Jean Paul Gaultier, que está atualmente a ser ajustada. “Gosto de comprar de forma mais sustentável quando se trata de blusas de Alta-Costura que podem ser usadas vezes sem conta [ou] um casaco marcante que nunca irá passar de Moda”, afirma. “As peças não estão a ganhar pó. Estou a dar-lhes uso e são peças únicas que mais ninguém tem”.
Fã de Moda há bastante tempo, Vanyo começou a colecionar Alta-Costura há 10 anos. “Durante muito tempo, senti que era algo quase inatingível. Comecei a sentir-me suficientemente confiante para perguntar e começar a comprar Alta-Costura em 2014, que foi o ano em que me casei”. Após os desfiles bianuais de Haute Couture em Paris, Vanyo faz uma lista do que gosta. “Sei sempre, de forma imediata, o que gosto, porque essas peças perseguem-me”, diz. “Há um pouco de pressão porque eles produzem apenas um exemplar por país”, acrescenta. “São centenas de milhares de dólares, mas é uma forma de arte e eu adoro colaborar com os designers. É uma forma melhor de fazer compras, bem como apoiar as casas de Moda que tornam realidade os nossos sonhos mais extravagantes”.
Lauren Amos, fundadora da ANT/DOTE e uma das favoritas no que diz respeito ao universo do street style, compra Alta-Costura há mais de uma década e assiste regularmente aos desfiles em Paris. A primeira peça que comprou foi um vestido Iris Van Herpen da coleção de outono de 2011, que usou na abertura da exposição da designer no The High Museum, em Atlanta, nos Estados Unidos. “Foi muito especial poder interagir com as pessoas enquanto vestia a peça e, ao mesmo tempo, vê-la em exposição no museu”, diz Amos. “Ao comprar estas peças e disponibilizá-las para exposições em instituições como o The High e o The Met, posso ajudar a garantir que a visão única do designer alcança um público mais vasto”.
Outra recente aquisição de Amos é o look 44 da 51ª coleção de Alta-Costura da Balenciaga; um vestido em seda cor-de-rosa com uma escultura de uma barbatana nas costas. Para Amos, parte do encanto de usar Alta-Costura é também a experiência em si: “Quando usei [o vestido] num desfile, uma artista incrivelmente bonita aproximou-se de mim e iniciou uma conversa porque admirava o vestido”, afirma sobre a peça Balenciaga. “Embora adore o vestido em si, o que valorizo ainda mais é a forma como ele abre portas para estabelecer contactos com pessoas que partilham paixões e apreciam a criatividade e a imaginação. Este encontro em particular levou a uma amizade maravilhosa com ela e o seu marido artista, que se tem mantido desde então”. Da mesma forma, ela usa as suas peças Haute Couture na maioria dos seus eventos na sua cidade natal, Columbus, Geórgia, nos Estados Unidos. “Não mantenho a minha Alta-Costura separada do resto do meu guarda-roupa; uso-a como qualquer outra peça de Moda fabulosa. Lembro-me do meu primeiro Haute Couture – acabei por me cortar nele, mas estava tão entusiasmada e deslumbrante que nem me importei. Em retrospetiva, o conceito de “sangrar pela Moda” é bastante divertido e capta na perfeição a minha obsessão pelo design”.
O que também está a ter o seu próprio boom no mundo da Alta-Costura? Vintage. Lauren Lepire, da Timeless Vixen, coleciona Alta-Costura há mais de duas décadas, construindo um arquivo usável, bem como uma coleção de joias raras que vende no seu showroom em Los Angeles. Lepire começou por procurar Haute Couture no eBay nos anos 90 e, desde então, nunca mais parou. “Por vezes, nem sequer tem uma etiqueta e sabe-se logo que é Alta-Costura”, afirma. “E o que é tão engraçado é que, ao longo dos meus anos como colecionadora, mesmo as peças que não têm etiqueta, através de pesquisa, editoriais e exposições em museus, pensamos: ‘Meu Deus, aquele vestido é Chanel, ou, meu Deus, aquele vestido é Lanvin!’”.
“Antigamente, encontrava 20 Chanels no eBay”, diz Lepire. “Encontrei Diors no eBay durante a minha vida inteira. Agora é quase impossível. Penso que isso se deve ao facto de nos termos tornado uma sociedade tão ligada às redes sociais e tecnologia, já não há segredos”. Embora Lepire use regularmente as suas peças Ossie Clark vintage Alta-Costura, guarda as suas peças mais frágeis para os seus arquivos.
Recentemente, Lepire notou um aumento acentuado de indivíduos, marcas e museus a comprarem Alta-Costura vintage na sua loja. “Um vestido que eu talvez encontrasse no eBay por 1000 dólares, posso agora, com toda a confiança, colocar à venda na minha loja por 20 mil dólares. É absolutamente louco, quase à velocidade da luz, o progresso do desejo que existe por estas peças”. Ela própria tem uma lista de cerca de 10 peças sagradas Haute Couture, pelas quais diz que estaria disposta a pagar entre cerca de 25 e 50 mil dólares. “Sou uma compradora muito emotiva”, diz Lepire. “Por vezes, não há nenhuma razão para aquilo de que gosto. Adoro usar o que gosto, por isso, se for algo do meu tamanho e eu souber que o posso usar, é uma grande vantagem para mim. Também compro coisas que sei que nunca vou usar por serem demasiado frágeis”. Caso em questão: as suas peças Chanel Alta-Costura dos anos 30. “Há Picassos que as pessoas penduram nas paredes”, acrescenta. “Agora estamos a olhar para estes designers como grandes artistas. Estamos a colocá-los no nosso corpo. Por isso, fico muito feliz quando consigo olhar para estas peças como obras de arte”.
De igual forma, o famoso vendedor de coleções Johnny Valencia, da Pechuga Vintage, começou a vender coleções de Alta-Costura devido à procura. Os seus clientes, que muitas vezes se dedicam à procura de peças Vivenne Westwood ou Jean Paul Gaultier extremamente raras, passaram a dedicar-se à Alta-Costura, que Valencia adquire por pedido especial. “É como se tivéssemos os nossos clientes fixos”, diz. “Sem os meus clientes, não conseguiria sustentar este negócio, mas se eles quiserem ir mais além no que toca à raridade das suas peças, é preciso pagar um valor premium por se tratar de Alta-Costura. Quando comecei este negócio, não esperava que este fosse o destino. A Haute Couture morreu nos anos 80 – mas estamos, literalmente, a assistir ao seu renascimento”.
Apesar dos seus achados acabarem numa panóplia de celebridades, desde Beyoncé a Shakira, quando compra Alta-Costura, é para indivíduos ricos mas sem estatuto de celebridade. O custo dessas peças – que pode atingir valores de cerca de 100 mil dólares por apenas um vestido Chanel Haute Couture vintage, por exemplo – é um investimento arriscado. “Penso que quanto mais famosa é a celebridade, mais frugal é a equipa,” afirma Valencia. “Quem compra Alta-Costura? Clientes estritamente privados – mulheres que, segundo a minha experiência, têm negócios muito bem sucedidos”.
Muitas das pessoas que compram Alta-Costura vintage fazem-no frequentemente há décadas, como é o caso de Adam Leja, que já acumulou mais 5 mil peças, desde um vestido estilo robe Jean Lanvin datado de 1925 (uma peça semelhante está no The Costume Institute) a sapatos da coleção egípcia de John Galliano para a Dior usados na passarelle por Elise Crombez. Grande parte das vezes, paga mais de 10 mil dólares por um vestido raro de Alta-Costura, no entanto, já encontrou peças mais acessíveis por menos de 5 mil dólares. “Adoro Haute Couture porque é única”, afirma. “Se olharmos para o interior de uma peça de vestuário, é possível ver toda a magia: a construção exímia, os pormenores da costura e, acima de tudo, o acabamento manual das costuras. As formas especiais de fechar uma peça com o objetivo de obter uma silhueta ajustada, com ganchos e molas. Estes toques específicos não existem no pronto-a-vestir. Eu coleciono Alta-Costura porque, para mim, é uma obra de arte. Algumas pessoas colecionam quadros ou esculturas… eu coleciono Moda. Além disso, o meu país, a Polónia, não teve a possibilidade de ter peças de Alta-Costura devido à sua história pós-guerra”, diz Leja. Para muitos, nada substitui a magia de vestir uma peça Haute Couture. “Por vezes, vestimos estas peças e elas podem ter uma natureza ligeiramente vanguardista e é quase necessário um diploma científico para as vestir”, acrescenta Krasicki.
Obviamente, para além da barreira do custo, estas são peças que requerem cuidados especiais. Vanyo guarda todas as suas peças num local especializado e climatizado e tem cuidados extra com as suas peças mais delicadas.
Ainda assim, a maioria das pessoas está a comprar este tipo de Moda como arte e um meio de preservar o ofício. “Conhecemos as costureiras e temos as mesmas três costureiras onde quer que estejamos no mundo”, diz Meader. “Este é o trabalho da vida delas”. Da mesma forma, outros vêem as suas compras como futuras peças de museu. “Há definitivamente certas peças que tenho que adoraria ver num museu, penso que essa é parte da razão pela qual o faço, porque se não apoiarmos este tipo de coisas, elas não vão continuar a existir”, diz Krasicki.
Muitos designers negam considerar a Moda como uma forma de arte, ainda assim, quando se trata de Alta-Costura, é uma tela em branco completamente diferente.
Traduzido do original, disponível aqui.
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