Beleza  

Fibra a mais?

02 Aug 2024
By Pureza Fleming

Minami Gessel, Mia Kang e Han Na Shin fotografadas por Michelle Watt e com styling de Marisa Ellison para a edição de setembro de 2023 da Vogue Portugal.

Nos últimos anos, a obsessão por corpos demasiadamente musculados tem levado a extremos perigosos. A “musculomania”, essa busca incessante por músculos de aço à Iron Man, reflete uma realidade inquietante. Trata-se de uma fixação que afeta não apenas a saúde física, mas também a mental, revelando os desafios e os perigos de uma perturbação ainda envolta em mistério.

Enquanto pessoa não frequentadora de ginásios (embora completamente dedicada a atividades como o yoga ou o ballet), nunca entendi muito bem esta mania dos músculos. Até ter, hoje, um filho de 20 anos que não só não falha o ginásio, como também apresenta músculos bastante proeminentes — demasiado proeminentes para o meu gosto. Por uma ou outra vez dei por mim a questioná-lo se seria exagero ou não. Assegurou-me que não e, depois de perceber um pouco mais acerca da vigorexia, também conhecida como transtorno dismórfico muscular ou dismorfia corporal, descansei a minha mente. Estudos apontam que a geração Z tem contribuído para a procura crescente por ginásios. Segundo um gestor da cadeia Fitness Up, numa entrevista concedida ao Sapo, “é a geração Z a mais propensa ao exercício físico e também a que procura mais atividade física.” Este salienta ainda que “a geração Z é mais informada” e que “começam a existir mais pessoas a ter essa consciência de que é necessário fazer exercício físico, não só para ter melhor qualidade de vida, mas para ter mobilidade e viver com qualidade nos últimos anos de vida.” Só que, como se costuma dizer, tudo o que é demais acaba em erro. E o exercício não é exceção, sobretudo quando se entra na incessante busca do corpo perfeito, que é como quem diz, o corpo mais musculado possível. “A vigorexia começou a ser reconhecida nos anos 90, quando o psicólogo norte-americano Harrison G. Pope e os seus colegas realizaram estudos sobre a crescente obsessão com a musculação entre homens. Esses estudos revelaram uma preocupação excessiva com a aparência muscular e comportamentos compulsivos sobre o exercício físico. A popularização nessa década da cultura do fitness e a crescente valorização de corpos extremamente musculados, bem como a influência dos meios sociais, contribuíram para o aparecimento e a identificação desse transtorno, refletindo mudanças socioculturais sobre a imagem corporal”, avança Hugo Pombo, Fisiologista do Exercício e Coordenador Técnico do Private Gym Fisiogaspar. Explica que embora este não seja um transtorno recentemente descoberto, tem ganho mais visibilidade nas últimas décadas devido a algumas alterações socioculturais, nomeadamente com o aumento da cultura do corpo e a valorização dos aspetos relacionados com o mesmo.

O crescimento das redes sociais e a exposição constante a imagens de corpos “perfeitos” têm contribuído para uma pressão sobre as pessoas para atingir padrões estéticos muitas vezes irreais. Essa pressão pode desencadear comportamentos obsessivos relacionados com o exercício físico e a musculação, tornando a vigorexia mais perceptível nos ambientes de ginásio e health clubs. Trata-se de uma perturbação do foro psicológico do subtipo das dismorfias corporais (como é o exemplo da anorexia), mas neste caso concreto é uma obsessão por um corpo atlético e musculado, o que leva o sujeito a uma dedicação física, psicológica e financeira com o objetivo de aumentar a massa muscular. “Esta prática excessiva é resultado de uma autoimagem distorcida, o que se considera também inserido na classe das perturbações obsessivo-compulsivas”, remata Carolina Nunes, psicóloga da CogniLab. A especialista assevera que a prevalência de vigorexia é maior nos homens, pelas pressões culturais, muitas vezes impulsionada pela comunicação social e pelas redes sociais, para além do ambiente propício dos ginásios, onde os homens tendem a optar mais por exercícios de carga muscular. As mulheres podem eventualmente sofrer de vigorexia, mas é menos comum. O diagnóstico desta perturbação é desafiante mas, asseguram-nos os profissionais, existem critérios e sinais específicos que podem ajudar a identificá-la. A linha que separa uma pessoa que se preocupa em cuidar do corpo, de alguém obcecado com a ideia de ter um corpo musculado, está principalmente na intensidade e na natureza dos comportamentos e pensamentos. “Uma pessoa saudável pode ter uma rotina de exercícios regular e seguir uma dieta equilibrada, visando o bem-estar geral e a manutenção da saúde. Essa pessoa consegue equilibrar outras áreas da sua vida, como trabalho, relações pessoais e lazer, sem que a busca pelo corpo ideal interfira de maneira negativa. Ela também tem uma perceção realista do seu corpo e não sente uma pressão constante para alcançar padrões musculares irreais”, anota Carolina Nunes. Por outro lado, alguém com vigorexia apresenta uma preocupação excessiva e distorcida com o tamanho e a definição dos seus músculos, levando a comportamentos compulsivos e prejudiciais. “Essa pessoa passa horas no ginásio, segue dietas extremamente restritivas, usa muitas vezes substâncias anabolizantes e acaba por negligenciar outras áreas importantes da sua vida. Além disso, a autoimagem é frequentemente distorcida, com uma perceção de que nunca são musculados o suficiente, independentemente dos progressos reais. Essa obsessão pode causar stress, ansiedade e problemas de saúde física e mental, evidenciando a diferença entre um cuidado saudável do corpo e uma obsessão patológica”, mantém a psicóloga.

Dentro do ginásio, explica o fisiologista, o diagnóstico envolve uma avaliação detalhada, onde são observados os padrões de comportamento e pensamento relacionados com o exercício físico e com a imagem corporal da pessoa. “O profissional de saúde tenta identificar preocupações excessivas relacionadas com o tamanho e a definição muscular, além de comportamentos compulsivos, como a necessidade de passar várias horas a fazer exercício, o uso de esteroides anabolizantes e dietas extremamente restritivas. Além da avaliação, são também utilizados questionários e escalas específicas para avaliar a presença e a intensidade desses sintomas. Estas avaliações têm também em conta o impacto na vida diária da pessoa, como os problemas nos relacionamentos interpessoais, no trabalho e outras áreas importantes da vida.” Uma pessoa que sofre de vigorexia apresenta assim um comportamento obsessivo e compulsivo com o trabalho e a definição muscular, passando várias horas a fazer exercício físico e a seguir dietas extremamente rigorosas, chegando muitas vezes a tomar esteroides e suplementação de forma compulsiva, mesmo conhecendo os riscos para a saúde. Além disso, continua a ter uma perceção distorcida do seu corpo, acreditando nunca estar suficientemente musculada, independentemente dos progressos reais. Hugo Pombo define o perfil das pessoas com vigorexia como sendo geralmente indivíduos, predominantemente homens jovens — a par do que já havia citado a psicóloga —, ainda que neste momento também já comecem a haver muitas mulheres com esta obsessão. “Normalmente são pessoas com um forte envolvimento em atividades como a musculação e o culturismo”, remata o fisiologista. “O exagero muscular decorrente da vigorexia pode levar a diversas consequências graves para o organismo, como diversas lesões músculo-esqueléticas normalmente devido ao excesso de treino e pesos extremos. O uso frequente de substâncias anabolizantes pode também causar complicações e danos no fígado, hipertensão, doenças cardíacas, e alterações hormonais que podem resultar em infertilidade e impotência. Além disso, problemas hormonais como a redução da produção natural de testosterona, acne severo, calvície precoce, e desequilíbrios eletrolíticos também são muito comuns. Essas condições podem comprometer seriamente a saúde física e mental da pessoa.” A abordagem de cura depende, evidentemente, do nível de gravidade, mas o ideal, de acordo com aquela psicóloga, “será uma abordagem através da terapia cognitivo-comportamental, modificando pensamentos distorcidos da imagem corporal além de técnicas que ajudem a reduzir os comportamentos relacionados com o exercício e a dieta. O envolvimento da família poderá ser positivo no sentido de proporcionar um maior suporte e compreensão. Em casos mais graves, poderá ser necessário uma abordagem psiquiátrica, com a utilização de fármacos que ajudam a gerir melhor os sintomas obsessivo-compulsivos, bem como da ansiedade e depressão.” Comparando, por exemplo, com a anorexia — que apesar de diferente não deixa de ser uma obsessão com a imagem corporal —, a vigorexia é uma procura de um corpo musculado e a anorexia de um corpo magro. Ambas partilham características de obsessão de um corpo perfeito, insatisfação permanente, e riscos elevados para a saúde física e mental. Resta lembrar que o “perfeito” não existe e que o equilíbrio é a base de tudo.

Publicado originalmente na edição "The Sports Issue" da Vogue Portugal, de junho/agosto 2024, disponível aqui.

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