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Fruta, arte e sexo estão mais próximos

16 May 2019
By Patrícia Domingues

Stephanie Sarley é a cereja no topo da nossa timeline de Instagram. A artista, que se move entre o virtual e o real, enfia o pé na jaca, a mão e tudo o que possa dialogar com o nosso imaginário de masturbação.

Stephanie Sarley é a cereja no topo da nossa timeline de Instagram. A artista, que se move entre o virtual e o real, enfia o pé na jaca, a mão e tudo o que possa dialogar com o nosso imaginário de masturbação – não se ria, há quem se sinta tão ofendido pela junção dedo + toranja que chegou ao ponto de a denunciar.

Para quem não conhece o seu trabalho, o que faz e como começou?

Sou uma artista multimédia e surrealista, com trabalho em cinema, fotografia, digital e media, entre outros. A minha vida como artista começou quando eu era muito nova. Ia com a minha família a museus na baía de São Francisco e sempre tive muito contacto com Arte. Na escola básica as aulas de Arte eram o meu santuário. Estava sempre a desenhar. Depois estudei gravura, litografia e retrato enquanto era aprendiz em escultura e maçonaria, tudo em Oakland, na Califórnia. Durante esta altura da minha vida o surrealismo apareceu na minha arte. Também criei uma personagem, o Dick Dog, e autopubliquei mais tarde um livro de colorir, Dick Dog and Friends, que foi distribuído com a editora Last Gasp, de São Francisco. Esses trabalhos representam todo o meu humor surreal sexual pelo qual agora sou conhecida, especialmente os Crotch Monsters e a Fruit Art. Ainda me dedico ao Dick Dog agora. Bom, e depois embrenhei-me na fotografia digital, na realização, pintura digital, animação, telemóveis, gifs, até em algumas coisas em 3D... Tudo o que fosse digital. Criei um Tumblr (ainda tenho Facebook), abri a minha conta de Instagram e pronto, arrancou daí.

Qual é a história de Fruit Fingering?

Quando criei o meu primeiro vídeo de Fruit Fingering a comida já se tinha tornado uma grande parte do meu trabalho. Criei uma série de autorretratos surreais e still lifes de fruta com alfinetes e pêssegos, vários frutos entre as minhas coxas, cerejas e bananas em preservativos com agulhas. Foi uma evolução natural. Os meus vídeos com fruta começaram depois de uma ida ao mercado com o meu namorado. Tínhamos trazido algumas toranjas misturadas com o resto. Lembro-me que estava a trabalhar no meu computador quando ele apareceu com a fruta cortada e comecei a filmar de forma espontânea e criativa.

Quando estava a criar a ideia para esta série de vídeos, fê-lo com uma intenção ou estava apenas a brincar com a comida?

Foi mais espontâneo, não um ato de protesto nem o consideraria da minha natureza porque a minha arte é muito mais ambígua. Mas uso as minhas plataformas online para comunicar com os meus fãs e seguidores. Primeiro para partilhar a minha arte e updates sobre novas exposições e trabalhos. Também partilho as minhas perspetivas sobre assuntos como feminismo, género, sexualidade, muito através do meu trabalho e dos meus conteúdos. Esta realidade desenvolveu-se depois de a minha arte experienciar tanta censura na altura. Btw, voltei a enfrentar a censura com um set de uma fotografia recente que era importante para mim, onde estou a agarrar um inhame com mel a escorrer e que postei no Instagram.

Como escolhe os frutos com que trabalha?

Vou à mercearia e olho em volta para o que se destaca ou às vezes encontro coisas enquanto estou na minha ida pessoal às compras. Faço vídeos meus a manusear os frutos e vegetais quando ninguém está a ver. Acho incrível frutos e vegetais com formas únicas ou tamanhos. Ou seleciono os melhores das pilhas, examinando-os cuidadosamente para aquilo que tenho em mente antes de os pôr no saco. Quando vou com os restantes materiais à loja ainda há mais níveis de seleção e preparação e pode tornar-se excêntrico ainda antes de começar a usar a comida para a minha arte. Há uns anos, no Halloween de 2016, deixei uma tanga por cima de um buraco feito numa abóbora que tinha a forma de um rabo, que foi crescendo até se moldar à roupa interior preta.

Suponho que se divirta enquanto está a trabalhar.

Sim, divirto-me muito! Quando estou a filmar e fotografar com comida sinto-me muito presente, tal como quando estou a criar a minha arte visual. Às vezes a minha arte pode ser muito pormenorizada e demorada, dependendo do meio e do estado de edição dos projetos.

Porque acha que o seu trabalho faz com que algumas pessoas se sintam tão desconfortáveis? Busca esse desconforto?

A minha arte tem um apelo alargado, é visualmente convincente e faz as pessoas rirem e sentirem-se de todo o tipo de formas, não só desconfortáveis. Ou talvez a minha arte seja intensa e única de uma maneira que é estranha para essas pessoas... Talvez não gostem da sexualidade em muitas delas. Há tantas pessoas com mentes pequeninas. Ao mesmo tempo, nem toda a gente vai gostar da tua arte e é ok. Apenas me mantenho fiel à minha criatividade e faço o que me soa bem. Não passo tempo nenhum preocupada ou a pensar porque faço as pessoas desconfortáveis quando sou influente. Depois de ter de lidar com as minhas infrações de direitos e o meu estilo ser imitado, não tenho de me preocupar com os haters. Também tenho muitos fãs! Continuo a criar o meu trabalho indiferente aos trolls porque a minha arte recebe muita atenção. Sei que não a retraio em prol de alguém ou de algo.

Tem sido bastante vocal nos assuntos relacionados com os direitos de autor.

Sim, porque o meu trabalho tem sido alvo de inúmeras infrações de direitos de autor. O problema é muito maior do que eu, as pessoas acham que podem levar o que quer que esteja na Internet e não é assim. Mas essa experiência também tem servido para inspirar trabalho novo. Tenho feito memes de arte e tenho estado a usar o espaço digital como um caderno para novas ideias de forma fluida, principalmente quando uso a função dos stories do Instagram. Também tenho criado novos trabalhos em meios digitais com aplicações de filtros e alguns efeitos especiais. Os filtros do Snapchat de cães em avatares, filtros em retratos misturados com um vídeo de alguém a chupar uma banana... E também criado os meus próprios filtros para a cara que podem importar e usar.

Como se sentiu ao ter a sua conta suspensa pelo Instagram três vezes no espaço de um mês, em 2016, e com as pessoas copiarem o seu trabalho?

Na altura foi devastador e estava a tornar-se viral, por isso fez-me sentir que estava a ser erradamente censurada. Pareciam estar a querer minar o meu sucesso, mas não resultou. E eu não fiquei de braços cruzados. Lutei para ter a minha conta de volta, fazendo queixas, contactando o Instagram, escrevendo cartas e preenchendo não sei quantos formulários para ter a minha conta de volta. Tive sorte de receber a atenção da imprensa na altura, quando uma amiga escreveu um artigo para o The Guardian. Consegui ter a minha conta de volta no espaço de semanas o que foi bom. Uma parte da partilha massificada e das infrações de direitos de autor são um resultado direto de me ter tornado viral e os créditos podem tornar-se confusos, mas isto é um problema real para mim e para muitas das pessoas que trabalham na Internet. Sobre as pessoas copiarem o meu trabalho, acho que acontece quando és bom em alguma coisa. Claro que às vezes me chateia, mas a parte boa é que estou sempre a receber arte que os meus fãs me mandam e o meu trabalho é falado e estudado em moldes educacionais. O estilo do meu trabalho é reconhecível e isso é um feito. Já se falarmos em inspiração é apenas divertido, como quando a W Magazine me creditou como sendo a inspiração para a campanha de primavera/verão 2018 da Loewe — adorei, mas nem sequer é muito o meu trabalho.

Acha que essa censura diz mais sobre a forma como a sociedade olha para a sexualidade ou sobre a arte?

Acho que a censura da minha arte diz muito sobre a forma como a sociedade olha para a sexualidade e para as pessoas que são diferentes da norma. E como isso pode tornar as coisas desconfortáveis para confrontar.

Sempre teve este à-vontade com a sexualidade ou foi algo que foi aprendendo?

Ambos. Sempre fui mente aberta em relação à sexualidade e sempre fui capaz de ser quem quisesse, mas tenho vindo a alargar horizontes com uma perspetiva mais enriquecida trazida pela minha experiência e pelo trabalho que produzo.

Porque é que acha que existe uma associação tão forte na história da arte entre comida e feminismo?

A comida e a fruta são sensuais e as mulheres são-lhes comparadas por serem sensuais. Há um enorme simbolismo com a comida e a fruta e as mulheres em pinturas, na mitologia e mesmo na Bíblia, com Eva e a maçã. Por isso podes usar essas referências para reimaginar.

Como vê o seu trabalho na contribuição do empoderamento feminino nas artes?

É muito por isso que faço o que faço nas redes sociais. A minha presença na Internet é uma força por si só porque sou uma mulher sem rodeios e o meu trabalho comunica e espalha-se de forma viral. Através do meu ativismo online já conheci outros artistas que pensam da mesma forma e no ano passado foi criada uma exposição enorme no Museum of Fine Arts Leipzig, na Alemanha, com curadoria de Anika Meier, chamada Virtual Normality: Women Net Artists 2.0 e que é um excelente exemplo disso mesmo.

O que tem planeado?

Agora vou ter um novo trabalho em vídeo com ameixas e algum trabalho mais antigo em exposição até maio no El Segundo Museum of Art em Los Angeles. É uma exposição sobre comida com mais de 500 anos e vou expor lado a lado com as latas de sopa Campbell de Andy Warhol e muito mais. Também estou a trabalhar em muitos novos projetos e a criar um livro. Podem sempre acompanhar as minhas exposições e o meu trabalho no meu site e nas redes sociais.

Artigo originalmente publicado na edição de maio 2019 da Vogue Portugal.

 

Patrícia Domingues By Patrícia Domingues

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