Em frente à objetiva, uma das modelos do desfile de Christian Dior em 1955. Por detrás da câmara, refletidos no espelho, os ícones invisíveis que ajudam a fazer acontecer - um desfile, uma coleção, uma marca. Fotografia: Thurston Hopkins / Getty Images.
Grandes nomes da Moda, como Karl Lagerfeld, Alexander McQueen e Coco Chanel, são frequentemente celebrados como os rostos que definem as suas marcas. Contudo, a magia acontece nos bastidores, onde uma equipa de assistentes, diretores criativos e artesãos desempenham um papel fundamental. Estes "ícones invisíveis" são os guardiões silenciosos da visão e do legado das grandes casas, traduzindo ideias em criações que, sem eles, seriam apenas meras miragens.
No mundo contemporâneo da Moda, onde a visibilidade é frequentemente confundida com sucesso, a importância de todos os profissionais que permanecem nos bastidores é muitas vezes ignorada. O Instagram tem destas coisas. Enquanto fazia um despreocupado scroll em dias de deadline, deparei-me com a publicação de uma marca brasileira, de que gosto muito, que dizia: “Esse post é inteiramente em agradecimento ao nosso time da Lilly Sarti e colaboradores. Sem vocês nada disso seria possível, afinal sucesso vem acompanhado de trabalho em equipe, foco, determinação e paixão. MUITO OBRIGADA! Ve, Mon, Nat, Re, Angela, Tami, Tom, Ca, Carol, Josy, Tarsila, Luana, Marcell, Luiz, Augusto, Carla!” À boleia desta publicação, aproveitei para conversar com Lilly Sarti, a diretora criativa e co-fundadora da marca homónima, sobre a dinâmica desse “trabalho em equipe” e a importância dos colaboradores por detrás das suas criações. “Eu sou a diretora criativa, então faço todo o conceito do que queremos fazer. Tenho uma maneira particular de criar, unindo vários pontos até formar uma atmosfera. Dentro da equipa, tenho uma estilista que trabalha com duas pessoas que tornam tudo fisicamente possível. A partir da ideia, ela transforma isso em desenhos técnicos e seleciona os tecidos — vejo quase todos pessoalmente, pois desenvolvemos muitos tecidos com fábricas nacionais parceiras.”
A abordagem de Lilly destaca como a colaboração e a criatividade coletiva são essenciais no processo de design. Embora crie o conceito inicial, mantém um forte alinhamento de ideias com a sua equipa, que é responsável pela pesquisa de materiais inovadores, muitos dos quais Lilly pode não ter identificado. O desenvolvimento dos tecidos, especialmente os jacquards, é uma prioridade, dado a sua singularidade. Os jacquards são tecidos criados em teares para esse fim, conhecidos por produzir padrões complexos diretamente na trama, representando uma combinação de tradição e inovação que é a essência da marca. A diretora criativa menciona que faz um esboço inicial, conhecido como "pesquete", e o entrega à equipa, mas vetorizar o desenho não é suficiente, pois as fábricas que utilizam teares jacquard exigem técnicos especializados. Após esse processo, o trabalho retorna à equipa para continuar o desenvolvimento. Lilly avança: “As pessoas são totalmente importantes; é impossível fazer um bom trabalho sozinha. Muitas variáveis influenciam, como fornecedores e mão de obra interna. Às vezes, as pessoas mudam, entram, saem, o que é normal numa empresa, mas sem elas nada seria possível.” Essa afirmação ressalta a vinculação que os designers mantêm com as suas equipas, lembrando-nos de que a Moda não é apenas sobre quem está no palco, mas também sobre aqueles que trabalham arduamente fora dos holofotes.
No que diz respeito à equipa geral, que envolve todo o planeamento, Lilly conta com uma gerente que coordena processos e assegura que tudo flui, dado que “é muito microprocesso”. A complexidade do dia a dia da Moda não deve ser subestimada; cada detalhe é importante, e a eficiência na comunicação entre as diferentes partes é essencial. Quando se fala de um desfile, ela sublinha a importância de cada membro da equipa: “Mais do que isso, são as pessoas que não só vestem a camisa, mas suam a camisa, porque amam o que fazem. Temos pessoas internas excecionais que fazem a diferença e transmitem uma energia positiva ao trabalho.” Essa energia é palpável em cada coleção e desfile, onde a paixão e o compromisso se entrelaçam. Além disso, “a equipa de fotografia e marketing está altamente envolvida no processo de produto, uma vez que precisam comunicar tudo”. O post de Lilly era genuíno: “Só quem está no dia a dia conhece a luta que é fazer tudo acontecer. Quando estamos rodeados de pessoas que acreditam no que fazem e vibram junto, o resultado é ainda mais positivo.”
Embora a Moda seja um trabalho colaborativo, é comum que apenas os grandes nomes colham os louros. Os diretores criativos são, muitas vezes, os verdadeiros guardiões do estilo de uma marca, responsáveis por manter a visão e o legado de grandes nomes vivos, mesmo após a sua morte. Um exemplo disso é Virginie Viard, que foi assistente de Karl Lagerfeld na Chanel por mais de 30 anos antes de assumir o papel de diretora criativa, cargo que manteve até junho de 2024, continuando a herança do lendário designer. Apesar da sua importância, estas figuras raramente recebem a atenção que merecem. Os assistentes, por sua vez, formam a coluna vertebral criativa, ajudando a transformar as ideias dos designers principais em realidade. Desde a pesquisa de materiais até aos ajustes de última hora, o seu papel é crucial no desenvolvimento das coleções. Há muitos casos de assistentes que mais tarde se tornaram grandes nomes por si próprios, como Demna Gvasalia, que começou como assistente de Martin Margiela. Igualmente fundamentais são os artesãos que dominam as técnicas tradicionais, como bordado, costura à mão e manipulação de tecidos. São eles que dão vida às ideias criativas, trabalhando em oficinas como a Maison Lesage, responsável por transformar os desenhos das marcas de alta-costura em peças únicas. A tradição e a inovação fundem-se nas mãos destes especialistas, mantendo vivas as técnicas ancestrais que continuam a moldar a Moda contemporânea.
O sucesso de uma coleção depende, muitas vezes, da colaboração e da sinergia entre o designer principal e esta equipa invisível. Um exemplo notável é a parceria de John Galliano com os artesãos da Maison Margiela, a quem ele frequentemente atribui o mérito pela execução das suas criações. Num universo que se quer cada vez mais transparente, há um esforço crescente para dar o devido reconhecimento a estes talentos dos bastidores. É importante valorizar estes protagonistas escondidos, sem os quais as marcas de Moda que conhecemos e adoramos não teriam o mesmo impacto. O seu trabalho, embora muitas vezes oculto, é profundamente visível nas coleções e no legado da Moda. Seja através dos ateliers e artesãos que executam técnicas que só décadas de experiência permitem, ou dos assistentes que, em momentos críticos, salvam desfiles com ajustes e sugestões, a Moda depende destes talentos ocultos. Sem eles, o equilíbrio entre tradição e inovação que define a evolução das grandes maisons seria impossível.
A história da Moda é, em última análise, uma tapeçaria rica e complexa, tecida por mãos invisíveis que, com mestria, unem o passado ao presente, criando peças que não são apenas vestuário, mas verdadeiras obras de arte. O reconhecimento do trabalho dos ícones invisíveis é essencial não apenas para a valorização do seu esforço, mas também para o entendimento do processo criativo como um todo. Afinal, cada peça que chega às passerelles é o resultado de uma sinergia entre criatividade, técnica e paixão. Se quisermos que o futuro da Moda continue a evoluir, precisamos de olhar além dos rostos que ocupam os holofotes e celebrar aqueles que trabalham incansavelmente por trás das cortinas. Assim, a Moda não será apenas um espetáculo efémero, mas um legado duradouro, moldado pela colaboração e pela arte de cada um dos que fazem parte deste fascinante universo.
Publicado originalmente na edição "The Icons Issue" da Vogue Portugal, de novembro 2024, disponível aqui.
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