Foram milhares - e continuam a ser - as invenções, feitas por mulheres, vitais para a ciência ou tecnologia. Mas não só.
Foram milhares - e continuam a ser - as invenções, feitas por mulheres, vitais para a ciência ou tecnologia. Mas não só.
Entre a panóplia infindável de nomes femininos cujo contributo para o avanço evolutivo foi fulcral, há vários que são sobejamente conhecidos do público. A Vogue escolhe alguns que, mais na sombra, não merecem menos o seu lugar ao sol.
A criação de Ruth Handler, circa 1961. © Getty Images
A criação de Ruth Handler, circa 1961. © Getty Images
Ruth Handler Quem nunca brincou com uma Barbie? Serão poucas as mulheres (e até senhores) que dirão que nunca o fizeram.
Quem inventou o que é possivelmente o brinquedo mais famoso do mundo, e que mudou a forma de todas as meninas brincarem, foi a senhora Ruth Handler. Nascida nos E.U.A em 1916, Ruth foi vendo a sua filha Barbara e as amigas a brincarem diariamente com bonecas de papel. Aos poucos, começou a notar que as meninas fingiam que as bonecas eram já adultas e quase sempre as brincadeiras eram passados no futuro. Ruth começou então a imaginar uma boneca adulta, tridimensional, com peito (coisa impensável para a altura), com roupas e em plástico.
Mas a ideia não pareceu tão boa aos que a rodeavam como à própria: o seu marido achou que nenhum pai ou mãe iria comprar uma boneca com "figuras tão volumosas". Este foi inicialmente um dos maiores problemas para Ruth, pois eram muitos os que achavam que a Barbie tinha proporções corporais irreais, sobretudo devido a inclusão de seios na boneca. Foi numa viagem que fez à Europa que as coisas começaram a mudar: Handler viu na Suiça a boneca Bild Lilli, que não era um brinquedo para crianças, mas sim mais um presente engraçado para dar aos adultos. Ruth comprou uma dessas bonecas e levou consigo para os Estados Unidos onde mostrou aos executivos da Mattel (empresa na qual foi uma das fundadoras e que é, até aos dias de hoje, a maior empresa de brinquedos do mundo).Usou o exemplar para provar que a invenção podia e devia ser comercializada.
Foi assim que nasceu a Barbie, apresentada ao mundo em 1959 na Feira Internacional do Brinquedo, em Nova Iorque. Mas Ruth foi mais que uma grande inventora e empresária sucesso: foi uma sobrevivente oncológica por mais de 30 anos. Em 1970, Ruth viu-se obrigada a fazer uma mastectomia e, mais tarde, não conseguia encontrar em lado nenhum implantes que parecessem reais. Mulher forte e independente a vida toda, Ruth meteu novamente mãos à obra e criou a "Ruthton Corp", empresa que criava próteses mamarias mais realísticas.
Ruth faleceu em 2002, aos 85 anos de idade, vitima de complicações no decorrer uma operação ao cancro no cólon.
Mary Anderson Já alguma vez, parada no trânsito num dia de chuva, se questionou quem terá inventado o limpa-para-brisas? Mary Anderson fê-lo: a norteamericana lemborou-se deste instrumento tão precioso para conduzir em dias de chuva ou neve, quando, numa viagem a Nova Iorque, deu conta que todos os condutores tinham de abrir a janela do carro para conseguir conduzir nos dias de chuva. Pouco tempo depois, Mary já tinha criado um género de um braço, com uma lâmina de borracha no final, que os condutores podiam usar para limpar o vidro dianteiro.
Em 1903, Mary conseguiu que lhe fosse atribuída a patente para a sua invenção, mas os céticos eram muitos e todos pareciam duvidar da utilidade da sua criação, convencidos que aquela "ferramenta" iria fazer mais mal que bem e que seria uma enorme distracção para os condutores. Em 1905, Mary tentou vender a sua patente a uma empresa canadiana, mas a mesma não a quis comprar, defendendo que a invenção nunca seria um sucesso de vendas e apenas um desperdício de dinheiro.
Contudo, em 1916, já começavam a aparecer os primeiros carros vendidos com limpa-para-brisas; em 1920, era algo mais que comum em todos os carros. A primeira marca a usar um limpa-para-brisas num dos seus veículos foi a Cadillac. Devido à sua patente ter uma validade de 17 anos quando lhe foi atribuída, Mary nunca conseguiu tirar grande proveito da sua invenção. Felizmente isso não teve grande impacto na sua vida: era já uma mulher de sucesso, tendo conseguido grandes feitos nos ramos da imobiliária e vinicultura. Mary foi introduzida no hall da fama dos inventores em 2011.
Outra curiosidade? Foi igualmente uma mulher de seu nome Charlotte Bridgwood, que em 1917 inventou o primeiro limpa-para-brisas automático.
Stephanie KwolekQuímica norteamericana, foi uma das maiores investigadoras da área do século XX. Stephanie Kwolek inventou o que hoje é mais conhecido como Kevlar. Kevlar é uma fibra sintética conhecida por ser extremamente forte, resistente e 5 vezes mais forte que o aço.
A cientista começou a trabalhar para a empresa americana Dupont (uma das maiores companhias químicas do mundo) em 1950, mas foi mais de uma década depois que viria a fazer a sua maior descoberta. Aconteceu em 1964, enquanto Stephanie procurava inventar uma nova fibra leve, mas forte o suficiente, para ser usada em pneus. A fibra acabou por ser muito mais resistente do que o esperado e hoje é uma dos materiais mais fortes da terra.
Kevlar veio mudar e revolucionar muitas industrias e hoje é usado em milhares do produtos: o colete à prova de bala costumava ser um pesadelo para soldados ou policias, hoje são uma peça leve e super resistente devido ao material. É usado, também, por exemplo, na construção de equipamento de ski, capacetes, sapatos (a Nike foi uma das primeiras recorrer à fibra), equipamento dos bombeiros (resiste a altas temperaturas), raquetes de ténis, cordas e cabos, travões e tantos outros produtos.
Devido à sua invenção, Stephanie recebeu inúmeros prémios e galardões, sendo que continua a ser, até aos dias de hoje, a única mulher galardoada com a medalha da Dupont Lavoisier Medal. Entre tantos outros feitos, foi em 1995 incluída no hall da fama dos inventores e, em 1996, recebeu a medalha nacional americana de tecnologia. Em 2003, chega ao hall da fama das Mulheres nos Estados Unidos. Stephanie faleceu em 2014, com 90 anos.
Ruth WakefieldWakefield foi uma chef de cozinha americana que, em 1938, imaginou o que talvez seja a invenção mais saborosa de sempre.
O gosto pela cozinha nasceu com Ruth, que tirou o curso de nutricionista e ainda deu aulas sobre o tema durante um curto período de tempo. Mas, em 1930, mudou-se com o marido e o filho de ambos para uma pousada turística que o casal tinha acabado de comprar em Whitman, Massachusetts. Este era um local histórico onde passava muita gente, que aqui aproveitava para descansar, comer refeições caseiras e discutir a atualidade politica do país. Ruth e o seu conjuge deram ao local o nome de "Toll House Inn", e Ruth ficou responsável pela cozinha e todas as refeições, enquanto o marido se ocupava dos alojamentos.
Rapidamente, a comida de Ruth ganhou fama local e entre os visitantes, sobretudo os seus pratos de lagosta e as suas mais que deliciosas sobremesas. Mas a invenção que viria mudar a sua vida deu-se em 1938, quando Ruth, enquanto fazia as suas famosas bolachas, decidiu tentar algo novo e colocar umas pepitas de chocolate de uma barra da Nestlé "semi-sweet" na massa das bolachas. Diz a lenda que a invenção foi um acidente e que Ruth esperava que o chocolate derretesse e apenas desse alguma cor às mesmas: ela negou este facto até ao dia da sua morte e sempre afirmou que a mesma foi intencional.
Certo é que foi assim que nasceram as renomadas chocolate chip cookies - bolachas de pepitas de chocolate -, às quais Ruth deu o nome de Toll House Crunch Cookies. As bolachas foram um sucesso imediato com a sua receita a ser publicada num jornal de Boston (uma das maiores cidades americanas) e no livro de receitas que a mesma lançou em 1938. Ruth, em pouco tempo, ficou sem conseguir dar resposta a todas as encomendas.
No mesmo ano, um facto curioso chamou a atenção na sede da Nestlé: as suas barras de chocolate "semi-sweet" tinham disparado as vendas nos Estados Unidos. Rapidamente, os seus executivos perceberam que isso se devia à invenção de Ruth e chegaram a um acordo com a mesma. A Nestlé usava nas embalagens do chocolate a receita e o logo da Toll House Inn e, em troca, oferecia 1$ e fornecia de forma vitalícia as barras de chocolate a Ruth. Isto mudou para sempre a indústria das bolachas nos Estados Unidos e no mundo.
Durante a Segunda Guerra Mundial, eram incontáveis os soldados americanos que enviavam cartas aos familiares a pedir para lhes enviarem as bolachas de chocolate. Ruth recebeu centenas de milhares de cartas vindas de todo o mundo a pedir a receita das bolachas. Até hoje, as bolachas de pepitas de chocolate são as mais vendidas nos Estados Unidos e no mundo, e as suas receitas das mais pesquisadas na Internet. Ruth morreu em 1977, aos 73 anos. Este ano de 2018, o jornal New York Times publicou em homenagem a Ruth o seu obituário tardio.
Patricia Bath
Todas as invenções de uma forma ou de outra são muito importantes, mas existe uma aérea onde as mesmas são vitais e de extrema importância para a humanidade, que é a da saúde.
Foi nesta área que Patricia Bath, uma mulher afro-americana, fez a sua maior descoberta. Patricia nasceu em Nova Iorque, em 1942, e desde cedo começou a destacar-se na escola como uma aluna brilhante. Isso não passou despercebido aos seus professores e ao seu pai, que lhe ofereceu em tenra idade o seu primeiro microscópio. Patricia era excelente aluna em toda as matérias, mas as suas paixões e onde se excedia era em biologia, ciências e matemática. Foi no liceu onde ela deu os primeiros passos nessas vertentes e chegou a editora do jornal de ciências do liceu. Ganhou também ainda no liceu inúmeros prémios, alguns deles estatais e outros nacionais (estes últimos muito difíceis de arrecadar nos Estados Unidos, onde milhões de alunos lutam pelo o mesmo). Patricia era de tal maneira avançada que conseguiu o diploma do secundário em apenas 2 anos e meio. Ainda em adolescente, ganhou vários prémios por trabalhos apresentados em inúmeras revistas de ciência americanas e internacionais.
Licenciou-se em medicina e fez inúmeros doutoramentos nas melhores universidades americanas nas áreas da Medicina, Ciência e Biologia. Foi num desses doutoramentos, na especialidade de oftalmologia da Universidade de Columbia, que Patricia começou a estagiar em diversos hospitais da região. Ao longo desse tempo, começou a notar algo de anormal: as pessoas mais carenciadas eram as que mais incidência tinham em problemas oftalmológicos, como as cataratas. A diferença para as classes mais ricas era avassaladora. A partir desse momento, a sua vida viria a mudar para sempre: Patricia viria a dedicar-se aos mais carenciados e a concentrar-se totalmente na oftalmologia.
Ser mulher e ainda por cima afro-americana naquela época não era um fado sem dificuldades associadas, pelo que tudo o que alcançou foi com enorme esforço. Consciente dos obstáculos que enfrentava diariamente, começou a ajudar pacientes de comunidades afro-americanas e também doentes carenciados de outras comunidades que tinham problemas graves oftalmológicos. Em 1976, Patricia foi co-fundadora da "AIPB" (Instituto Americano para a Prevenção da Cegueira), onde o lema do instituto/organização era "proteger, preservar e restaurar o privilegio da visão, para todas as pessoas, sem olhar a raças, sexo, idade ou classe social".
Foi em 1981 que Patricia fez o seu maior feito, ao inventar o Laserphaco ProbeI, uma ferramenta cirúrgica que usa um laser para remover as cataratas. Mas, devido à sua invenção ser demasiado avançada para a época, não foi até 1986, enquanto estudava e investigava a tecnologia laser em Berlim, Alemanha, que conseguiu concluir a sua invenção. Em 1988, era-lhe atribuída a sua primeira patente - foi a primeira mulher afro-americana a ser dada um patente para uso médico. Nos anos que se seguiram, Patricia foi melhorando a sua invenção e foram-lhe atribuídas mais 4 patentes nos Estados Unidos, e inúmeras outras na Europa, Japão, Canadá e muitos outros países. Graças à sua criação foram muitos os pacientes que voltaram a ter visão, muitos deles não viam há décadas.
Patricia foi a primeira mulher e também a primeira afro-americana a conseguir inúmeros feitos, mas, segundo palavras da mesma, nada disso se compara ao conseguir salvar a visão de um doente ou fazer alguém ver novamente. A sua invenção foi pioneira e um marco histórico na cirurgia das cataratas e propulsora de outras que se seguiram. Patricia tem hoje 75 anos de idade e entre outras coisas, ainda vai dando aulas e palestras por todos os Estados Unidos.