Num disparo de perguntas que apanha Irina Shayk - a modelo, a mulher, o ícone - em discurso direto, este é um exercício de estilo que coloca a supermodelo ao centro. Sem filtros. Sem subterfúgios. Sem referências que possam induzir a clickbait.
Num disparo de perguntas que apanha Irina Shayk - a modelo, a mulher, o ícone - em discurso direto, este é um exercício de estilo que coloca a supermodelo ao centro. Sem filtros. Sem subterfúgios. Sem referências que possam induzir a clickbait. Quisemos apostar no impossível, por isso fizemos uma entrevista onde se procura o mais cobiçado alvo: o equilíbio entre bom senso e bom gosto.
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©Fotografia de Branislav Simoncik. Realização de Michael Philouze.
©Fotografia de Branislav Simoncik. Realização de Michael Philouze.
Enviei cerca de vinte perguntas a Irina Shayk (Yemanzhelinsk, Rússia) numa manhã de sábado, cinzenta e fria, longe do verão a que estamos habituados mas, na verdade, o que gostaria de ter feito era mandar-lhe um telegrama cantado, ou um gigantesco ramo de flores, com um bilhete a dizer “It’s O.K.” Além das perguntas, claro. O ego de uma jornalista nunca fica indiferente a estas oportunidades de comunicar com uma mega-estrela, ainda que por e-mail. Não, Shayk não está febril, não está constipada, não apanhou uma intoxicação alimentar. Shayk é, isso sim, vítima diária de centenas de ataques de mau gosto, sob a forma de fake news e suposições estrambólicas que não lembram à assessoria de imprensa de Donald Trump.
Basta escrever o seu nome no Google. Em segundos, surgem perto de 28 milhões de resultados. Quase todos referem o antigo relacionamento da modelo com um ator americano, em variantes mais ou menos trágicas e depreciativas, como se a sua vida, e a sua carreira, dependessem do desfecho daquela história de desamor. “Irina Shayk continua a acreditar no casamento”, “Irina Shayk vista a passear com homem misterioso”, “Irina Shayk apoia-se na mãe após separação” são alguns dos títulos que saltam à vista. Pelos piores motivos. São dos poucos onde não encontramos alusão direta ao nome do pai da sua filha, Lea De Seine, que, num esforço de feminismo desmesurado tentaremos omitir, para que a protagonista seja, apenas e só, Irina. O mundo inteiro está farto de saber quem (ele) é.
Não recordo nenhuma notícia, em português, que mencione um dos últimos trabalhos da top, um original anúncio para a Moschino orquestrado pela elite da indústria (fotografia de Steven Meisel, realização de Jason Duzansky, styling de Caryn Cerf de Dudzeele, cabelos de Guido Palau, maquilhagem de Pat MacGrath) onde contracena com Joan Smalls e Gigi Hadid - uma espécie de briga de mulheres ao jeito da série “Dinastia”, com altas doses de glamour, bom humor e irreverência, noções tão próximas a Jeremy Scott, diretor criativo da casa italiana. A campanha tem recebido críticas bastante positivas desde o seu lançamento, no início do mês de julho, só que, aparentemente, essa parte não é tão apelativa para os viciados no clikbait. Irina Shayk tem plena noção disso. “Qual é a maior ideia errada a seu respeito?”, atiramos. ”O maior equívoco a meu respeito... Há tantos, que não consigo acompanhá-los.”
“O epítome do mau gosto é a interferência no espaço pessoal de outra pessoa. O arquétipo do bom gosto é o respeito às outras pessoas.”
Primeira pergunta: esta edição da Vogue é sobre o gosto. Bom gosto e mau gosto. Como definiria gosto? “Para mim, gosto consiste em inúmeras referências pessoais em [termos de] roupa, cabelo, estilo de maquilhagem, comportamento, e todas essas pequenas escolhas que criam uma perceção de uma pessoa. As escolhas de uma pessoa com bom gosto são relevantes para a situação e, ao mesmo tempo, são originais, o que faz com que a pessoa pareça única.” Segunda pergunta: numa nota mais pessoal, o que considera ser o epítome do mau gosto? E o arquétipo do bom gosto? “O epítome do mau gosto é a interferência no espaço pessoal de outra pessoa. O arquétipo do bom gosto é o respeito às outras pessoas.” Não estou frente-a-frente com Irina Shayk e, por um lado, ainda bem, porque sinto aquele olhar de gata a fulminar- me a espinha. “Tenho a certeza de que ela deve ter achado que a entrevista ia descambar num enorme exercício de mau gosto”, penso, ao ler as respostas.
Ainda não me sinto muito confiante sobre ter encontrado o Santo Graal da vida da modelo russa que começou a tocar piano aos seis anos (“A minha mãe é pianista e a música era uma parte importante da nossa vida. Eu nunca quis ser artista musical, mas amo profundamente a música e não posso imaginar a minha vida sem ela”, confessará mais tarde), mas julgo estar em posição de reafirmar o que uma colega que esteve com ela há uns anos me disse: “A Irina Shayk é um mulherão. As respostas saem-lhe que nem tiros.” É isso que se segue. Queremos saber o que é pior, de uma pequena lista de tesourinhos deprimentes: telemóveis à mesa, mexericos, pessoas que ocupam o passeio inteiro, não segurar a porta para quem vem atrás de nós, tirar fotos de estranhos e gozar com eles, cortar as unhas em público... “Eu não sei o que é pior - hoje em dia, as pessoas com telemóveis à mesa são a triste realidade do século XXI, mas todas essas ações se resumem à mesma coisa: se respeita as outras pessoas e o seu espaço pessoal, mostra isso com as suas ações.”
E, para contrabalançar, pedimos-lhe que escolha um destes atos de bondade: dizer “obrigada” mais vezes, abraçar alguém, elogiar um estranho, sorrir sem motivo aparente, deixar dinheiro numa máquina de venda automática, escrever uma nota de agradecimento... “Definitivamente ser educado e gentil com todas as pessoas - é um dos valores fundamentais para mim.” Obviamente preocupada em manter a sua privacidade, Irina não hesitou em fazer parte de um editorial que brinca com o conceito de recreação de fotografias de Moda, e logo com a rainha do género, Celeste Barber. Um sinal claro de que está disposta a quebrar as barreiras dos trabalhos associados às modelos de topo. E de que não teme a concorrência de uma das mulheres mais admiradas do Instagram. “Eu adoro a Celeste Barber e sigo o seu trabalho, adoro o seu sentido de humor e o quão engraçada ela é. Ela sente-se tão bem na sua própria pele e é tão confiante, linda - é uma mulher incrível, forte e encantadora.” Um sinal de bom gosto, em suma.
“Tive muita sorte na minha carreira, decididamente, e tive a oportunidade de trabalhar com as pessoas mais talentosas da indústria da Moda.”
O affaire de Irina Shayk com a Moda remonta a 2004, quando o lendário caça-talentos Guia Jikidze, que também descobriu Natalia Vodianova, a encontrou numa competição de modelos local. Foi o scout, já falecido, que a levou para Paris, onde três anos depois se tornaria a cara da marca de lingerie Intimissimi (a parceria dura até hoje). Em 2011, foi capa da Sports Illustrated Swimsuit Issue e a sua carreira disparou. A transição para modelo high fashion veio com a ajuda de gurus como Carine Roitfeld, que nunca hesitaram em escolhê-la para os seus editoriais e, assim, Miss Shayk rapidamente passou de bombshell a top model - desfilou, mais do que uma vez, para Marc Jacobs, Miu Miu, Givenchy, Versace, Burberry, Max Mara ou Bottega Veneta; em 2015, assinou o ultra-cobiçado contrato com a L’Oréal; e, no final de 2016, fez a sua estreia na passerelle da Victoria’s Secret... grávida e ultra poderosa.
À altura do fecho desta revista, faz parte da reduzida lista de Industry Icons do site Models.com, que mede as preferências da indústria, e acumula capas das várias edições internacionais da Vogue - este ano, e já contando com o presente número da Vogue Portugal, foram seis as vezes que Irina deu a cara pelo título. E, depois, há as redes sociais. Só no Instagram contabiliza mais de 12 milhões de seguidores, mas usa-o de forma discreta, dando especial ênfase aos projetos profissionais. “Vejo as redes sociais como uma parte do meu trabalho, uma vez que ser modelo no século XXI não pode existir sem [uma presença nas] redes sociais.” Será isto a definição de um percurso meticulosamente planeado?
“Tive muita sorte na minha carreira, decididamente, e tive a oportunidade de trabalhar com as pessoas mais talentosas da indústria da Moda - como os meus recentes trabalhos com o Steven Meisel para a Moschino, Burberry, ser a cara da Versace. Sinto-me abençoada por ter uma ótima equipa que trabalha comigo, principalmente o meu agente Ali Kavoussi, que sem dúvida toma as melhores decisões profissionais para mim.” É esse entourage que Irina nunca esquece. Nem quando a questionamos sobre a melhor forma de lidar com as responsabilidades, e dizer não. “Tenho uma fantástica equipa de profissionais que diz não aos trabalhos que não são importantes para a minha carreira. Tenho muita sorte em ter os melhores agentes do mundo e em confiar totalmente neles.” E depois há o outro lado. Mesmo sendo conhecida pela sua postura privada, Irina não se coíbe de mencionar as mulheres da sua vida, como a mãe Olga, a irmã Tatiana e a avó Galina, e os amigos, como Riccardo Tisci ou Donatella Versace. “A amizade e a família são a base da minha vida. Sou abençoada por ter um pequeno grupo de amigos que me conhecem há anos e que me amam tal como sou. Eles apoiam-me sempre e posso partilhar qualquer coisa com eles. Vêm de diferentes origens, vivem em países diferentes, têm empregos diferentes, mas todos têm um grande sentido de humor, são criativos e têm personalidades fortes.”
“A amizade e a família são a base da minha vida. Sou abençoada por ter um pequeno grupo de amigos que me conhecem há anos e que me amam tal como sou. Eles apoiam-me sempre e posso partilhar qualquer coisa com eles.”
A Vogue tinha estado recentemente com Irina na cidade-luz, no lançamento da nova fragrância de Jean-Paul Gaultier, Scandal À Paris, da qual é embaixadora. Na altura, os tablóides ainda não se alimentavam diariamente da sua ruptura com o tal ator, como se o mundo não tivesse outras preocupações. Aquela noite significava a conquista de um marco com dupla importância: era a primeira vez que a modelo surgia como rosto de um perfume, e era também a sua estreia com o criador francês. “Ele é um daqueles homens que não tem medo de arriscar, de quebrar barreiras na Moda – na verdade, ele cria a Moda, ele não é um seguidor. Foi um dos primeiros a trazer personalidades diferentes, formas diferentes e raparigas diferentes, para as passerelles, que considerava modelos. Não teve medo de ser julgado e fez grandes mudanças na Moda e na história da Moda.” Além de se ter apaixonado pelo aroma, que combina mel, pêra e jasmim, Shayk ficou entusiasmada com o conceito do anúncio televisivo que dá vida ao perfume. “Normalmente, num set de modelos, encontramos sempre modelos perfeitas, o fotógrafo perfeito, a luz perfeita. Aqui, foi como um set de cinema, onde estavam mesmo personagens verdadeiras. Havia duas irmãs gémeas, um chef, uma mulher a segurar lagostas. Foi como um momento real da nossa vida, rodeados de pessoas cool e carismáticas que me fizeram mesmo sentir parte daquele mundo.” A atriz espanhola Rossy de Palma, amiga pessoal de Gaultier, é uma das protagonistas que ajuda a dar um toque de realidade e diversão a este Scandal À Paris - que por si só seria über glamouroso e sexy.
Foi também esse lado terra-a-terra que interessou Irina, porque o facto de aparecer perante os jornalistas de todo o mundo com um vestido-blazer de ombros estruturados (Gaultier) e stilettos infinitos não significa que esse seja o seu uniforme diário. “Hoje, estou a usar saltos altos e maquilhagem, mas quando acordo não sou assim. Ponho o meu cabelo num rabo-de-cavalo, não uso maquilhagem e uso roupa confortável. Eu separo a ideia de imagem perfeita que o meu trabalho exige e quando não estou a trabalhar, sou eu. Continuo a ser eu neste momento, mas sei que não é assim que eu quero andar o dia todo, eu gosto de andar confortável, tenho muitas coisas para fazer ao longo do dia e sou mãe.” De volta ao e-mail: queremos saber, precisamente, se a maternidade mudou a forma como interage com o mundo. Sente que está mais consciente das coisas ao seu redor? “A maternidade tornou a minha vida muito mais excitante e bonita, e sou muito grata por isso.”
Há alguma peça de roupa que nunca usaria? (imagino os seus enormes olhos translúcidos a revirarem-se com impaciência, como qualquer Capricórnio) “Julgo que, como modelo e como pessoa que ama desafios e experimentar novas coisas, eu usaria qualquer peça de roupa para uma sessão fotográfica.” Acha que o seu estilo evoluiu desde que começou a trabalhar como modelo? (bocejo, tenho a certeza) “Não sei como descrever a minha fashion persona. Deveria perguntar a outra pessoa, não a mim. O meu estilo desenvolveu-se através da minha vida e da minha carreira, e eu mudei comigo. Todos os dias aprendo algo novo, viajo, conheço novas pessoas, e o meu estilo muda comigo.” As rugas incomodam-na? “Eu acho que as mulheres ficam mais bonitas e sofisticadas com a idade. Eu tenho rugas, nas não tenho medo do [processo de] envelhecimento. Julgo que todas as idades têm a sua beleza e não tenho receio de envelhecer.” E como se vê daqui a dez anos? Tem algum desejo secreto, como iniciar uma marca, investir no cinema, abrir uma agência de modelos? “Acho que sou uma pessoa que vive o [dia de] hoje. Tenho planos e sonhos, mas prefiro não os compartilhar porque na Rússia acreditamos que, se se compartilhar um sonho, ele não se tornará realidade.” Irina, sei que não devo comentar as tuas respostas, mas no teu lugar também não contava nada a ninguém.
Artigo originalmente publicado na edição de agosto de 2019 da Vogue Portugal.