Inspira-se em movimentos artísticos como o Renascimento, mas também em gatos, botões, telhados, compota ou pickles de gengibre. Esta é a maquilhadora que se inspira, literalmente, em tudo para criar looks de cortar a respiração. Se o rosto da atriz Lucy Boynton ocupa a sua pasta de “guardados” no Instagram, deixe a Vogue apresentá-la à responsável por isso: Jo Baker.
Inspira-se em movimentos artísticos como o Renascimento, mas também em gatos, botões, telhados, compota ou pickles de gengibre. Esta é a maquilhadora que se inspira, literalmente, em tudo para criar looks de cortar a respiração. Se o rosto da atriz Lucy Boynton ocupa a sua pasta de “guardados” no Instagram, deixe a Vogue apresentá-la à responsável por isso: Jo Baker.
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Como era a Jo em miúda? Já fanática por maquilhagem?
Era uma adolescente super ativa, andava a cavalo, participava em corta-matos, aprendi a pilotar pequenos aviões na RAF Air Cadets. Experienciava o lado verdadeiramente aventureiro da minha personalidade. Isto para dizer que estava muito ocupada, mas a arte estava sempre à frente de tudo. Adorava arte, aguarelas, desenhar com carvão, giz, pinturas a óleo, acrílicos... Adorava tudo! No meu primeiro ano da escola secundária, fui apanhada a pôr cola de glitter nos lábios de um amigo só porque queria ver como ficava. Naturalmente, com o interesse em arte e em rostos... veio a maquilhagem. Lembro-me de me sentar em frente ao espelho de pernas cruzadas durante horas a usar a maquilhagem para esculpir e sombrear as partes do meu rosto de que eu não gostava, através da iluminação. Insegura, jovem e a querer sentir-me bonita enquanto adolescente, acabei por descobrir quão valiosa era a maquilhagem para aumentar a minha confiança e me ajudar a passar por aqueles anos estranhos. Praticava em todos os meus amigos, usava glitter turquesa e fazia aquele olho azul fosco.
Crescer em Londres contribuiu para uma grande parte do meu desenvolvimento criativo. Sentia-me influenciada por tudo o que estava à minha volta. Tudo desde a cultura pop à música, arquitetura, história, o movimento punk, gótico, grunge, as Spice Girls, os guardas da rainha e os seus uniformes, as árvores, o tempo tipicamente inglês. Basta dizer que está tudo arquivado no meu cérebro como tendo tido um efeito em mim. A diversidade multicultural fazia de Londres uma cidade muito vibrante visualmente, com toda a sua autoexpressão e Moda de todo o tipo. Costumava ficar colada nos quiosques a vibrar com a i-D, a Dazed & Confused, a Spoon Magazine, a Pop Magazine, a Vogue Itália, e maravilhada com os editoriais longos com styling, cabelo e maquilhagem loucos, com nomes dos meus ídolos, Pat McGrath, Val Garland, nos créditos! Estava viciada e sabia desde logo que era isso que queria fazer.
Começou por trabalhar num balcão da MAC. O que é que se aprende a maquilhar pessoas tão diferentes todos os dias?
Era o balcão da MAC no Selfridges London, na altura era a MAC mais ativa do mundo. No momento em que as portas se abriam, um mar de caras aparecia a pedir para encontrar o tom de base certo, fazer um novo look, testar batons, descobrir o pó perfeito ou perceber a preparação ideal para ajudar com os problemas de pele. Era intenso e aprendi imenso lá. A MAC encorajava os nossos trabalhos de freelancer, por isso era um sítio seguro para os artistas aprenderem, crescerem e construírem uma reputação! Tendo vindo da London College of Fashion, onde fiz um curso de maquilhagem bastante básico, esta experiência prática foi fantástica. Não só aprendi muito rápido como encontrar as cores certas para qualquer etnia de forma perfeita, como também li imenso sobre as diferentes tendências culturais e tradições relacionadas com maquilhagem. Por exemplo, algumas mulheres queriam uma base que fosse claramente mais clara que o seu tom de pele. Outras eram extremamente fãs de estar cheias de bronzer e excessivamente bronzeadas.
Foi uma educação incrível, observar o comportamento humano e a psicologia com a arte, àquele ritmo. Aprendi a ouvir, a respeitar e a navegar pelas ferramentas para ajudar as mulheres a chegarem aos resultados que desejavam. É um momento muito íntimo e até vulnerável para uma mulher ver um estranho num balcão de maquilhagem e discutir com ele as suas inseguranças e imperfeições, como cobrir uma cicatriz, por exemplo. Sentia-me inspirada para fazer as pessoas sentirem-se na sua melhor versão com a maquilhagem que tinha à minha frente, era muito recompensador!
Também chegou a fazer desfiles, a dada altura. Como é que foi essa experiência?
Eu estava hipnotizada pela Moda e belo buzz dos desfiles até ter experienciado trabalhar em alguns.... Descobri que havia um mar de bancadas de maquilhagem, uma atmosfera frenética que era alimentada por uma pressão para que toda a gente fosse perfeita. Horas de preparação e espera nos bastidores rapidamente se convertiam nuns passos rápidos numa passerelle e depois acabava tudo. Naquele momento, ao estar só a assistir e não a desenvolver o show ou a desenhar os looks, sentia-me um bocadinho vazia depois. Ninguém conseguia distinguir a minha maquilhagem de todas as outras, o que suponho que seja o objetivo [num desfile de Moda]. Pensei que se não podia mostrar o meu trabalho, o meu estilo, então estava só a criar a visão e as ideias de outras pessoas, o que não me satisfazia.
O Usher foi o seu primeiro grande cliente, e serviu de entrada para o universo de Los Angeles. Como é que isso aconteceu?
Um amigo meu, fotógrafo, estava a fotografar o Usher para a Smash Hits Magazine UK e perguntou-me se eu estava disponível e queria fazer a maquilhagem. O Usher tinha uma energia incrível e elogiou o meu estilo e a minha abordagem. Depois da sessão pediu ao seu manager para me contratar para tudo aquilo que ele estivesse a fazer. Antes de conseguir sequer respirar já estávamos a viajar pela Europa fora a promover o seu novo single na altura, o Yeah, e o álbum Confessions. Ele explodiu assim ao nível Elvis [Presley]. Passei um ano e meio na estrada a viajar pelo mundo com o Usher e a sua equipa, a quem chamo a minha primeira família americana... Fazer uma tourné, aprender sobre maquilhagem para atuações ao vivo, o negócio, como viajar com maquilhagem... Fiz isso tudo ali. Sinto que foi o meu curso de base para a indústria do entretenimento e estava completamente viciada em toda essa magia.
Acabou por fazer grooming e maquilhar praticamente apenas homens durante muito tempo. Quando é que se decidiu focar nas mulheres? E quão diferentes são esses dois universos?
Estava só a fazer grooming e a trabalhar com clientes masculinos porque eles pareciam ligeiramente mais fáceis para começar. As suas exigências eram simples e desde que os fizesse ficar com bom aspeto toda a gente estava feliz... menos eu. Eu nunca quis ser uma groomer masculina, mas estava entusiasmadíssima por ter tantos talentos gigantes a trabalhar comigo e com quem podia aprender sobre a indústria. Lembro-me que estava a trabalhar com várias produtoras de música e depois de alguns anos tinha um batalhão de estrelas masculinas comigo. Mas ser uma boa groomer masculina tornava-me invisível para as artistas femininas com quem eu queria desesperadamente trabalhar. Foi uma transição difícil, mas para ser levada a sério enquanto maquilhadora tinha de parar de trabalhar com os meus clientes homens, de vez, e mostrar às pessoas a minha verdadeira criatividade, para sair do estereótipo em que estava a ser colocada. Os clientes achavam que eu só podia fazer o que eles me viam a fazer, por isso concentrei-me em qualquer cliente feminina que me quisesse e as coisas rapidamente evoluíram quando comecei a ganhar confiança criativa.
E a ganhar liberdade criativa.
Foi um alívio enorme... Fui do Usher, Kanye, 50 Cent, Eminem e Robin Thicke até ao George Clooney... E até artistas mais desconhecidos como a Robyn que estava a estrear-se na América. E eu pensava “como é que posso trazer mais visibilidade à Robyn?”. Ela deixou-me fazer um eyeliner louco nela e ambas adorámos. Genuinamente, senti um alívio por ter a oportunidade de trabalhar com mulheres talentosas cuja música era tão inspiradora e estava a despontar. De repente, os looks e a criatividade não tinham qualquer tipo de limites. Com os videoclipes e as fotos de álbuns, senti que estava de volta ao caminho certo para trabalhar com gigantes da indústria como a Melina Matsoukas, com quem trabalhei numa série de videoclipes, com briefings épicos e criativos, a Fatima Robinson, que é uma diretora criativa e coreógrafa lendária... Estava rodeada pelo tipo de pessoas que põe simplesmente energia criativa em ti e te ajuda a sério!
Hoje faz muitas passadeiras vermelhas, mas com uma abordagem à maquilhagem muito fora da caixa. Quão fácil é convencer os clientes a fugir ao óbvio e a correr riscos?
É mais fácil do que costumava ser, isso é certo! As mulheres que eu maquilho são mais experimentais hoje em dia e os meus clientes ao longo dos anos aprenderam a confiar nas minhas ideias mirabolantes. As pessoas veem como eu e a Lucy [Boynton] nos divertimos e acho que isso lhes dá confiança para tentar coisas e não levar a maquilhagem tão a sério. Acho que as mulheres estão cada vez mais a sentirem-se menos obrigadas a jogar pelo seguro no que diz respeito a cabelo e maquilhagem e a usar isso como ferramenta para mostrar a sua personalidade, estilo e gosto. Cada momento na red carpet é uma oportunidade para um novo alter ego emergir... Com um ótimo styling, cria-se um momento ideal para a diversão e um pouco de fantasia – é sobre isso que se trata nesta indústria! Tender para combinações de cores audazes, com acabamentos editoriais na pele, formas poucos usuais e inesperadas e têxteis dramáticos podem trazer uma modernidade à passadeira vermelha, que tem estado parada no modo glamour clássico há décadas. Estou supercontente por estar na frente de tudo isso – a respirar nova arte e ideias num palco para o mundo!
Foi sempre assim?
Mudou muito nos últimos anos. Passámos de querer ser iguais aos nossos ídolos e estar o mais bonitas possível até uma mensagem muito mais desenvolvida. Há toda uma nova onda de liberdade e autoaceitação. As mulheres não querem só ser bonitas. Queremos destacar-nos, sentir-nos mais fortes, inteligentes, únicas, enquanto celebramos quem somos de uma forma positiva e saudável! Em vez de aspirarmos à imagem da beleza publicitada, estamos agora a celebrar a beleza e o corpo em todas as formas e tamanhos, de todos os backgrounds étnicos, o que – e acho que toda a gente vai concordar – é um sinal de alívio. Finalmente podemos ser todos bonitos e encorajados a sentirmo-nos bem connosco mesmos e não com aquilo que nunca vamos ser! Estamos no meio de uma revolução na beleza... Por isso, a chave é mesmo deixar de tentar pertencer e mais tentar destacar-se!
Li que não planeia nenhum look, nem para a gala do MET. É verdade?
Sim, é verdade, nem sequer para a gala do MET! Nem nunca testei um look ou pratiquei algo com antecedência. De alguma forma, as ideias acabam por fluir e ganhar vida enquanto olhamos para o vestido e discutimos opções para cabelo e maquilhagem. A chave para isto resultar é estar sempre preparada para tudo... Por isso se for preciso ter pequenas luas cor de rosa com pérolas coladas na pálpebra... Tenho de saber que elas estão no meu kit ao lado de outro tipo de contas, brilhos, papel, glitter, sombra, em todas as cores possíveis, tudo preparado para ser colado no sítio. O meu kit é relativamente pequeno... Mas a mala do meu carro está completamente cheia, com um arquivo de diferentes kits extra. E isto inclui desde glitter em todas as cores do arco-íris até paletas em todas as sombras muted, até néons vibrantes ou cores muito metálicas. Precisam de estar prontos e disponíveis para que qualquer look que eu imagine possa ser executado de imediato. Não há tempo para “se eu tivesse brilhantes azul pastel...”. Já tenho isso e está pronto a agarrar, o que ajuda a estar completamente envolvida em criar ideias que são fora da caixa!
Como é que conheceu a Lucy Boynton e como é trabalhar com ela?
A Lucy e eu conhecemo-nos num editorial, há cerca de três anos, e lembro-me de ter adorado estar com ela desde o primeiro dia. Duas miúdas de Londres que adoram arte, Moda, música, cinema, criatividade. Tornámo-nos amigas muito rápido! Na verdade, na segunda sessão fotográfica que fizemos juntas, lembro-me de lhe pôr uma sombra de olhos cor-de-rosa néon ao longo da pálpebra e imensa máscara de pestanas para o look e é como se não tivéssemos parado de nos divertir desde então. Ela é um sonho para se trabalhar, divertimo-nos mesmo muito a trabalhar juntas!
Ao olhar para os seus trabalhos e looks, vemos que há algo de muito experimental, mas que, ao mesmo tempo, mantém uma elegância. Como é que se encontra esse equilíbrio?
Estudo o equilíbrio natural do rosto, percebendo o que quero evidenciar nesse dia e o que quero que passe mais despercebido, o equilíbrio é a chave para todos os meus looks. Nunca quero que a maquilhagem ofusque o vestido ou o cabelo. Quero que tudo se complemente perfeitamente. É também importante para mim que o look favoreça, já tive muitos maridos e namorados das minhas clientes a elogiar os looks que eu criei e a dizer que é bom ver maquilhagem tão diferente e que parece tão cool. O que é um enorme elogio, quando um casal aparece lado a lado. Muitas pessoas preferem os companheiros sem maquilhagem em vez de em demasia. Por isso, tenho sido bastante consciente em criar looks com um balanço que acaba por não ser demasiado ao ponto em que pode parecer teatral. Quero que as minhas miúdas pareçam e se sintam cool, por isso ter o fixe do marido ou das namoradas ou amigas é super significativo e faz-me sentir que esse balanço está perfeito!
Para aqueles que normalmente jogam mais pelo seguro com a maquilhagem, o que é que aconselharia para começar?
Os tons pastel podem ser uma ótima forma de experimentar usar cores! Aqueles tons doces e suaves parecem inocentes e podem facilmente adicionar uma doçura e um toque feminino a toda uma aparência. Foram muito usados no ano passado e acredito que vão continuar a aparecer em força este ano porque ficam bem em qualquer tom de pele e em qualquer idade! A maquilhagem pode ajudar a mostrar ao mundo os diferentes moods em que se está, seja o primeiro dia num trabalho novo, ou um encontro romântico, um enorme pitch ou um dia normal no tribunal. A maquilhagem pode ser uma forma subtil de conseguir o tom certo.
No Instagram vemos que muitas das suas ideias vêm dos sítios mais aleatórios. É seguro dizer que a Jo se inspira em literalmente tudo?
Grande parte da minha carreira é passada em corredores, aeroportos, trânsito, e parques de estacionamento. Ando sempre de olhos abertos e acabei por começar a olhar mais profundamente para diferentes objetos. Por exemplo, estou a olhar para uma parede de cimento, mas como é que sabemos que é cimento? O tom, a textura, a crueza e o acabamento industrial... Até a temperatura ao toque nos diz que aquilo é cimento. Comecei a estudar tudo, a querer perceber a sua composição e perceber o que é que usar este material podia trazer para a estética, design ou praticidade. Outro exemplo é o pão com compota, que me lembra desde logo a minha infância em casa em Inglaterra, por isso esses tons usados de certa forma conseguem trazer nostalgia, memórias e bons sentimentos...
Portanto, a maquilhagem é o meio, mas o meu cérebro é definitivamente inspirado por tudo aquilo em que toco e vejo todos os dias. Às vezes estamos num sítio escuro e húmido a fotografar às quatro da manhã, e em vez de me sentir aborrecida encontro inspiração em como a luz está a incidir sobre a poça suja ao lado do caixote do lixo. É nestes momentos mais azedos que muitas vezes encontramos os tons mais bonitos de cinzento, lama, toupeira, uma mancha de óleo na água, as muitas cores do petróleo quando está numa superfície macia. É tudo muito bonito quando nos damos esse tempo para o observar.
Agora, sente algum tipo de pressão para criar os próximos looks?
Sim, mas só a pressão saudável que ponho em mim mesma. Quero criar looks para os meus clientes que são entusiasmantes e diferentes do que já fiz antes. Gosto do desafio e da expectativa para dar às mulheres com quem trabalho algo novo! Tenho algumas coisas no meu kit que estou morta para usar... Por isso, preparem-se que há mais arte e criatividade a caminho!
Artigo originalmente publicado na edição de março de 2020 da Vogue Portugal.
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