Ser underground é ser disruptor. Do status quo, do estabelecido, das normas sociais. Mas ser underground é também ser brutalmente honesto. E a honestidade é a maior disrupção de todas. Jo Fetto descobriu-o naturalmente: quis apenas partilhar a sua verdade, nua e crua. E acabou por trazer à superfície a quebra de estereótipos, com a sua fotografia.
Ser underground é ser disruptor. Do status quo, do estabelecido, das normas sociais. Mas ser underground é também ser brutalmente honesto. E a honestidade é a maior disrupção de todas. Jo Fetto descobriu-o naturalmente: quis apenas partilhar a sua verdade, nua e crua. E acabou por trazer à superfície a quebra de estereótipos, com a sua fotografia.
Nasceu em Nápoles, mas chama casa a Londres, onde tirou o curso de Fotografia de Moda, no London College of Fashion. Falar do seu trabalho enquanto documental está mais próximo da verdade do que o título da sua licenciatura: é verdade que também colabora nessa vertente com inúmeras publicações, mas a expressão mais verdadeira da sua obra é aquela que documenta a sua vida ao imortalizar os seus arredores e ambientes em imagem. Be my nest, o livro de fotografia que lançou no final de 2020, é a confirmação mais óbvia: ao retratar a sua família e amigos nos ambientes mais íntimos, nos seus “ninhos”, quis mostrar um lado da comunidade, nomeadamente da comunidade queer, a que poucos têm acesso, tentando, pelo caminho, desmistificar preconceitos e lidar com as suas próprias questões enquanto jovem queer que cresceu em Itália e se descobriu numa liberdade mundana em Londres.
“Acho que a parte mais difícil [de Be my nest] foi o trabalho interno que fiz. A parte das filmagens não foi nada complicada, mesmo durante os dias de quarentena. O que achei desafiador foi lidar com meus próprios demónios para ser capaz de ser mais sensível e emocionalmente disponível no processo de tirar as fotos”, confessa Jo. “Lol Pareço superespiritual, mas Be my nest foi um momento para parar e curar-me”. E também evoluir: o projeto fez com que se obrigasse a explorar artistas de diferentes correntes, como o Romantismo e o Expressionismo, apurando a sua sensibilidade não só na pesquisa, mas também na relação com a família e lugares que o viram crescer – enquanto humano e enquanto indivíduo. O resultado é uma coleção de momentos que testemunham a sua vida e tudo o que o rodeia, mas acima de tudo, frames que alertam consciências, da forma mais pura possível, quebrando preconceitos: “Estou ciente de que os nossos esforços e impacto no mundo podem nunca ser reconhecidos. Mas, assim que aceitei isso, comecei a importar-me menos e a produzir mais. As minhas imagens são barulhentas e falam alto; vejo-as como pequenos tijolos contra uma enorme parede de moralidades e estigmas”.
Como começou o seu percurso na fotografia? E como é que esse começo evoluiu para esta imagem crua e íntima da sociedade atual? Quando tinha 16 anos, comecei a tirar fotografias dos meus amigos skaters, acompanhando-os ao longo do dia, e recordo-me de me ter divertido muito, sem nenhuma particular intenção ou tempo. Eu, definitivamente, não era capaz de andar de skate, mas gostava mesmo do estilo deles, e talvez tivesse um fraquinho por eles também. Acho que sempre gostei da ideia de abordar a fotografia como uma ferramenta para socializar e documentar, sentindo-me parte de um grupo e de alguma maneira colecionar tudo num diário. Apesar de ter mudado de tema, sinto que o meu trabalho sempre teve um lado cru e íntimo. Importo-me muito com a honestidade. É apenas a pessoa que sou.
O que geralmente chama a sua atenção ao tirar uma foto? E que tipo de mensagem espera que o seu trabalho transmita? Eu sinto que o meu trabalho está focado na vida (isto é, quer ser animador), ou apenas algo de passagem. Sou fascinado por contar histórias ou interpretar a história dos meus protagonistas e temas através da sua composição, cor, etc. Eu espero realmente que quem o vê se sinta bem-vindo na minha vida, nos meus desejos e crenças.
Sente que faz parte de um movimento underground, com essa honestidade inabalável nas suas fotos, e fiel à sua visão, independentemente do que dizem os outros, numa altura em que estamos todos à mercê de um profundo escrutínio? Ou seja, é mais difícil ser disruptor numa era de redes sociais e politicamente correto? Eu definitivamente sinto-me parte de um zeitgeist de artistas que estão tão incomodados com o mundo em que vivemos e estão prontos para o destruir. Se é mais difícil ser assim, não tenho certeza. As pessoas simplesmente sentem que têm um propósito na vida e eu sinto que há algo maior que me colocou neste lugar. Eu dedico muito tempo à pesquisa e recolha de informação, antes de trabalhar num projeto. Essa é a única maneira de me sentir confiante para lançar algo. Em relação ao politicamente correto, toda a gente está realmente saturado das políticas de censura do Instagram e parece que estamos praticamente prontos para seguir em frente.
Conte-nos um pouco sobre a ideia por detrás de Be my nest – foi orgânico desde o início e acabou por se transformar em livro ou, pelo contrário, sempre soube que esse era um tema a explorar para publicação? No início, não tinha uma ideia clara do que seria, porém, ao longo de três anos de desenvolvimento, tive 100% de certeza de que o que fotografava valia a pena ser partilhado. Eu sabia que havia algo no vínculo entre os humanos e o lar, e no que diz respeito a sentirem-se seguros, uma vez que era isso que pensava ao longo do meu percurso.
Esse conceito de ninho (nest) é sobre intimidade e conforto: acha que isso também ajudou a retratar mais honestidade nas fotos? Oh, com certeza. Percebi que essas premissas são a base do meu trabalho. Preciso de fazer as “minhas coisas” da maneira que melhor funcionarem para mim. O que significa que preciso de me relacionar com o meu “sujeito”. Mesmo que seja apenas a partilha de um pensamento ou uma crença, qualquer coisa que seja para estabelecer uma conexão. Preciso de entender o que os deixa confortáveis e o que não, e portanto, o que os desafia.
Há alguma foto em particular, em Be my Nest, que seja especial? Acredito que a primeira imagem do livro resume o que é todo o projeto. É uma foto da minha irmã e da sua filha a descansarem na casa da minha mãe, em Nápoles. Acho que foi naquele instante que percebi para onde o meu trabalho estava a caminhar.
Porque decidiu retratar de forma mais veemente a comunidade queer? Sentiu que precisavam de mais voz? Decidi retratar a minha realidade em todas as suas formas, cores, sons e cheiros. A comunidade queer passou a ser uma parte indispensável da minha vida, sendo eu próprio um indivíduo queer. Estou cercado por lindos anjos (e demónios) de salto alto. Eles são constantemente a minha inspiração e as principais pessoas para as quais desejo dirigir o meu trabalho. A nossa história foi roubada, e isso afeta-nos enormemente. Continuamos a carregar esse trauma. Espero que a minha experiência possa ecoar com a minha comunidade ao mesmo tempo que lhe dá voz.
Underground é o tema desta edição. O que significa underground para si? Tudo o que é independente, que nasce “de baixo” (minorias e comunidades não representadas), da necessidade de criar uma contra-cultura. Encontro no underground um evento, uma rave, uma exposição tanto quanto ativismo e ações políticas (como ocupações e greves).
O melhor que poderiam dizer sobre o seu trabalho? “Eu entendo-o, eu consigo senti-lo.”
E o pior? Lembro-me de uma vez que um de meus professores universitários me disse que eu estava a “censurar e a ser púdico” no modo como retratava a nudez. Respondi-lhe que o falo é mais forte quando está escondido.
Já está a pensar num futuro projeto pessoal? Ou está concentrado nos editoriais e projetos que faz para diferentes revistas? De momento, estou a descobrir novas formas e plataformas para estar mais ligado aos temas com os quais lido. Estou a caminhar para uma fase ainda mais “física”. Tenho feito mais trabalhos editoriais, porque adoro Moda e as múltiplas camadas na qual se envolve uma imagem de Moda. Filmei alguns anúncios cool durante o verão, já que alguém ainda tem de pagar as contas! Estou presentemente a prioritizar o meu foco em alguns novos projetos, que envolvem criativos incríveis e que irão eventualmente fazer o seu próprio percurso em breve. Como mencionei antes, eu preciso realmente de comunicar e conectar com a minha comunidade e, em última instância, com o mundo.
Originalmente publicado na edição Underground da Vogue Portugal, de outubro 2021.
Most popular
Relacionados
Takashi Murakami sobre a reedição da sua coleção com a Louis Vuitton: “20 anos passaram num piscar de olhos”
26 Dec 2024