Não era nada disto que ela queria. E depois, era só e tudo o que imaginava para si.
Não era nada disto que ela queria. E depois, era só e tudo o que imaginava para si.
“Eu acho que nunca, assim em sonhos, houve muito a vontade. Pelo menos, acho que nunca disse em voz alta que queria ser atriz. Ou mesmo em sonhos. Acho que partiu muito mais dos meus pais – que é curioso, porque normalmente é ao contrário, dizem ‘Não vás!’...”, relembra Joana Ribeiro sobre como tudo (não) começou. “Na altura, estava a estudar arquitetura e os meus pais é que disseram: ‘Olha, não estás feliz, se não sabes o que é que queres fazer, nós sempre achámos que devias fazer algo relacionado com teatro, cinema... o que seja, por isso, porque é que não vais experimentar? Assim, durante um mês, fazer um workshop em representação?’ E tive a sorte de poder contar com a ajuda dos meus pais e ir estudar um mês para Nova Iorque. E foi lá que eu percebi que queria ser atriz, que tive um daqueles momentos de epifania. Foi a ouvir Lana Del Rey e Video Games, no metro de Brooklyn para Manhattan. A chorar muito... ‘O que é que eu faço à minha vida, agora?!’”.
O choro foi pela realização de uma tomada de decisão difícil: “Porque acho que não é uma coisa que se decida e depois: então pronto, agora sou”, elaborou para a Vogue. “Acho que é gradual e não sinto que seja um trabalho das 9h da manhã às 7h da noite, é um trabalho diário, de constante pesquisa, de autoconhecimento, de observação, e é uma luta... Tem de se estar disposto a ouvir muitos nãos, muitas recusas, para haver muitos projetos que vão acontecer e depois não acontecem... e depois afinal acontecem e depois estamos sempre nesta... nesta batalha. Mas ao mesmo tempo tenho a sorte de fazer aquilo que gosto e... pagam-me para fazer aquilo que gosto, e isso é espetacular, nem toda a gente tem essa sorte.”, remata.
"Acho que quando nós queremos muito uma coisa, ficas tão nervosa que acaba por te minar."
O “o que é que eu faço à minha vida, agora?!” é a pontuação final na decisão certa de ir atrás da arte, que chegou talvez mais cedo do que esperava, ainda que não da forma que desejasse, à época: “Acho que foi o Dancin’ Days [a minha primeira grande oportunidade]. Foi o primeiro projeto que fiz em televisão, foi um casting de 2.000 pessoas, e aquilo tinha sido na altura muito falado (...)”, recorda Ribeiro, que na época, em 2012, estava nos seus 20, 21 anos. “Como na altura não queria [fazer este casting], não senti concorrência nenhuma”, esclarece quando perguntamos sobre a tensão no ambiente de audições. “Eu não queria fazer novelas, porque era muito snobe. Queria era ir estudar teatro. Foi o meu pai que disse ‘vai ao casting, não perdes nada, também não vais ficar de certeza, portanto... é indiferente’. Por isso, eu não estava de todo com o pensamento de quero imenso ficar e quero imenso isto. E acho que foi isso também que fez com que eu ficasse, acho que quando nós queremos muito uma coisa, ficas tão nervosa que acaba por te minar. E como eu fui muito descontraída, dei o meu melhor sem condicionantes...e fiquei”.
E ainda bem, porque o estigma em relação a novelas mudou e o CV multiplicou-se em formatos desde então, com as novelas a preencherem também uma quota parte da experiência profissional. Mas não só: com um pé no teatro e de corpo inteiro no cinema, Joana Ribeiro, só este ano, tem para estrear “o Fátima, de Marco Pontecorvo, vai estrear também O Fio de Baba Escarlate do Carlos Conceição, o Infinite, do Antoine Fuqua, e um filme do Bruno Gascon [o Sombra]," no qual fez um papel pequenino. "Por isso, é um ano de estreias.” Estreias que contam ainda com The Dark Tower, uma série da Amazon, e que pontuam uma bagagem de representação que já vai cheia (mas tem espaço para mais, muito mais).
Entre o conteúdo desta mala, contam-se ainda nomeações e prémios, incluindo o deste ano, o European Shooting Stars, uma distinção atribuída anualmente pelo European Film Promotion a um seleto número de atores e atrizes europeias: “Honestamente, fiquei muito contente e deu-me até vontade de chorar perceber que Portugal me tinha escolhido a mim para representar o país. Mais do que depois ter sido aceite no Shooting Star, acho que foi o facto de o meu país ter querido concorrer comigo, e ter arriscado comigo, porque podia ter corrido muito mal.”
“Se não existissem as self-tapes, eu se calhar nunca teria feito castings para projetos fora de Portugal.”
Mas correu muito bem, tal como as escolhas que tem feito ao longo da carreira – plena, mas ainda com muito caminho pela frente: “Eu não os escolho, eles escolhem-me a mim... é o que tem aparecido (...). Acho que os papéis também aparecem [de acordo com o que eu sou], por exemplo, no caso do filme do Terry [Gilliam, Quem Matou D. Quixote], ele queria assim uma young Penélope Cruz. E acho que em Portugal ele fez alguns castings, algumas self-tapes, e escolheu-me a mim. Lá está, às vezes tem a ver com as características que eles querem naquele momento, e com o resto também tem sido assim, (...) e eu acredito que se eu ficar com um papel, é porque faz sentido ser eu a fazê-lo. E se não ficar, é porque há outra pessoa melhor para ele”. Este filme de Terry Gilliam, de 2018, foi também um projeto que conseguiu que riscasse um dos atores da sua wishlist de nomes a contracenar: Adam Driver. “É espetacular. (...) Ele tem uma coisa muito engraçada: é muito atento à musicalidade e aos tempos, é muito técnico, mas ao mesmo tempo, ele é tão técnico que deixa de ser técnico. E é incrível vê-lo a trabalhar, ele é mesmo muito bom ator”, revela. No mesmo filme, além de Driver, Ribeiro contracena também com Jonathan Pryce que, a par de Adam, estava indicado para o galardão de Melhor Ator nos Óscares de 2020 – ou seja, Joana juntou-se a dois nomeados para os Prémios da Academia de 2020 nesta película.
A expressão “o da Joana” significa algo completamente diferente no mundo de Ribeiro: significa apontar para a Lua e aterrar nas estrelas. Para isso, também muito contribuíram as afamadas self-tapes: “Eu adoro self-tapes. Eu por mim fazia self-tapes todos os dias. Mesmo... porque acho que é uma oportunidade... (...) permite-nos fazer muitos mais castings, entrar em muitos mais projetos, e mesmo que não fiquemos, aquele casting director tem o nosso registo, pode ter gostado, pode lembrar-se mais tarde... já me aconteceu um diretor de casting ter gostado de mim e me ter sugerido para mais não sei quantos projetos, a seguir”, aponta. “Se não existissem as self-tapes, eu se calhar nunca teria feito castings para projetos fora de Portugal.”
"Procuro trabalhar com pessoas que me ensinem a escolher personagens diferentes e projetos diferentes."
E essa internacionalização faz parte do sonho de ser ator? “Eu não diria que o sonho seja a internacionalização, acho que o sonho, para mim, é fazer alguma coisa que fique”, corrige a atriz. “O nosso trabalho foca-se muito nisso, na perduração do objeto artístico. E eu acho que o facto de se fazerem mais coisas lá fora torna isso mais possível, na medida em que temos mais trabalho. Agora, eu gostava imenso de trabalhar mais em Portugal, ou seja, não é nada esta coisa de ‘eu quero é ir para fora e não quero voltar a Portugal, e eu quero é ir para Hollywood.’ Não. Não tenho de todo essa mentalidade. Acho que o que nós fazemos em Portugal é incrível, há ainda muita coisa que eu quero fazer cá que ainda não fiz, mas também há muita coisa que eu gostava de fazer lá fora e acho que o facto de já ter feito algumas coisas torna o sonho menos inatingível, talvez. Sim, acho que cria mais oportunidades. E para projetos bons. Eu procuro trabalhar com pessoas que me ensinem a escolher personagens diferentes e projetos diferentes, por exemplo, não me apetece ir lá para fora e fazer sempre a mesma coisa. Isso não me é apetecível. Mas pronto, é o que tiver de ser, acho que cada pessoa tem o seu caminho.”
E o caminho de Joana Ribeiro ainda terá muito para contar – com ou sem um Óscar, que nunca lhe passou pela cabeça receber (“eu acho que a pressão de ganhar um Óscar deve ser gigante", confessa-nos. "Eu recebi um prémio, uma vez, que são os Prémios Novos, e fiquei tão nervosa de subir ao palco que eu nem sequer sabia o que é que havia de dizer, e depois estava tipo… [engasgada, a gaguejar...] Portanto, eu acho que deve ser uma pressão enorme. E depois há aquilo que é a ‘maldição do Óscar’ que, é: a pessoa ganha um Óscar e depois não trabalha mais”), mas que se acontecesse, “acho que daria à minha mãe, ou assim. A minha mãe gosta. Está sempre a dizer: se fores aos Óscares, eu quero ir contigo. E eu: ‘Está bem, um dia vai acontecer, claro que sim.’”
"Acho que nós só publicamos aquilo que queremos."
E a conjuntura moderna, com a emergência das plataformas de streaming, pode ajudar a chegar a qualquer lado: “eu acho que permitem que certos filmes, que hoje em dia não teriam bilheteira, encontrem o seu nicho, o seu público, e, ao mesmo tempo, sim, acaba por proporcionar mais oportunidades, porque acaba por haver mais filmes, mais séries, mais projetos a serem feitos, que precisam de mais atores, e logo aí há um mercado. Continua a ser difícil, acho eu, mas sim, se calhar é mais fácil do que era há uns anos. Da mesma maneira que estamos a crescer globalmente, por motivos menos bons, acho que neste aspeto a globalização é algo de bom. A globalização e as self-tapes e tudo isso aproxima-nos mais dos projetos lá fora.”
Projetos lá fora também podem trazer uma exposição acrescida a uma atriz que já de si tem um follower count imensurável – esses números de redes sociais não são indicadores do tamanho da sua audiência, por isso nem vale a pena referi-los como se fossem uma espécie de medida de popularidade. Mas Joana é-o, ainda que não faça por se expor: “Acho que é controlável, acho que nós só publicamos aquilo que queremos”, desdramatiza a atriz quando indagamos sobre a questão da exposição e falta de privacidade. “Mesmo quando o Instagram era privado, eu nunca fui de partilhar muita coisa, por isso, para mim, é natural. Eu não faço tipo um filtro de ‘ah, não devia partilhar isto...’, eu tenho quase de me obrigar a partilhar coisas. Convenço-me que vá, tenho de ir a este evento, se calhar é bom, é bom para promover que fiz este projeto... porque muitas vezes acho que é isso que acontece. [...] Mas percebo que hoje em dia, lá está, exista aquela questão das pessoas estarem mais próximas dos atores e das figuras públicas, mas para mim... eu gosto do cinema dos anos 40 e 50, do glamour e de não saber como é que são os atores que eu admiro, como é que eles são nos tempos livres, isso não me interessa, eu quero acreditar nas personagens. E quero que as pessoas acreditem também nas personagens que eu faço e sinto que para isso acontecer, não me podem conhecer assim tão bem, porque depois não posso fingir que sou diferente...”
Nós acreditamos profundamente, Joana.
Joana Ribeiro protagonizou o editorial As Três Mosqueteiras com Victoria Guerra e Alba Baptista que pode ver, na íntegra, aqui. Para ler a entrevista a Alba Baptista clique, aqui, e para ler a entrevista a Victoria Guerra clique, aqui.
Artigo originalmente publicado na edição de fevereiro de 2020 da Vogue Portugal.