Apelidamos João de autodidata, mas podia ser futurista ou vanguardista, porque o criador é tudo isto. É do futuro, como o próprio nos contou.
Apelidamos João de autodidata, mas podia ser futurista ou vanguardista, porque o criador é tudo isto. É do futuro, como o próprio nos contou.
“Comecei… bem, desde sempre, apesar de oficialmente ter estudado arquitetura, andei num vaivém com a Moda”, diz-nos João Magalhães, que depois de ter dado o pontapé de saída com a Morecco, em 2014, se reinventou há pouco mais de ano e meio com o lançamento da sua marca homónima. “Até na escola primária me interessava [por Moda], claro que com vergonha de dizer.” Foi de forma autodidata que Magalhães se lançou às costuras, sem saber muito bem qual era a utilidade de um molde, mas foi na Morecco, juntamente com a amiga com quem fundou a marca, que estudou. “Esse projecto foi a minha ‘escola’, o meu curso de Moda DYI.” Foram as várias tentativas, e os erros que foi cometendo, que lhe forneceram as bases para aquilo que hoje apresenta na passerelle. O universo estético do criador é fortemente marcado pela androginia e pela desconstrução e é exigente nos materiais e nos corters - daí que as técnicas artesanais sejam, quase sempre, fundamentais. O début a solo de Magalhães espelhou tudo isto com o minimalismo a coexistir com a austeridade e ambos a serem desalinhados pelo skate e pela contracultura, que deu um certo “equilíbrio ao conceito.”
Vídeo do début a solo de João Magalhães, na ModaLisboa.
Na coleção I hate people but I love you, para a primavera/verão 2020, João explorou a ligação entre o Homem, a Máquina e a Natureza e de que maneira essa fusão poderia ser uma mensagem otimista para o Futuro. Para esta coleção o designer baseou-se também num ensaio, "Cyborg Manifesto, de Donna Haraway, e concretizei-a com tecidos high tech, digital print e na desobstrução de género.” O vinil e o silicone equilibraram-se com a subtileza da organza e do chiffon de seda, encontrando um equilíbrio perfeito no minimalismo dos anos 90, com referências aos emblemáticos slip dresses e à estética de Carolyn Bessette-Kennedy. Já para a estação fria de 2020, o criador continuou o estudo a que se propôs na temporada anterior, mas com algumas alterações: “Sobretudo na fusão do man made com o natural, do mecânico com a manufactura. Trabalhei em colaboração com artistas manuais (serigrafia manual com Maria Appleton) e digitais (com Guilherme Curado), e também dei ênfase à desconstrução de peças e ao reaproveitamento de coleções passadas,” explica-nos Magalhães. Apesar de não ter uma loja física, ou online, as roupas que apresenta estão prontas a ir para a rua. “Falar em chegar às lojas é um pouco ambicioso quando se trata de mim, mas as coleções, que vendo diretamente do atelier sobretudo por boca a boca, estão prontas.” Mas comprar João Magalhães está à distância de uma DM no Instagram ou por email.
Backstage, outono/inverno 2020. © ModaLisboa/Gonçalo Silva
Backstage, outono/inverno 2020. © ModaLisboa/Gonçalo Silva
Trabalhar Moda em Portugal é uma verdadeira aventura, por isso perguntamos a João se já lhe passou pela cabeça mudar de área e desistir de tudo. “Constantemente! Há sempre uma altura difícil, depois do desfile e do esforço inerente psicológico/financeiro, em que fico com uma espécie de depressão pós-parto. Mas, mais tarde ou mais cedo, dou um empurrão e passa.” Esse sentimento é encostado para canto quando João está com as mãos na massa e, por isso, nos dias que antecedem uma apresentação, o sentimento é ‘ainda bem que tomei esta decisão’. “Nas últimas semanas antes de um desfile, o processo de pesquisa, criação e execução é delirante. Também o re-visitar trabalho anterior, descontruí-lo, reconstruí-lo… O fazer é fascinante. E claro, cada vez que vendo uma peça é uma explosão de serotonina.” Mesmo através de um email, quase que vimos um brilhozinho nos olhos de João. “Sou muito do futuro, interessa-me o que aí vem”, por isso perguntar-lhe se refazia alguma coleção é algo... complicado. No entanto, arriscamos. “Não necessariamente. Claro que gostava de revisitar coisas com o know-how que tenho agora, mas as referências e formas que procuro vão evoluindo, como aliás a própria conjuntura. O que fazia sentido há cinco anos não faz agora.” Assinamos esta afirmação por baixo.
"Não há grande espaço para discutir ideias, para trocar impressões."
O universo visual do criador português é de fácil reconhecimento. Entrar numa sala com um coordenado de João Magalhães é ter a certeza de que não vamos passar despercebidos, mas terá o designer uma peça que melhor represente o seu ADN? “Sim, o coordenado que abriu o meu ultimo desfile [outono/inverno 2020]. Acho que consegui concretizar exatamente o que tinha idealizado, tirando proveito da matéria e das técnicas que tenho vindo a desenvolver.” E já agora, se pudesse colaborar com algum criador português quem seria? "João Rolo. Pode parecer surpreendente, porque o trabalho dele esteticamente é oposto do meu, mas fascina-me a qualidade de execução. É o único que produz Alta-Costura em Portugal. Teria muito para me ensinar!” Sobre a união na indústria, João dá-nos uma resposta diferente daquela que temos vindo a ouvir nos perfis dos participantes do nosso Project: Vogue Union: “Gostava de acreditar que sim. Sou um bocado bicho do mato, mas sinto falta de um milieu em Lisboa. Não há grande espaço para discutir ideias, para trocar impressões. Penso que noutras cidades, onde há mais indústria, isso exista, mas aqui não. Só falo de Moda comigo mesmo!”
O primeiro look da coleção de outono/inverno 2020. © ModaLisboa/ Ugo Camera
O primeiro look da coleção de outono/inverno 2020. © ModaLisboa/ Ugo Camera
"Às vezes nos é imposto uma ideia de que temos de nos projetar como uma eterna história de sucesso e isso cria uma enorme pressão."
“Qual foi a sua melhor derrota?” Esta é a pergunta que o designer gostava que lhe perguntassem numa entrevista. “Penso que às vezes nos é imposto uma ideia de que temos de nos projetar como uma eterna história de sucesso e isso cria uma enorme pressão. Não nos permitimos falhar e, na minha experiência, quando falhamos é quando mais aprendemos. No meu caso aprendi quando uma encomenda de uma noiva não correu bem. O trabalho ficou pronto, mas a cliente não gostou. Foi um sapo difícil de engolir, mas aprendi a saber que desafios aceitar e quais tenho capacidade para responder.” Com uma estética tão avant-garde, João Magalhães vai conquistando o seu público, e é através dela que fala um idioma pouco explorado pela Moda em Portugal. Acreditamos que, no futuro, o criador não irá falar de Moda apenas consigo próprio, mas sim com centenas, talvez milhares de pessoas, que acabrão por se render às suas peças, à sua ousadia, e à sua genialidade.
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