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Jordan Alexander fala sobre o regresso de Gossip Girl, o ativismo LGBTQIA+ e ainda o que a motiva

14 Oct 2021
By Rui Matos

Foi há nove anos que dissemos adeus a Gossip Girl, mas um cultural reset como esse não sai de cena de forma leviana. A nostalgia permaneceu durante todo este tempo. Surpresa: a série, e o seu universo, estão de volta, com novas personagens e enredos. Será que isto significa um comeback à vontade de coscuvilhar? Ah, esperem. O gossip, a fofoca, o mexerico, nunca foram a lado nenhum. Foi sobre isso que conversámos com Jordan Alexander, uma das protagonistas do ansiado reboot.

Vestido e brincos, ambos SCHIAPARELLI.
Vestido e brincos, ambos SCHIAPARELLI.

 

Há questões que há muito tentamos ver respondidas. Por exemplo: “Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?”, ou “Ser ou não ser? Eis a questão.” Por muitas teorias que se possam desenvolver em torno destes quebra-cabeças, obter uma conclusão certeira é um trabalho quase impossível. O mesmo se assemelha ao gossip, que por cá anda desde que o homem é homem. Será o gossip a coisa mais estúpida do ser humano? Sim. Não. Talvez. Há quem diga que sim e há quem diga que: “O gossip é o que torna possível a sociedade humana tal como a conhecemos”, escreveu o psicólogo Robin Dunbar, no artigo Gossip in Evolutionary Perspective (2003), onde é ainda possível ler que dois terços das nossas conversas são dominados pelo gossip. Mais recentemente, em 2019, um estudo publicado no jornal Social Psychological and Personality Science apontou que o ser humano passa, em média, 52 minutos  por dia a fazer gossip. Se precisar de tempo para digerir esta informação esteja à vontade, não o julgamos. Aliás, aqui me confesso: antes de me atirar a artigos científicos e de ler aquilo que professores, psicólogos e sociólogos têm a dizer sobre o assunto, encarava o gossip com algum (ok, muito) desprezo.

Gostamos de pensar que todas as conversas que temos são altamente produtivas, com troca de ideias sobre questões filosóficas, sobre política, relações internacionais e cultura, mas as coisas estão longe de ser preto no branco. Todos fazemos, mas todos julgamos. Falsos puritanos queiram, por favor, sair de cena, ninguém acredita em vocês. “O repúdio que as pessoas sentem pelas fofocas e por aqueles que fofocam desaparece quando se veem confrontadas com um pedaço suculento de informação sobre alguém que conhecem,” afirma a jornalista Julie Beck, num artigo para a revista The Atlantic. Podemos afirmar, com convicção, que nunca nos sentimos tão bem representados como nesta passagem. Já que os guilty pleasures deixaram de ser guilty e passaram apenas a prazer, talvez da próxima vez que “estivermos a partilhar informação” não precisemos de nos massacrar assim tanto, desde que as coisas não ultrapassem o aceitável – ou isto é o nosso subconsciente a arranjar desculpas?

Quem parece nunca ter tido problemas com o mexerico alheio é Gossip Girl, a série e a identidade misteriosa por detrás das publicações que arruinavam a vida social de uma elite de jovens nova-iorquinos. Foi em 2007 que entrámos pela primeira vez no universo do Upper East Side. Miúdos ricos, mimados e com uma vida excêntrica para quem ainda estava a terminar o ensino secundário. Um reflexo deste nicho ou pura ficção? À época pouco importava, o cerne da questão, ali, era a vida de Blair Waldorf, Serena van der Woodsen, Chuck Bass, Dan Humphrey e Nate Archibald – personagens que, de um momento para o outro, começaram a dominar as conversas de café. Há 14 anos, eram os blogues que dominavam a Internet, as redes sociais estavam a dar os primeiros passos e o Instagram estava longe de ser aquilo que hoje é. Mesmo sem a vida dos outros na palma da nossa mão, não havia segredo que escapasse à língua afiada de Gossip Girl. Em 2012, depois de seis temporadas, a identidade da Gossip Girl foi descoberta e o blogue saiu de cena. Mas a saudade ficou. As escadas do MET e as bandoletes de Blair Waldorf permaneceram intactas no nosso imaginário. Pedimos por mais. A sede de um teen drama desta envergadura não diminuiu. A porta para este universo voltou a abrir-se no início de julho de 2021, com a estreia da nova Gossip Girl. Novas personagens, novos enredos, o drama de sempre e um guarda-roupa de fazer inveja. Assim como no primeiro capítulo desta história, este reboot é um reflexo de onde a sociedade se encontra. Se esconder um segredo em meados da década passada era um tormento, agora, com a tecnologia a dominar o quotidiano, a tarefa torna-se impossível – ainda mais quando das cinzas renasce Gossip Girl. Jordan Alexander é uma das protagonistas desta nova temporada e numa ligação Zoom Lisboa-Nova Iorque, a Vogue esteve à conversa com a jovem atriz.

Como se sente por fazer parte desta nova era de Gossip Girl? É uma sensação muito boa. É um passo na direção certa para, sabes, de forma a avançar as coisas. Em relação à representatividade e diversidade, estou muito entusiasmada com o processo que tem sido feito desde o primeiro dia. É uma coisa grandiosa na minha vida. Esta experiência mudou toda a minha vida.

O que é que nos pode contar sobre este reboot e sobre a personagem que interpreta? Interpreto Julian Calloway, uma influencer extremamente rica. O seu pai é vencedor de um Grammy e produtor musical. O grupo de amigos com que frequenta a escola são aqueles que a Julian conhece desde bebé. O drama está a chegar.

Olhando para a primeira série, é certo afirmar que aquilo que vimos no pequeno ecrã era um reflexo de onde a sociedade estava. Através dos teasers que temos visto até agora, este capítulo vai também seguir essa linha de pensamento. De que forma é importante para a Jordan fazer parte de uma narrativa como esta? Acho muito importante, porque penso que ajuda a levantar questões que precisam de ser abordadas, especialmente numa indústria que não está, necessariamente, a fazer isso. Esta é uma série sobre drama e Moda – e todos vão ter esses momentos – mas estamos também a tentar elevar atenção para a consciência social.

A Jordan é uma orgulhosa ativista para a comunidade LGBTQIA+. Sendo que as redes sociais tornaram o ativismo e a consciência social muito mais visíveis hoje do que há uma década, vê estes valores refletidos na série? Sim. Quer dizer, há um esforço para colmatar a lacuna em termos de discriminação e falta de representatividade da comunidade LGBTQIA+ no ecrã. Sinto que faz parte da conversa, mas sei também que há muito mais que precisa de ser feito e isso é a melhor parte. É do tipo: “Ok, chegámos aqui, já fizemos isto, mas ainda há um longo caminho para ser percorrido.” Acho que é muito entusiasmante continuar a insistir neste ponto. Precisamos mesmo de insistir e acarretar as críticas, porque há pessoas que são marginalizadas de uma forma que nós não somos. Temos de ter a capacidade de dizer aquilo que é preciso ser feito. A informação é valiosa. Ouvir é muito importante. Estar consciente do avanço é um passo certeiro.

A Moda é muito intrínseca ao universo Gossip Girl e esta nova temporada grita Moda com M maiúsculo. Durante as gravações houve algum momento de Moda que a tenha deixado sem palavras?O guarda-roupa é incrível. Sinto-me uma pessoa diferente sempre que visto aquelas roupas. Exige algo de mim. Há um momento em particular que me deixou wow, quando usava um vestido do designer Christopher John Rogers. Era enorme e tinha uma cauda gigantesca. Todos tinham de ter muito cuidado, o vestido era tão grande que tinha de passar de lado nas portas, nem sequer me conseguia sentar. Mas isso é o luxo. It’s fashion baby, it’s not functional.

E fora do ecrã, a Moda é também importante? A Moda no sentido em que representa quem eu sou sim, mas depende muito de como me sinto. Às vezes só quero estar com uma t-shirt e umas calças de fato de treino, outras nem sequer sei bem aquilo que visto. Mas quando estou a tentar ser intencional com a Moda, isso tem o poder de me fazer sentir como se estivesse a ser vista da forma como quero. A Moda é sobre isso, na verdade.

Podemos afirmar que o gossip é a personagem principal desta série. Com isso em mente, porque é que acha que os seres humanos gostam tanto do gossip? A origem do gossip é incrível. Estamos a falar de comunicação e das várias formas como comunicamos. O gossip não é intrinsecamente mau – é descrito dessa maneira. Inicialmente era do estilo: “Já ouviste falar daquele lugar? Dizem ser perigoso.” É, acima de tudo, sobre passar informação. Obviamente perdeu-se pelo caminho nos egos e na perceção que cada um tem, mas, essencialmente, o que acontece quando estás na coscuvilhice é tentar manter alguém a salvo. Mas ao mesmo tempo tudo ficou muito dramático e confuso.

Todos fazemos gossip, mesmo com pequenas coisas, mas por vezes tendemos a dizer que não. Porque é que as pessoas fazem isso? Será porque a fofoca é o maior dos guilty pleasures? Right! Há uma sensação que se desencadeia com este ato que é, por algum motivo, agradável. As pessoas sentem-se parte de alguma coisa. Pode desviar-se e começarem a ser ditas barbaridades ou a espalharem coisas que não são verdade, mas é a ideia de comunidade que atrai as pessoas.

Nos bastidores, falam sobre aquilo que está a acontecer com os personagens, quase como se eles de facto existissem? Ah, sim. Absolutamente. Houve um tempo em que fingíamos que as nossas personagens eram reais. Era do tipo: “Não acredito que isto está a acontecer.” É surreal como a história que está a ser contada nos dava essas emoções. Mas acredito que usamos o poder do gossip para o lado positivo. 

Uma das suas irmãs foi muito importante para a sua carreira enquanto atriz. Li que deixou de representar durante algum tempo. Porque é que isso aconteceu? Na realidade, não sei como é que isso aconteceu, mas foi depois de me mudar para Toronto. Não senti que fosse bom para mim, por isso parei. Comecei a fazer a minha música, que é uma coisa que adoro. Mas representar é algo que surge naturalmente na minha vida e durante muito tempo estive on e off. Mas a minha irmã influenciou-me, ou melhor, forçou-me a fazê-lo.

A Jordan não é apenas atriz, também canta. Como é que concilia estas duas paixões? É muito sobre o que está a acontecer no momento. Agora a representação é a prioridade – esta oportunidade é, de facto, incrível. Mas gostaria muito de estar a fazer as duas coisas. Penso que se consegues sonhar, consegues fazê-lo. Gostava de viver num mundo onde, genuinamente, conseguia fazer as duas coisas. Sinto falta da música neste momento, porque durante um ano não fiz nada. Nos últimos oito anos só fiz música. Tenho saudades.

E como é que navega nestas duas indústrias? O que é interessante na indústria da música, pelo menos na fase em que estou, é que não preciso de muito. Crio ligações com outros artistas e faço a música acontecer, ou então faço música por contra própria. Não preciso de me envolver com a indústria. Já na representação não consegues ter um trabalho sem outras pessoas. A indústria musical é muito mais flexível, não sou agenciada por nenhuma discográfica, faço aquilo que me apetece. Só quero fazer música e partilhá-la, não quero que, necessariamente, se transforme num trabalho e que acabe por arruinar o lado divertido.

Seja na música ou na representação, as artes têm sido a sua vida. Além disto, o que é que lhe dá motivação? Honestamente, conectar-me com as pessoas e criar relações interpessoais. Por exemplo, agora estou a conectar-me contigo. És um ser humano que nunca conheci e estamos a conectar-nos. Isso é muito interessante para mim. Enche-me o coração, sabes. Ultimamente não me tenho conectado muito com pessoas, porque estamos a gravar imenso. E por muito que gravar seja divertido, que o é, é muito diferente da interação social. Um ano de pandemia depois, tenho estado muito isolada. Conheci pessoas no trabalho e tenho os meus amigos em Toronto [a cidade onde Jordan nasceu] e isso dá-me alento, mesmo estando isolada.

Numa entrevista afirmou que uma das razões que a levou a rapar o cabelo foi por estar a tentar descobrir aquilo que queria – e o cabelo não era uma delas. Uma bonita forma de afirmar o verdadeiro eu, porque é justamente isso que devemos fazer. Ser honesta consigo mesma é o ultimate goal? Em termos de objetivos isso é muito verdade, ou pelo menos é assim que vejo as coisas. Encontrar aquilo que te faz verdadeiramente feliz. Espero que todos sejam capazes de encontrar isso e que sejam capazes de perseguir o seu verdadeiro eu. Não é necessariamente uma realidade para todos, por exemplo, na comunidade LGTQIA+ tu sabes quem és, mas ainda não estamos num lugar onde podes ser verdadeiramente tu. Acho que se consegues ser verdadeiro contigo, tens de o ser. Eu quero aprender a ser eu. Quando és tu próprio atrais coisas boas para ti.

Uma última questão, que conselho daria a todos os artistas queer que estão a tentar entrar para o universo das artes? Comunidade. Sinto que, com as pessoas marginalizadas, muitas vezes podemos ser tokenized [fazer apenas um esforço superficial ou simbólico para ser inclusivo para membros de minorias] e isso dá-nos um pensamento complexo. Vamos todos reunir-nos e ter esta bela comunidade criativa onde nos elevamos uns aos outros e onde nos ligamos uns aos outros. Por isso, comunidade seria o meu conselho. Estejam com o vosso povo, estejam com a vossa comunidade. Isso é sempre a coisa mais notável.

Ficha técnica:

Fotografia: Jason Nocito @ Artist Commissions. Styling de Erik Ziemba. Cabelos: Dana Boyer @ The Wall Group. Maquilhagem: Ernie Robertson com produtos Pat Mcgrath Labs. Produção: May Lin Le Goff @ Rosco Production. Iluminação: David Diesing. Digital technician: Travis Drennen. Assistente de styling: Jordan Sorensen. Assistente de produção: Henna McCfferty. Editorial realizado em exclusivo para Vogue Portugal.

Entrevista e editorial originalmente publicados na edição de julho/agosto de 2021 da Vogue Portugal. 

Rui Matos By Rui Matos

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