Desde que assumiu o cargo de diretor criativo da histórica maison francesa, em 2013, Julien Dossena tem conseguido transformar o legado futurista da Paco Rabanne numa proposta irresistível para os consumidores do século XXI.
Desde que assumiu o cargo de diretor criativo da histórica maison francesa, em 2013, Julien Dossena tem conseguido transformar o legado futurista da Paco Rabanne numa proposta irresistível para os consumidores do século XXI. Talvez o seu segredo seja precisamente esse: as suas criações falam do presente, do agora, e não de um tempo que há de vir. E, nos dias que correm, poucas coisas são tão avant garde como a recusa em fazer previsões para dias que só existem dentro de uma bola de cristal.
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Fotografia da modelo Donyale Luna, 1967.
Fotografia da modelo Donyale Luna, 1967.
Assim que o look número dois da coleção outono/inverno 2019 da Paco Rabanne surgiu na passerelle, um sentimento ecoou no coração de milhões de mulheres um pouco por todo o planeta: “Usava isto todos os dias.” Como é que posso afirmar isto? Uma dessas mulheres fui eu, e dezenas de outras foram amigas minhas, com quem analisei o coordenado até à exaustão — calças de lantejoulas roxas, colete de malha cor-de-rosa com cristais bordados, camisa estampada, brincos XXL e stilettos. Ora ninguém no seu perfeito juízo quer usar calças de lantejoulas roxas todos os dias, mas aquelas tinham um je ne sais quoi que as transformava em algo absolutamente novo, desejável, e necessário. Tal como afirmava, à época, Julien Dossena, “tem tudo a ver com a forma como tu te elevas através da roupa.” E tem.
Aquele look, bem como toda aquela coleção, eram o culminar de um trajeto sem espinhas, iniciado em 2013, que dava novo fôlego à marca fundada por Francisco Rabaneda y Cuerv — que o mundo viria a conhecer como Paco Rabanne — no início dos anos 60, em Paris. Dois meses antes dessa gloriosa apresentação, o jornal Financial Times fazia o resumo do trajeto de Dossena ao leme da maison, e comparava o seu modus operandi, algures entre o effortless e o undone, como algo que representa o espírito dos tempos. À semelhança do que havia feito o seu predecessor: “Poucas marcas têm um lugar tão poderoso na cultura popular como a Paco Rabanne.
Fundada pelo designer espanhol em 1965 e adquirida pelo grupo espanhol Puig em 1968, a marca encarnou a estética de uma era: Jane Fonda, prateada e resplandecente Barbarella, num chainmail minidress, ou a cantora francesa Françoise Hardy, de pernas nuas e etéreas, em trajes semelhantes. Com o seu otimismo brilhante e os seus vestidos de festa techno-tastic, Paco Rabanne captou o espírito de uma época: era curto, era sexy, era deliciosamente espacial.” Numa edição dedicada aos espelhos, seria impensável não referir a história da Paco Rabanne — a que ficou para trás e a que se cose, agora, nos ateliers da Faubourg Saint-Honoré, e que é pautada por três palavras: revolução, rebelião e renascimento. Se em 1966, para a estreia da sua marca homónima, Paco Rabanne lançou Manifesto: 12 Vestidos não Usáveis em Materiais Contemporâneos, publicação que serviu de base aos seus vestidos em metal e plástico e às suas carteiras em aço e alumínio (a primeira, apelidada 1969, não é apenas um acessório de moda, é um objeto de design), agora é tempo de ver como Julien Dossena, licenciado pela École d'Arts Appliqués Duperré, em Paris, e discípulo de Nicolas Ghesquière, transforma o glamour numa coisa que tanto pode ser boémia, feminina, ou simplesmente empoderadora.
Trabalhar como designer foi algo que sempre quis fazer? Está a “viver o sonho”, como se costuma dizer nos Estados Unidos?
Estou maravilhado, e grato, por ser designer e pelas oportunidades que isso me proporciona. Procurar a beleza com uma equipa ao meu lado, que me apoia, é um trabalho super gratificante, mas super árduo.
Está na Paco Rabanne desde 2013. Tinha apenas 30 anos quando entrou. Como surgiu a oportunidade de trabalhar na maison?
A Marie-Amelie Sauvé [uma das mais conhecidas stylists francesas] apresentou-me [a hipótese] de trabalhar na Paco Rabanne. Comecei como freelancer por uma temporada e a família Puig pôs-me ao comando dois meses depois.
A Paco Rabanne tem uma estética única, reconhecível mesmo para quem não acompanha Moda de forma regular. O que pensava da marca antes de começar como diretor criativo?
Achava que era um nome muito forte, porque é único na indústria. Paco Rabanne foi um pioneiro. Ele quebrou o sistema. É uma marca que representa liberdade, juventude e libertação sexual, entre outros valores-chave que ressoam fortemente no presente. Intelectualidade e sensualidade, [o lado] radical e pop, são tensões que raramente estão presentes e equilibradas desta forma particular. É por isso que gosto tanto de trabalhar aqui, é uma descoberta estimulante e sem fim.
Como é que decidiu abordar o enorme património da marca e transportá-lo para o comprador do século XXI?
A minha primeira observação pragmática quando cheguei foi não querer fazer uma marca a que as mulheres viessem comprar um vestido de festa. A Paco Rabanne foi isso durante muito tempo: pegas no teu chainmail dress e usa-lo de vez em quando, como na véspera de ano novo. Eu sabia que isso não era relevante na hora de construir um negócio e uma marca de moda real. Por isso concentrei-me nos produtos, no que seria o guarda-roupa Paco Rabanne, para dar raízes ao cliente e trazer a marca de volta ao mercado.
As suas coleções têm sempre algo inerente que os críticos apelidam de undone. Está claramente a distanciar-se dos vestidos Barbarella e das peças metálicas que costumávamos associar a Paco Rabanne – embora eles ainda apareçam aqui e ali, numa mistura que é difícil de expressar em palavras. Isso é algo que procure conscientemente?
Sim, porque tens de atualizar, misturar, para transformar e fazer evoluir. Tens de fazer algo novo, uma perceção que ninguém tenha tido sobre isso antes. E para misturar as peças metálicas, é [possível] enraizá-las culturalmente noutro lugar, e é isso que eu quero alcançar. Além disso, adoro [transmitir] uma boa sensação effortless grunge.
Parece ser transversal o sentimento de que, sob a sua direção, a Paco Rabanne ficou cool outra vez. Como é que responde a isso?
Não sei bem, mas estou feliz com isso, porque significa que a comunidade que construímos em torno deste nome entendeu e reagiu às referências e propostas que fiz. E sempre estive pessoalmente convencido da coolness deste nome. Mas sou francês, por isso é possível que, para mim, certas coisas da marca já ressoassem de forma especial.
Qual é o seu objetivo como diretor criativo? Quais são os seus desejos para a marca?
Quero a marca num lugar tão expressivo como aquele em que estamos agora. Mas ampliado e construído de uma forma especial, adaptado ao mundo moderno, feito à medida e muito específico. O meu objetivo como diretor criativo é também expressar individualidades e dar às pessoas um tipo de beleza com a qual elas se possam relacionar. E valores que carreguem culturalmente aquilo em que acredito.
Tem alguém em mente quando desenha? O que é que o inspira?
É sempre sobre ideias que considero interessantes e as pessoas ao meu redor, e como lhes dar mais confiança, e eficácia, para as suas vidas. É sobre as circunstâncias pragmáticas do seu dia a dia, e tentar dar-lhes produtos e designs que podem fazê-las sentir quem elas querem ser.
Quem é, hoje, a mulher Paco Rabanne?
Uma comunidade de mulheres fortes, no comando, que controlam os seus corpos e as suas atitudes, pelo menos essa é a minha esperança e essas são as mulheres que me inspiram.
O ano passado introduziu pela primeira vez propostas masculinas nas coleções. Qual é a relação entre o homem e a mulher Paco Rabanne?
Penso que é sobre a fluidez de género, mas vai além disso, eu não quero disfarçar as mulheres de homens: elas são poderosas o suficiente por si próprias para não precisarem de lhes pedir coisas emprestadas, [e desse modo] podes até aumentar uma superfeminilidade e torná-la mais tough. Da mesma forma, fico realmente tocado pela estética queer em geral. Nos homens, essa confiança exala quando são fortes o suficiente para explorar territórios de roupas diferentes. É mais sobre androginia e indefinição, é algo que está a crescer e fico muito feliz com isso, quando observo as gerações mais jovens.
Foi também o ano que marcou o 50.º aniversário das icónicas carteiras de metal. Acha que ainda têm um lugar no mundo acelerado de hoje?
Sim, claro! Primeiro, são um objeto icónico na história do design, super-radical e bonito, e além disso são effortless. Além de serem muito importantes porque são uma peça de puro artesanato, que é um aspecto da Paco Rabanne que adoro trabalhar e que quero manter, especialmente hoje em dia, na era digital.
Numa entrevista que deu em 2017, disse que nunca tinha conhecido Paco Rabanne. A resposta ainda é a mesma?
Nunca o conheci, mas adoraria.
O que nos pode dizer sobre a Pacollection? Esta foi sua primeira aventura em perfumes, certo?
Sim, foi, e adorei. A liberdade com que todos abordámos esse projeto surpreendeu-me: achei os processos muito difíceis e longos, mas foram supersuaves. Queríamos algo supernovo, totalmente fresco no universo dos perfumes. Os cheiros, os frascos, os personagens que trouxemos para expressar essa coleção. Culturalmente é uma proposta ousada, e estou superorgulhoso disso.
É difícil esquecer 2020, foi um ano muito difícil. Tem algum plano especial para a marca, em 2021, que possa partilhar connosco?
Seguir em frente e adaptar-me às mudanças do mundo, para conduzir o navio com firmeza e ao mesmo ritmo. É interessante porque este momento está a dar-nos a oportunidade de mudar a indústria com novas propostas que precisam de ser consideradas, o que de certa forma acelerou as mudanças. E isso é uma coisa boa.
Esta edição é dedicada aos espelhos. Qual a importância dos espelhos para quem trabalha com Moda – e com imagem? Qual é a sua relação com os espelhos?
Não me vejo muito ao espelho, mas adoro o facto de o reflexo poder ser um material que quase desaparece, sendo engolido pelo que o cerca. Quase como o contrário de uma imagem.
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