Look for Freedom | Vestir a libertação das mulheres afegãs

08 Mar 2024
By Vogue Portugal

A Amnistia Internacional, juntamente com Zarifa Ghafari e Katty Xiomara, apresentou hoje, no Dia Internacional da Mulher, o projeto Look For Freedom, que tem como mote alertar o público para o conflito existente no Afeganistão contra as mulheres. A Vogue Portugal falou com Katty Xiomara acerca deste projeto que procura a liberdade através da desconstrução de elementos opressores.

Look for Freedom foi criado com o objetivo de transformar para sensibilizar. Atualmente vive-se uma crise humanitária no Afeganistão, sobretudo contra as mulheres, que são subjugadas nos seus direitos e impedidas de viver em plena liberdade. Se é verdade que inicialmente os olhos dos canais estatais oficiais e do público geral recaíram sobre estas atrocidades, com o surgimento de outras crises pelo globo, a comunidade internacional parece ter-se esquecido da realidade destas mulheres, que continuam diariamente a lutar contra um conflito que não pára de escalar. Com o objetivo de dar voz a estas mulheres, e de forma a chamar a atenção do público para a sua resistência, Zarifa Ghafari, ativista, política e empresária afegã, e Katty Xiomara, designer portuguesa, juntamente com a Amnistia Internacional, decidiram colocar mãos à obra - ou no caso, mãos no tecido. O seu objetivo? Transformar símbolos de repressão em sinónimos vivos de liberdade - por isso, utilizam burcas deixadas para trás pelas mulheres afegãs que conseguiram fugir do país, desconstruindo-as e transformando-as em novas realidades materiais. 

Com o Dia Internacional da Mulher a ser celebrado hoje, dia 8 de Março, vale a pena (re)lembrar as mulheres que provam diariamente a sua resistência e que parecem ficar esquecidas na sua luta. A Vogue Portugal falou com Katty Xiomara para saber mais sobre este projeto que, em parceria com a Amnistia Internacional, pretende dar maior eco aos efeitos da discriminação violenta exercida contra as mulheres pelo regime taliban no Afeganistão, após a tomada de Cabul em 2021.

Como surgiu a ideia de utilizar burcas, transformando-as e construindo novas peças de roupa, nomeadamente vestidos, com a finalidade de dar a conhecer a situação de opressão das mulheres e  crianças afegãs? [...] Inicialmente a ideia passava pela criação de uma pequena coleção que pudesse ser construída em torno das burcas, usando-as literalmente como matéria-prima, mas a ideia foi evoluindo, focando-se em apenas um look, de forma a repetir e reforçar a ideia de uma maneira mais precisa. A ideia de utilizar as burcas surge através do relato destas mulheres que nos contam o simbolismo da peça e como o ato de descartá-la, de deitá-la fora quando conseguem fugir do Afeganistão, é importante para elas. É aqui que entra a nossa ideia de recuperar algo perdido, dando-lhe um propósito, mais nobre do que o seu propósito inicial, onde a mulher era anulada e apagada. Neste projeto a burca renasce como algo feminino e apetecível, que não anula, pelo contrário reforça, a existência destas mulheres.

De que forma começou a colaboração com a ativista Zarifa Ghafari? De quem partiu a ideia e como foi possível levá-la em frente? A agência criativa entrou em contacto com a Zarifa que se mostrou recetiva e ,a partir daí, o conceito ganhou um contorno mais pessoal. Ver o documentário sobre a Zarifa foi muito impactante para mim, mas o mais importante foi o feedback direto da própria. Fizemos algumas reuniões online e trocámos algumas mensagens que foram essenciais para conhecer um pouco mais do sentimento partilhado por estas mulheres, assim como para aprender de forma autêntica os valores desta cultura e perceber a melhor forma de passar a mensagem através deste projeto.

Com o surgimento de outros conflitos internacionais, deixou-se para um segundo plano a guerra dos talibãs contra as mulheres no Afeganistão, pelo menos no espaço público de informação. Considera que o projeto Look for Freedom surge assim não apenas como um projeto de solidariedade, mas como uma necessidade para dar voz a estas mulheres? Para fazer com que o público geral e as fontes oficiais voltem a falar sobre este conflito? Esperamos que assim seja, pois é de facto esse o intuito do projeto, a solidariedade só é conquistada quando percebemos a relevância da causa e sentimos empatia pelas pessoas envolvidas. Os conflitos lutam incansavelmente por esse lugar de destaque que é roubado rapidamente pelo conflito seguinte, fazendo-nos esquecer todos os outros que continuam e escalam a um ritmo galopante, como é o caso da tentativa de apagar a presença da dignidade da mulher no Afeganistão. 


O modo de vestir é sempre uma forma de expressão. Para si o uso de peças como estas, com este contexto e história, são também uma forma de expressão, uma forma de ativismo? Sim, são as duas coisas, o ativismo é uma forma de expressão que pretende elevar a voz, falar mais alto, a nossa ideia é retirar o peso impositivo à peça original, desconstruir as burcas e reconstruir algo novo preenchido de tudo aquilo que os Talibans tentam anular - a feminilidade da mulher - mas fazê-lo respeitando a cultura e os sentimentos das mulheres afegãs.

Acredita que o projeto Look for Freedom pode levar as pessoas a atuar ativamente contra este conflito, nomeadamente assinando petições como a da Amnistia Internacional, que pretende que o Tribunal Penal Internacional criminalize o conflito? Acredito que sim, penso que assim poderemos acordar para o problema, passando a mensagem de uma forma mais positiva, impactante, mas não depressiva.

Quais foram os momentos mais gratificantes deste projeto até agora? Sente que algum tipo de atenção foi dada a esta causa, graças também ao trabalho do Look for Freedom? O mais gratificante foi sem dúvida o contacto com a Zarifa, devo confessar que após ter visto o documentário me tornei grande admiradora da sua coragem, por isso foi um orgulho enorme poder vestir a Zarifa e através dela vestir a mulher afegã. Mas o projeto está a dar apenas os primeiros passos e a nossa expectativa é que conquiste a atenção das pessoas, para que por exemplo, assinem a petição da Amnistia Internacional, mas também para valorizarmos a nossa liberdade e dar tempo de reflexão sobre a posição da mulher na sociedade, por forma a evitar réplicas destas ações.

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