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Project: Vogue Union | Luís Onofre, o artesão

31 Jul 2020
By Ana Murcho

Nem todos os criadores se podem gabar de possuir, ao mesmo tempo, sabedoria e génio. Luís Onofre pode. E acrescenta-lhe uma humildade quase encantadora.

Nem todos os criadores se podem gabar de possuir, ao mesmo tempo, sabedoria e génio. Luís Onofre pode. E acrescenta-lhe uma humildade quase encantadora.

Luís Onofre
Luís Onofre

“Em 1999, inspirado pela tradição da sua família no fabrico de calçado e pelo desejo de desenhar sapatos para as futuras gerações, Luís Onofre produziu a sua primeira coleção.” É assim que começa a minibiografia do homem que levou a herança do avô, iniciada na década de 1930, às montras, e às passerelles, de todo o mundo. Porque Luís Onofre, que cresceu rodeado do cheiro da pele e da seleção rigorosa de materiais, sempre imaginou ser arquiteto ou decorador de interiores. O futuro, no entanto, trocou-lhe as voltas. O início do milénio marcaria o nascimento da sua marca homónima, que se destaca por uma elegância polida, pela singularidade e pelo recurso à sabedoria dos artesãos mais talentosos (e genuínos) que, a partir da fábrica de Luís Onofre, em Oliveira de Azeméis, dão vida à imaginação do criador - que já confessou, mais do que uma vez, que começou a fazer sapatos porque “era um bocado destravado” e essa era uma forma de o pai o por a trabalhar.

Hoje em dia, a marca é sinónimo de um sonho cumprido. “A Luís Onofre é uma marca de acessórios portuguesa, especializada em sapatos e marroquinaria de luxo, e a excelência dos seus produtos conquistou de imediato vários mercados internacionais, tais como Espanha, França, Itália, Holanda, Rússia, EUA, China, América do Sul, entre outros. Um sapato ou uma mala Luís Onofre representam a especialização e a qualidade de uma família que há três gerações se encontra ligada à produção de calçado.” Não é preciso muito name dropping para confirmar as afirmações do criador. Nieves Álvarez, Catarina Furtado, Soraia Chaves, Paris Hilton... O número de mulheres que escolhe o refinamento, o conforto e a durabilidade das peças de Luís Onofre não para de aumentar. Missão cumprida? “Na primeira coleção de verão que apresentei (a minha coleção de estreia tinha sido no inverno anterior e correu mais ou menos) a adesão foi grande e isso teve um impacto muito positivo na minha determinação. Criou aquela sede de continuar e fazer mais. Outro momento essencial foi quando a princesa Letizia de Espanha usou os meus sapatos. Não houve qualquer estratégia de marketing ou product placement que agora são comuns. Foi algo totalmente orgânico. Mas na verdade, sempre que uma cliente elogia os meus sapatos, sinto que tudo vale a pena."

"A mente criativa é por definição inquieta, porque procura sempre uma perfeição que não existe."

Mas isso é agora. Há momentos em que nem tudo corre bem. Será que alguma vez pensou em desistir de tudo? “Quando algo corre menos bem, reconheço que esse pensamento me surge quase de imediato. Uma espécie de bomba relógio que me acompanha enquanto encontro a solução para aquele desafio. A minha ética de trabalho impõe-me uma constante resiliência e determinação na resolução dos problemas. Tenho sempre de mudar e resolver o que não corre bem. Posso até pensar em desistir, mas é sempre mais interessante encontrar a solução para que tudo volte a correr bem. Sem isso, não vale a pena.” Nem vale muito a pena pensar naquelas peças de coleções passadas que agora, à distância de um gosto que, ano a ano, se torna mais refinado, talvez pudessem ter ficado... mais perfeitas. Ou vale? “Acho que refazia todas... [as coleções] (risos). A mente criativa é por definição inquieta, porque procura sempre uma perfeição que não existe. Mesmo com a consciência dessa inexistência, é impossível abandonar a inquietação do eterno recomeço. E, no fundo, é dessa superação criativa que vive a Moda. A cada estação surgem novos materiais e novas tecnologias que tento sempre integrar nas minhas coleções. Com a experiência ganhei atalhos criativos – vou direto ao que o mercado procura e às expetativas ou limitações de cada material. Mas, ao mesmo tempo, sinto que perdi um pouco daquela vertigem e fulgor criativos da juventude. Por cada momento de confiança que ganho é mais difícil encontrar algo que verdadeiramente me emocione. Mas com isto não quero dizer que a adaptação a estímulos exteriores não seja importante. A questão dos saltos é um bom exemplo. Eu gosto de desenhar saltos altos, mas sei que a mulher atual prefere um salto médio porque é mais cómodo e essa ‘imposição’ desafia-me a criar algo emocionante num formato que, para mim, não é o ideal.”

Além de criativo e empresário, Luís Onofre é presidente da APICCAPS (Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos), cargo para onde foi recentemente reconduzido por mais três anos, e presidente da Confederação Europeia de Indústrias de Calçado. No seu caso, o grande desafio é desmontar as horas que os dias têm - e fazê-las render a seu proveito. Preparar uma coleção é traduzir, passo a passo, os seus devaneios, as suas inspirações - que podem chegar de qualquer lado. “A coleção de verão 2020 (Eivissa) é um regresso à cor e a combinações de materiais inesperadas. É uma homenagem ao verão. É também, com muito orgulho, uma coleção onde a sustentabilidade dos materiais esteve em destaque. As peles foram substituídas por tecidos, a madeira deu forma aos saltos e as aplicações não têm níquel. Trata-se de uma aposta da marca no futuro de todos e que, por isso, vou manter, sempre que possível, nas próximas coleções. O inverno de 2021 (Galore) é uma homenagem às pistas de dança, aos corpos em movimento ao som do funk que agitava os corpos nos anos 70. É uma coleção muito mais retro onde me diverti muito a construir ângulos de salto quase inimagináveis.”

"Antes de me apaixonar pelo calçado (obrigado pelo meu pai) queria seguir design de interiores."

Esta é a história de Luís Onofre. Mas ele, o rapaz "um bocado destravado" que se transformou num cidadão do mundo, não é alheio ao que se passa na Moda, que se vê cada vez mais fragilizada, e mais pressionada, às constantes mudanças do universo. Daí saber a importância de colaborar com outras mentes que sigam uma estética semelhante à sua. “A colaboração de design nacional que mais ambicionava realizar era com a [marca] Boca do Lobo e tive a felicidade de a concretizar. Esta colaboração era importante para mim porque cruza sinergias de diferentes áreas de atuação. A escala, os materiais e a perceção são aparentemente distintos, mas alinham-se mais depressa do que imaginamos. É uma marca com a qual partilho códigos estéticos e cujo posicionamento admiro. Na verdade, antes de me apaixonar pelo calçado (obrigado pelo meu pai) queria seguir design de interiores.” Daí fazer sentido perguntar-lhe se, nesta indústria, a união é possível ou não passa de uma utopia. “Sou o primeiro defensor da Moda nacional e da união da indústria mas, antes disso, as marcas devem ganhar uma dimensão internacional. Precisamos de ganhar escala de referência a nível internacional. A internacionalização e o crescimento devem ser as nossas prioridades absolutas. Temos de procurar e captar investimento de grupos internacionais que acreditem e invistam no design e produções nacionais. E só depois surgirá a necessidade de unir marcas por segmentos.”

"Queremos fortalecer as mulheres cujos valores respeitamos e admiramos.”

No site de Luís Onofre encontramos, entre muitas coisas belas, um slogan: A brand for strong women with strong values.” Foi escolhido porque representa um desejo global de toda a equipa. Queremos fortalecer as mulheres cujos valores respeitamos e admiramos.” No fundo, é essa a base que sustenta cada stiletto, cada sabrina pontiaguda de verniz nude, cada sandália cravejada a aplicações de cristais. Agora que aparentemente sabemos tudo sobre as suas obras de arte, deixemos espaço para as confissões de Onofre. O que é que gostaria que lhe perguntassem numa entrevista? É uma boa questão. Honestamente, não sei qual seria a pergunta ideal ou até o tema sobre o qual nunca tenha falado e sobre o qual gostaria de falar. Vou pensar nisso...” Num extremo oposto, qual é a pior pergunta que lhe podem fazer? Essa é bem mais fácil de responder. Todas as perguntas que se relacionam exclusivamente com a minha vida privada ou com a minha família. Gosto muito de falar sobre o meu trabalho, mas muito pouco de falar sobre mim ou sobre a família.” Nem é preciso. Os sapatos - e, mais recentemente, os acessórios - já dizem tudo.

Ana Murcho By Ana Murcho

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