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Já se encontrou com a sua vulva hoje?

08 Mar 2019
By Cátia Pereira Matos

Mais self-dates, menos pudor, novos prazeres. Nesta jornada de autodescoberta que é a masturbação, o destino é sempre o amor-próprio.

Mais self-dates, menos pudor, novos prazeres. Nesta jornada de autodescoberta que é a masturbação, o destino é sempre o amor-próprio. 

© D.R

No final de 2014, quando Nicki Minaj apresentou ao mundo os frutos de um novo dueto com Beyoncé, lançado no rescaldo de Flawless, quisemos silenciar todos os barulhos do quotidiano para ouvir com atenção as palavras que aquelas duas forças poderosas do pop-R&B e do hip hop articulavam com tanto à-vontade. Era impressão nossa ou aqueles versos orelhudos I’m feelin’ myself, I’m feelin’ myself, I’m feelin’ my, feelin’ myself eram uma clara referência à masturbação? Volvidos quase cinco anos, aquele é o primeiro refrão em que pensamos quando falamos da autoestimulação sexual do ponto de vista feminino e discutimos o tema com a naturalidade com que ele merece ser tratado.

“Estamos a caminhar cada vez mais para um diálogo”, começa por dizer Beatriz Sabô. Aos 25 anos, esta mulher formada em Ciência Política pela Universidade de Brasília procura passar mensagens de self-love através de uma página de Instagram a que deu o nome de @vulvapolitica. Do Brasil fala para o mundo, mas dirige a sua comunicação sobretudo às mulheres, com quem conversa sobre “vulvas, ciclos menstruais, sinais de fertilidade e prazeres”, temas que considera serem importantes pelo facto de ainda existir em torno dos mesmos alguma desinformação. “Nós não fomos ensinadas acerca do que é a vulva. Ou temos vergonha de dar nome ao nosso órgão genital ou chamamos de vagina, o que reduz toda uma estrutura a um canal vaginal entendido como um buraco [pronto] a ser penetrado. Ao não aprendermos sobre a nossa vulva também não aprendemos sobre a nossa própria sexualidade”, argumenta. A ideia é corroborada por Vânia Beliz, sexóloga portuguesa e autora do livro Ponto Quê? [Objetiva], que, no âmbito da sua atividade profissional, quer pelo acompanhamento clínico, quer pelas ações de formação em várias escolas do país, já se deparou com muitas mulheres que nunca se observaram “lá em baixo”, não estão familiarizadas com o termo vulva e desconhecem que é precisamente nesta zona que estão localizadas as principais estruturas de prazer, como o clitóris. “Este desconhecimento faz com que as mulheres afastem a ideia de se tocarem e possuam pensamentos errados relativamente à sua própria genitália — que é um lugar sujo, ou um sítio onde não se deve tocar.” Mas há que ver, sentir, aprender, explorar e desfrutar das sensações prazerosas. Em suma: há que tratar a vulva por ‘tu’.

A importância do autoconhecimento

‘Qual é o meu desejo?’ e ‘O que me faz sentir prazer?’ são questões que qualquer mulher pode e deve colocar a si mesma— e as respostas, com frequência, surgem com o tato. “Digo muitas vezes às mulheres ‘Não pensem, explorem-se primeiro por fora. Às vezes até quando tomam banho. Vejam como reagem os vossos lábios, sintam-se sem medo’”. Salientando o facto de sermos “todas diferentes”, a sexóloga evita listar os melhores métodos de autoestimulação do órgão genital feminino, precisamente porque neste campo tudo é muito subjetivo. “Há mulheres que gostam de movimentos circulares, outras que gostam de movimentos com mais força. É preciso compreender que cada pessoa é única, e cada pessoa tem de perceber como é que gosta de ser estimulada e descobrir o que é que resulta com ela.” O importante aqui é levar a cabo e a solo um processo de autodescoberta, que, geralmente e numa primeira fase, passa pelas próprias mãos. “Muitas mulheres, com o objetivo de se masturbarem, pensam ‘Tenho que comprar um vibrador’, mas antes de comprar qualquer aparelho a mulher tem de se conhecer — precisamente porque muitas mulheres chegam a não ter qualquer prazer com a introdução de um objeto na vagina. É preciso que elas se conheçam, também para perceberem que tipo de produto podem comprar.”

Acessórios? Nem tanto

Quando em 2014 Elsa Viegas introduziu no mercado dos brinquedos sexuais um vibrador dourado em forma de diamante, a cofundadora da marca de produtos eróticos Bijoux Indiscrets viu chegar ao fim 18 meses de intenso trabalho. Afinal, uma joia não ganha forma da noite para o dia. Pretendia criar um objeto que fosse a girl’s best friend, “muito bonito, discreto e ergonomicamente compatível com a anatomia da zona íntima feminina”. O produto, que viria a marcar a estreia da marca no campo dos pleasure toys, teria ainda de cumprir um outro requisito: ser de uso externo. Na origem desta decisão estiveram vários estudos, e respetivas conclusões, sobre prazer sexual com que a designer se cruzou, que referiam que a estimulação externa era muitas vezes necessária para as mulheres atingirem o orgasmo. Depois desse vibrador, “que foi um êxito, não por ser super high tech e ter mil funções, mas sim pela sua simplicidade e design apelativo” e por proporcionar “muito jogo com as suas três intensidades e sete modos de vibração”, outros se seguiram, igualmente dedicados ao clitóris.

Voltando as atenções para outras zonas da vulva e da vagina, a oferta de brinquedos sexuais é igualmente vasta — e não intimida Marta Bateira aka Beatriz Gosta. Se procurar por Toy Crush no canal de Youtube da humorista vai encontrar um vídeo de dez minutos onde a mesma fala abertamente sobre a sua “gaveta de toys”: do anel ao tiger, das bolas chinesa à fairy. “Acho que todas as mulheres e homens devem ter uma gavetinha, ou uma caixinha, com brinquedos de todas as cores e feitios; lubrificantes; e por aí fora”, diz à Vogue Portugal.

Me, myself & I

“Esse pessoal que pensa que quem se masturba não tem uma relação, e depois quando tem uma relação já não precisa de se masturbar — Hello! Masturbar é um mambo; estar ali pele com pele com outra pessoa são outros quinhentos”, exclama Beatriz Gosta a dada altura do vídeo supracitado, numa tentativa de tornar a prática independente do estado civil. Ideias erróneas como ‘Se tenho um/a parceiro/a não preciso de me masturbar’, ‘A masturbação é uma prática que serve para compensar mau sexo ou sexo insatisfatório’ e ‘Estou com alguém, logo a masturbação é uma traição’ também chegam aos ouvidos de Elsa Viegas. “Há que entender que a masturbação faz parte de uma vida sexual saudável”, diz a cofundadora da Bijoux Indiscrets. Beatriz Sabô mostra-se totalmente de acordo, acrescentando que a masturbação “é uma forma de mantermos uma relação de plenitude com o próprio corpo físico, mental e emocional. Traz leveza, auto-estima e amor-próprio.” Por isso considera fundamental que as mulheres assumam a responsabilidade pelo próprio prazer. “Isso significa retirar-me de uma posição de submissão para questionar qual é mesmo o meu desejo”, esclarece. E resume: “Uma mulher responsável pelo próprio prazer é uma mulher que reconhece o seu próprio potencial. É criativa, é confiante e é plena.”

Se não tiver planos para hoje, acabou de encontrar um; se já tiver, reserve tempo para outro: encontrar-se com a sua vulva.

Cátia Pereira Matos By Cátia Pereira Matos

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