Natália Correia é musa, Lisboa é location, Portugal é inspiração. À pré-coleção de primavera/verão da Max Mara, só lhe falta cantar o fado.
Natália Correia é musa, Lisboa é location, Portugal é inspiração. À pré-coleção de primavera/verão da Max Mara, só lhe falta cantar o fado.
Mas também só falha por um bocadinho "assim": envolvida na coleção desde o início, a fadista Carminho pontuou o desfile com a sua voz como banda sonora e ainda pisou a passerelle. Um nome contemporâneo a juntar-se ao de outros icónicos e de outros tempos, com manifesta expressão nas linhas e no mood desta gama que chega às lojas da marca em novembro. O nome mais repetido ao longo desde quadro de inspirações é o de Natália Correia (1923-1993), a poeta e autora portuguesa que conquistou o coração de Ian Griffiths, o diretor artístico da casa italiana há quase quatro décadas.
"A coleção toda é um caso de amor com Portugal, Lisboa e, sim, com Natália Correia. Se ela não existisse, eu não poderia tê-la inventado, ela personifica tudo o que eu penso quando penso numa heroína Max Mara. Por isso, está lado a lado com outros ícones Max Mara, como Dorothy Parker, Marilyn Monroe e todas as outras mulheres que me têm inspirado ao longo dos anos. Poeta, ativista social, uma socialite - adorava festas -, uma pessoa criativa e uma intelectual que impactou a sociedade portuguesa nos turbulentos anos de meados do séc. XX. Que mulher incrivel, a sua memória merece ser celebrada e reavivada.", contou-nos o criativo, momentos antes do desfile na capital portuguesa. "A paixão começou logo na primeira vez que vim a Lisboa. Não a conhecia... nem acredito que não sabia quem ela era, acho até que há muitos portugueses que não sabem muito sobre ela, também, e fora de Portugal não é muito famosa, mas espero que devido ao desfile, passe a ser. Eu estava ansioso por fazer uma apresentação em Lisboa, e estava ansioso por fazê-la na Gulbenkian, estou de facto grato por ter descoberto esta história sobre Natália, porque se não o tivesse feito, não sei se faria tanto sentido mostrar a coleção neste edifício sem essa conexão - ou mesmo se a Fundação, que generosamente disponibilizou o espaço, teria concordado. Parecia destinado."
Não foi só Correia que pontuou este Resort de referências portuguesas: os afamados lenços dos namorados, curiosamente apresentados ao designer pela diretora da Vogue Portugal, Sofia Lucas, meses antes - quando Lisboa conquistou o coração de Griffiths e começou a ganhar contornos de palco para esta apresentação -, surgem como emblemas em t-shirts, mas muito pouco desvirtuados da versão original, até na sua manufatura.
"A Sofia Lucas, muito generosamente, explicou-nos esta tradição dos lenços, nos quais mulheres solteiras bordavam mensagens, com flores e corações, para os seus pretendidos e amados, e deixavam-nos cair nas igrejas... se os amados os apanhassem e os pusessem nos seus bolsos, era praticamente como se estivessem noivos. É uma história encantadora - e é poesia, tal como Natália Correia, tal como o fado... é tudo sobre poesia. E nós queriamos celebrar essa tradição portuguesa, mas seria errado aproveitar essa ideia dos lenços e fazê-la fora de Portugal, por isso trabalhamos com artesãos locais e fizemos todos aqui, à mão, e depois foram aplicados em t-shirts, como um painel, na parte da frente."
Não é, portanto, à toa, que a coleção se intitula Vai Lenço Feliz, assim como não é aleatório que a Fundação Calouste Gulbenkian tenha servido de cenário para o desfile que aconteceu ontem, 28 de junho, uma vez que foi aqui que Ian se apaixonou por um quadro de Natália Correia, pintado por Nikias Shapinakis, que retrata a pensadora, poeta e ativista social. Vai Lenço Feliz acaba por ser o culminar de uma pesquisa sobre a - e consequente homenagem à - contribuição de Correia para as áreas artística, cultural e política portuguesas em meados do séc. XX, englobando referências várias, como a sua obra Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica. A sintonia entre a marca e a autora açoriana é clara, para a casa: "tal como a Max Mara formulou a sua própria marca de feminismo, assim o fez Correia". A tradução deste moodboard tão rico quanto disruptivo encontra a sua materialização numa coleção que vai buscar a sensualidade a linhas mais voluptuosas e sexy, sem prejuízo para a sofisticação que é apanágio Max Mara. Aliás, na entrevista à Vogue Portugal, Ian Griffiths sublinha que mesmo os crop tops que acompanham as saias compridas são passiveis de serem mais longos ou mais curtos consoante a mulher Max Mara preferir, porque a sensualidade confortável a cada uma delas pertence. "Fala-se que há um mood sexy no ar, mas esta coleção não pretende incitar as mulheres a passar fome para se sentirem sensuais, trata-se de se sentirem sensuais e felizes com o seu tipo de corpo", remata Griffiths.
E muitas destas confiantes mulheres estavam sentadas na primeira fila que se estendia sobre a relva, vindas de perto e de longe, veiculando a elegância Max Mara irrefutável. Entre elas, a norteamericana Claire Danes com o marido, Hugh Dancy.
Ali, naquele backstage improvisado, o diretor criativo contava-nos ainda que, apesar de haver um elemento masculino a pisar a passerelle, não é uma estreia de menswear, é antes uma materialização do que já acontece nas lojas da marca italiana: há uma clientela masculina que acaba por consumir as peças, mesmo não sendo pensadas para homem, e Griffiths quis mostrar esta versatilidade - e realidade - em desfile. "Não são roupas para Homem, são peças da coleção de mulher produzidas em tamanho masculino, size 50, para refletir este fenómeno cada vez mais recorrente. Não há planos para uma coleção de menswear porque a Max Mara é uma marca para mulheres e para se sentirem empoderadas, e enquanto esse objetivo não for uma realidade plena, os homens vão ter que esperar."
Carminho desfilou ao som dos seus próprios temas - dois temas, mais precisamente -, "remixados" pelo DJ Johnny Dynell, numa colaboração que lhe causou alguma apreensão, ao início: "Foi muito assustador [pensar num remix do fado] e foi algo que envolveu muito trabalho, muita dedicação e muito respeito do Johnny Dynnell, que é um artista fabuloso", revela-nos a cantora. "Colaborou com pessoas como Woody Allen, Basquiat e tantos outros, é uma pessoa fascinante e, de facto, quando se apercebeu da exigência que talvez lhe foi imposta por mim nessa missão de remixar o fado ou torná-lo mais 'andável', ele compreendeu perfeitamente as minhas preocupações e o facto de sentir que o fado precisava de ser protegido para que não deixasse de o ser, para que continuassemos a ter 'fado'. E até a proteger o próprio desfile, porque se há este entendimento tão grande da iconografia, a música deveria acompanhar esse entendimento." O lado assustador dissipou-se com os meses de colaboração e dedicação, que envolveu muitas viagens de um e de outro, e outras tantas passagens por casas de fado, para sentir a tradição no seu mais puro estado.
Mais assustador, na verdade, foi pisar a passerelle, confessa-nos, o que vai ao encontro do que Griffiths nos revelou ao assumir que, no primeiro jantar com Carminho, o seu intuito sempre fora passar a refeição a convencê-a a colaborar com a Max Mara. "Quando viemos a Lisboa, entrámos em contacto com Carminho, porque eu queria aprender sobre Portugal com uma fadista", contextualiza Ian sobre esta feliz reunião, "e tinha andado a ouvir muito fado e estava apaixonado pela voz de Carminho. E no jantar, a minha intenção era fazer o convite para colaborarmos e ela disse-me, 'sabes, nunca colaborei com uma marca', parecia nervosa... por isso, o meu papel nesse jantar foi o de convencê-la a juntar-se a nós", confidencia, entre risos.
"Eu, na verdade, já sabia que o convite ia acontecer, só mais tarde soube que o Ian estava com essa preocupação em convencer-me", corrige Carminho, com um sorriso largo, "mas eu já sabia que o convite era sobre a marca querer debruçar-se sobre o ícone da mulher portuguesa, e isso interessa-me. Interessam-me os valores que eu possa relacionar comigo, com o meu trabalho, com o fado, com Portugal, com aquilo que eu também quero representar e com o qual me quero relacionar. Por isso, foi muito fácil perceber que ele estava a fazer um trabalho muito intenso sobre a mulher portuguesa, sobre a Natália Correia, sobre a Amália Rodrigues, sobre os lenços dos namorados, sobre os vários detalhes da nossa tradição e isso emocionou-me, inspirou-me, deixou-me super orgulhosa... e convenceu-me."
A concretização chegou naquele serão, nos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, numa parceria que não se esgota nesta data pontual: a casa italiana apoiará a renovação das galerias de arte francesa do século XVIII presentes no museu da Fundação.
Outra parceria relevante é aquela que celebra ainda com a Faculdade de Arquitetura de Lisboa, a primeira com um curso de Design de Moda: em vigor está um concurso para os alunos de moda, que terão de desenvolver uma ideia criativa para uma próxima coleção resort. O vencedor ganha um contrato de seis meses na sede da marca, em Reggio Emilia, Itália, para trabalhar diretamente com Ian Griffiths. O diretor criativo explica o porquê desta colaboração ser-lhe tão cara: ele próprio começou assim, na marca. Ganhou um concurso para um estágio na Max Mara. Era para ser seis meses; 37 anos depois, continua a manter a sua influência. E não pensa abandoná-la tão cedo, assegura-nos. "Se me segues no Instagram, saberás que a minha hashtag favorita é #ilovemyjob".
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