Porque é que deve aplicar o método de Marie Kondo ao seu feed de redes sociais? A filosofia da Japonesa funciona além do seu guarda-roupa.
Porque é que deve aplicar o método de Marie Kondo ao seu feed de redes sociais? A filosofia da Japonesa funciona além do seu guarda-roupa.
Já o ouvimos vezes sem conta: as redes sociais não são boas para a nossa saúde mental. Mas a coisa não é assim tão simples. Enquanto geração, encontramos cada vez mais maneiras de tornar as redes parte da nossa existência social e crescemos a depender mais e mais dos nossos feeds para camaradagem, informação e validação. Algumas pessoas encontram, através das plataformas de social media, uma comunidade e isso pode ser bom para a saúde mental.
“Há uma série de pesquisas contraditórias”, afirma a psicóloga clínica Alexandra Hamlet, especializada em síndromes de mudanças de humor no Child Mind Institute, em Nova Iorque. “Alguns dizem que, com o começo do iPhone, há uma correlação com o aumento de estados depressivos, o que pode implicar a relação, mas não a causalidade, correto?”
Independentemente da ciência, podemos ser capazes de concordar que as redes sociais podem pesar na nossa saúde mental. Tal como Marie Kondo defende espaços mais limpos e livres de confusão para fomentar a alegria, podemos aplicar essa filosofia às nossas redes sociais. O método viral KonMari é o ato de tirar um momento para parar, olhar à volta e pensar intencionalmente sobre o espaço físico que nos rodeia, incluindo nele apenas o que nos faz felizes. E descongestionar o espaço físico, está provado, tem consequências positivas ao nível da saúde mental. Sendo assim, e se expandíssemos esta prática aos nossos espaços digitais? É altura de ser consciente no que diz respeito ao modo como navegamos, organizamos e vivemos naquele pequeno canto onde o nosso eu online mora.
De acordo com Hamlet, há três áreas nas quais as redes sociais podem começar, de facto, a criar erosão na saúde mental de uma pessoa: pressão, drama e comparação. Hamlet define a pressão como “o sentimento de ir de férias só para postar algo”, ou a pressão de veicular a sua vida de uma forma idealizada. “O que gosto de chamar de drama”, explica, “é sentir a necessidade de dizer algo como forma de te vingares de alguém ou tornar esse comentário ligeiramente tóxico nesse sentido”. Comparação, segundo Hamlet, é quando te comparas “aos teus pares e celebridades nas redes sociais, sem entenderes o que foi filtrado, qual foi o contexto da fotografia, se não aconteceu mais nada durante o dia, se a pessoa estava de facto a divertir-se tanto quanto parece.”
"Acho que as pessoas estão a modelar a imagem que têm de si próprias primariamente através dos seus números de social media."
Estas coisas, combinadas com o modo como angariar atenção nas redes sociais nos pode fazer sentir, podem causar um problema. “Sabemos que as notificações enviam dopamina para o cérebro”, diz Hamlet, “o que não é algo terrível, há maneiras menos sociáveis de se conseguir dopamina”. No entanto, quando as nossas emoções são ditadas pela emergência de um like ou um follow, acrescenta Hamlet, “isso faz-nos sentir que a app tem o controlo.”
O Instagram cria um paradigma no qual a popularidade, a amizade e a validação são quantificáveis, e os gostos, comentários e seguidores tornam-se uma moeda de troca social. A artista brasileira Marcela Sabiá, fundadora da página @marcelailustra, ganhou vários seguidores pelas suas ilustrações de arte inclusiva e imagens body-positive. “Acho que as pessoas estão a modelar a imagem que têm de si próprias primariamente através dos seus números de social media”, diz Sabiá à Teen Vogue. Fazer uma limpeza do modo como habitualmente usa as redes sociais permitirá que prioritize a sua “vida offline”, como diz Marcela, e encontre validação nas atividades da vida real. Então, como podemos perceber exatamente o que precisa de ser dispensado e o que é que “nos traz alegria” no feed de redes sociais? De acordo com Hamlet, a maneira como retiramos alegria das redes sociais é diferente do sentimento descrito por Marie Kondo no seu programa da Netflix.
“Se valoriza, enquanto ser humano, o conhecimento, a procura de informação a contribuição para uma grande história ou questões do foro político, então isso é uma forma inadvertida de alegria”, diz. “Não há nada na vida que diga que tem de ser alegre o tempo todo mas, em última instância, se os benefícios de se envolver politicamente em algo que valoriza lhe traz felicidade é, ainda assim, uma espécie de alegria, apenas não tão literal”. Se genuinamente lhe agrada ficar a par de algo ou alguém, mantenha-o. Se está a fazer com que se sinta mal, experimente deixar de seguir ou fazer o mute dessa conta. A escritora Liz Fraser acredita que o primeiro passo no processo KonMari se reduz basicamente a educar-se a si próprio no que melhor funciona para si. Liz é também a fundadora de Headcase, uma plataforma multimédia cujo intuito é quebrar o estigma em torno da saúde mental.
“Acho que a chave, para todos nós, não é tanto entender as contas que seguimos, mas percebermo-nos a nós mesmos e o que funciona para nós.”, diz Fraser. “E, para mim, é uma analogia simples, tipo: que quantidade de café consegues beber?”.
"Ser intencional sobre o que publica permite que desfrute das redes sociais como um diário visual da sua vida."
Noutras palavras, tem tudo a ver com ter propósito sobre as contas que segue, o que publica e quanto tempo passa nas redes sociais. Se consome social media em demasia, tal como o consumo de café, isso pode ter um impacto em si. Ser intencional sobre o que publica permite que desfrute das redes sociais como um diário visual da sua vida. Hamlet sugere que um post deve ser “algo para o qual vou olhar para trás, daqui a um ano, e sorrir”.
Perseguir um interesse ou hobby na app é uma ótima forma de conseguir conteúdo que vai entusiasmá-la e inspirá-la de igual forma. Elyse Fox, realizadora e fundadora do Sad Girls Club, sugere encontrar o seu interesse e perseguir isso continuamente, seguindo as páginas de que realmente gosta”. O Sad Girls Club de Fox criou uma comunidade próspera, graças à sua busca por garantir conversa em torno da saúde mental de forma inclusiva e relacionável - uma das coisas que pode tornar as redes sociais algo benéficas. “As pessoas agem como se usassem as redes sociais para entretenimento, mas querem, na verdade, ver-se a si mesmas e ver pessoas com as quais se identifiquem”, diz Fox.
Fox partilha histórias de seguidores que se tornaram amigos através da página Sad Girls Club: encontram-se “IRL” (in real life, ou seja, na vida real) e fazem coisas pela cidade juntos, alguns até viajam juntos. “É de facto uma comunidade que tem tradução tanto online como offline”, confirma.
Os membros do Sad Girls Club que se encontram na vida real estão a pôr em prática uma das coisas que Fox e outros recomendam para quem está a tentar limpar os seus feeds sociais: equilíbrio. Fox, Sabiá e Hamlet, todas sugeriram procurar alguma espécie de equilíbrio entre o tempo que passa no digital e fora dele, incluindo desligar notificações no seu telefone, fazer o tracking do uso das apps e deixar de seguir conteúdo que “não lhe traz alegria”.
“O Instagram, hoje em dia, tem ferramentas que nos permitem silenciar contas sem precisar de deixar de as seguir, bloquear outros utilizadores e restringir o acesso de algumas pessoas aos seus posts, e eu acho que devemos usar estas opções a nosso favor”, defende Sabiá.
Se está a sentir que lhe é difícil desligar, Hamlet recomenda que “encontre um comportamento de substituição, então. Porque dizer apenas que não vai fazer algo não funciona - o que é que vai fazer com o seu tempo, sendo assim? Encontre outra coisa, seja juntar-se a um amigo ou familiar, ou fazer trabalhos manuais ou ver televisão”. A ideia é que as redes sociais devem enriquecer o modo como desfruta a vida, não subtrair alegria da mesma. “As redes sociais são apenas uma outra face dos media e se entender que está lá para, em grande parte, ser isso mesmo, saberá”, diz Liz, “que não é o mundo real”.
Artigo originalmente publicado na edição de julho de 2019 da Vogue Portugal.