Moda  

Can't afford a Balenciaga

27 Aug 2019
By Mónica Bozinoski

Ou uma 2.55. Ou uma Speedy. Ou uma Birkin. Ou uma Kelly. Ou uma Saddle Bag. Ou uma Le Pliage. Ou uma Marmont. Pelo menos, não uma que seja verdadeira.

Ou uma 2.55. Ou uma Speedy. Ou uma Birkin. Ou uma Kelly. Ou uma Saddle Bag. Ou uma Le Pliage. Ou uma Marmont. Pelo menos, não uma que seja verdadeira.

Não estamos aqui para enganar ninguém: comprar, possuir e andar com o luxo atrás das costas sai caro. Também não estamos aqui para mentir a ninguém: não é para todos passar o cartão numa loja e sair de lá com uma carteira da Chanel, da Hermès ou da Louis Vuitton aos ombros, da mesma forma que não é para todos comprar uma sweatshirt da Supreme ou uns ténis igualmente hyped da Nike.

Facts are facts, e os factos são estes. Nós sabemos, a realidade é dura. A verdade dói. Mas será que isso é desculpa para a existência da cultura da contrafação, da imitação, da cópia disfarçada de inspiração? Será que o discurso do “desculpa lá, mas porque é que havia de estar a dar mais dinheiro se posso comprar uma falsificação por metade do preço?”, do eterno “sim, é fake, e aposto que mal consegues notar a diferença”, do conveniente “não tenho pena nenhuma destas marcas, a culpa é delas por praticarem aqueles valores exorbitantes por coisas que não valem assim tanto” ou do “no fim do dia, elas continuam a encher os bolsos e nós aqui”, podem continuar a ser justificação?

Vejamos os números: de acordo com o relatório Global Brand Counterfeiting Report 2018-2020, “a quantidade de contrafações, globalmente, atingiu os 1,2 biliões de dólares americanos em 2017, e acredita-se que poderá chegar aos 1,82 biliões de dólares americanos em 2020.” Sim, estamos a falar de valores na ordem dos 12 zeros. Para além disso, e segundo os mesmos analistas, “é estimado que o prejuízo sentido devido à contrafação em meios online no ano de 2017, globalmente, seja de 232 mil milhões de dólares americanos”, sendo que “o prejuízo contraído por marcas de luxo devido à venda de contrafações na Internet representa 30,3 mil milhões de dólares americanos.”

Os dados continuam com um relatório conduzido pela Entrupy, intitulado State of The Fake e publicado em junho deste ano. A empresa de tecnologia, que trabalha no sentido de ajudar diversos retalhistas em todo o mundo a autenticarem, com sucesso, diversas carteiras e acessórios de algumas das marcas de luxo mais populares da indústria – a solução consiste num scanner, acompanhado por uma app, que guia o utilizador num processo de captar imagens microscópicas de diferentes ângulos do item em questão que, posteriormente, determinam a autenticidade do mesmo – reportou que, “só em 2017, a Alfândega e Proteção de Fronteiras e a Imigração e Fiscalização Aduaneira norte-americanas apreenderam cerca de 35 mil carregamentos de produtos falsos, 15% dos quais eram vestuário e acessórios.”

De acordo com o mesmo relatório, a Louis Vuitton tem a maior taxa de contrafação – “não só pela sua popularidade”, mas também pelo facto de “produzir muitos dos mesmos estilos e usar muitos dos mesmos materiais década após década”, permitindo assim que os contrafatores aprimorassem as imitações ao ponto de serem réplicas quase perfeitas -, seguida da Gucci, da Chanel, da Prada e da Coach. Isto tudo, claro, sem ter em conta os problemas éticos da contrafação.

Como reportou o Better Business Bureau, num relatório sobre o tema publicado em maio deste ano, existem inúmeros grupos internacionais de crime organizado envolvidos no negócio da contrafação e uma parte dos lucros poderá estar a ser usada para financiar grupos terroristas – uma informação que, em julho de 2003, já tinha sido avançada pela Interpol.

“Não existe qualquer tipo de regulamentação, e é assustador pensar nas pessoas que estão a produzir estas contrafações; tens crianças presas às mesas, mulheres trancadas em fábricas. Os químicos que são usados durante a produção – não existem dados sobre os perigos dos mesmos”, explicou Deanna Thompson, diretora de negócios da Entrupy, ao Fashionista. “As pessoas acham que isto é um crime sem maldade”, acrescenta. “É apenas falta de educação.”

A opinião de Thompson é partilhada por Gavin Haig, ex-CEO da Belstaff e atual Chief Commercial Officer da Burberry. “Para os consumidores que procuram falsificações: querem comprar algo a alguém que recebe uma data de cêntimos por uma hora de trabalho? Que trabalha em condições condenáveis? Querem uma peça que, para além de estar cheia de crômio, ainda polui o ambiente? Comprar uma falsificação é um crime tão grande quanto roubar”, defendeu à edição britânica da Vogue.

Instagram: o novo mercado da contrafação?

Tal como o debate que existe à volta dela, a contrafação como a conhecemos não é uma novidade: na verdade, é algo que existe desde os tempos de Christian Dior, que marcava os seus designs com tinta invisível que só podia ser vista quando exposta à luz negra, de forma a separar o verdadeiro do falso. O que mudou, então, desde 1956, quando Balenciaga e Givenchy proibiram a imprensa de ver as suas coleções durante um mês, como forma de travar o fenómeno? A resposta é simples: o que mudou foi a forma como a contrafação chega até nós.

Throwbackaos anos 2000, mais precisamente ao episódio Sex and Another Cityda terceira temporada de Sex and The City, no qual Samantha compra uma carteira falsificada da Fendi. Quando mostra o pequeno objeto dourado com o duplo F repleto de cristais a Carrie, Charlotte e Miranda, a personagem diz as palavras mágicas, “só consegues perceber que não é uma Fendi verdadeira se olhares para as costuras interiores.”

Aliciante, certo? Carrie pareceu concordar e, poucos minutos depois desta cena, vemos as duas dirigirem-se ao “paraíso das Fendi falsas” – como quem diz, a um carro com a mala aberta, no exterior de uma garagem, onde um homem lhes tenta vender sete carteiras pelo preço de uma. “Devia ter gostado delas. Mas, a olhar para a bagageira daquele carro, deixaram de parecer carteiras elegantes da Fendi. Pareciam apenas baratas”, diz Carrie. “E mesmo que todos pensassem que era verdadeira, eu saberia sempre que a minha carteira tinha vindo de uma caixa de cartão dentro de um porta-bagagens no Valley.”

Em tempos, as contrafações movimentavam-se às escuras, em becos sem saída, armazéns abandonados ou lojas tão escondidas que mal se conseguiam encontrar no mapa. Hoje, com o boomdas redes socias, do e-commerce, das inúmeras lojas vintage online e das múltiplas plataformas digitais que vendem em segunda mão – isto sem referir a cultura de contrafações em nada undergroundque existe em países como a Coreia do Sul, onde é possível comprar Supreme a 20 dólares e a famosa “fita” amarela da Off-White a metro -, as contrafações estão à vista de todos os que as quiserem ver.

Pesquise hashtags como #Chanel, #LouisVuitton, #Gucci ou #Nike no Instagram. No meio de milhares de imagens de influencers patrocinados ou publicações das próprias marcas, vai encontrar as provas daquilo a que nos estamos a referir – a rede social tem um claro e crescente problema no que diz respeito à contrafação de toda e qualquer coisa, dos fatos de treino mais hypedda Adidas às carteiras mais clássicas da Burberry.

No seguimento do estudo Social media and luxury goods counterfeit: a growing concern for government, industry and consumers, conduzido pela Ghost Data e publicado no The Washington Post em 2016, a empresa especializada em análise de dados apresentou recentemente um novo relatório, intitulado Instagram and counterfeiting in 2019: new features, old problems. De acordo com este novo estudo da Ghost Data existem, atualmente, mais de 50 mil contas de Instagram dedicadas à promoção e venda de contrafações, representando uma subida de 171% comparativamente às mais de 20 mil do género que existiam em 2016. O aumento não se regista apenas no número de contas ativas, mas também no de publicações – em 2016, este tipo de perfis publicou um total de 14,5 milhões de posts, um número que, em 2019, subiu para 64 milhões de publicações e mais de 1,6 milhões de Instastories.

“Quando o tema é contrafação, os nossos dados mostram que pouco mudou no Instagram desde 2016”, pode ler-se no relatório, que defende que o Instagram está a tornar-se, cada vez mais, no nosso destino de eleição quando toca a comprar. “Na verdade, as coisas parecem ter mudado para pior. Hoje, o Instagram tem mais de mil milhões de utilizadores ativos por mês, e 130 milhões de pessoas que, também numa base mensal, carregam no tag de produto em publicações destinadas à compra do mesmo. Contudo, esta situação está a aumentar a presença de produtos contrafeitos e artigos de luxo falsificados, com um impacto negativo na nossa experiência dentro da rede social e na nossa sociedade, em geral. Estamos a falar de uma economia underground multimilionária, particularmente ativa em grandes plataformas sociais e ansiosa por, de uma forma ou de outra, explorar novas features do Instagram.”

Apesar dos esforços do Instagram para combater a proliferação de artigos contrafeitos nas suas teias – num comunicado à Vox, um representante da rede social defendeu que a plataforma “tem um forte incentivo para remover agressivamente qualquer conteúdo relacionado com a contrafação e bloquear os indivíduos responsáveis”, respondendo a denúncias “no espaço de um dia, e frequentemente em poucas horas” – é impossível negar que o problema é difícil de resolver.

Mais do que ser a fonte principal no que toca à forma como vemos, consumimos e compramos Moda, o Instagram é a fonte principal no que toca à forma como a Geração Z vê, consome e compra Moda – e, segundo um relatório publicado em maio de 2019 pela International Trademark Association (INTA), 71% dos Gen Zers nos Estados Unidos da América compraram um item contrafeito no último ano, com 84% dos seus pares chineses a adotarem um comportamento equivalente, sendo que as compras mais comuns pertencem aos setores do vestuário, calçado e acessórios.

As razões? 73% dos norte-americanos, em contraste com os 56% de jovens chineses inquiridos, responderam que estas compras são impulsionadas pelo facto de sentirem que não conseguem comprar o estilo de vida que desejam ter. “Não podes contrafazer algo que não tem procura”, defendeu Virgil Abloh ao Highsnobiety. “Essa é a maior conquista que alguém pode ter: concretizar uma ideia que depois vai ser copiada por outra pessoa.” Já dizia Oscar Wilde que imitar é a forma mais sincera de elogiar – e, ao que parece, é precisamente isso que as marcas estão a fazer.

Fake is the new original

Com a qualidade das cópias cada vez mais sofisticada, com o negócio das contrafações a ganhar cada vez mais terreno nas redes sociais, e com a indústria da fast fashiona potenciar uma série de “inspirados em” (estamos a ser simpáticos aqui), é apenas legítimo questionar o que é que as marcas podem fazer para travar a economia e a cultura da falsificação. A resposta, surpreendentemente ou não, é mais criativa do que qualquer ação jurídica ou maquinaria de Inteligência Artificial.

Em outubro de 2016, a Vetements montou uma venda de garagem em Seoul, num armazém industrial situado nos arredores da capital da Coreia do Sul, para vender a críptica e única coleção Official Fake– essencialmente, uma coleção composta por algumas das peças mais populares da marca, produzidas em parceria com o MatchesFashion.com, e ligeiramente alteradas para um look “falso”. A manobra, como seria de esperar, foi de génio – com uma multidão de pessoas esfomeadas pela next big thingda Vetements a acampar no exterior, as peças foram vendidas num abrir e fechar de olhos. E a marca, essa, conseguiu estar um passo à frente da contrafação ao falsificar-se a si mesma.

Apesar do sucesso imediato, a atitude provocativa de Demna Gvasalia não foi a única a fazer manchetes de “falsificar é o novo criar” – até porque, em nome da Balenciaga, o designer criou uma carteira XXL que fazia lembrar o tradicional saco azul do Ikea, que gerou uma resposta genial por parte da marca sueca, com uma campanha “Como identificar o saco IKEA FRAKTA original”. Priceless.

Para a coleção Resort 2017 da Gucci, e seguindo o exemplo de Gvasalia, Alessandro Michele criou uma série de t-shirts e sweatshirts estampadas com um espírito Fake Gucci, baseado num design contrafeito que se tornou popular nos anos 80. “Make Gucci Great Again?We’re just getting started.

Na coleção Resort 2018, o diretor criativo da etiqueta italiana elevou a fasquia com um casaco em pelo com mangas em balão, estampadas com o monograma da Gucci – uma peça que, um pouco por toda a Internet, gerou comparações com o casaco criado por Dapper Dan (o mestre original do luxo do it yourself) para a medalhista olímpica Diane Dixon, cujas mangas eram monogramadas com o famoso LV da Louis Vuitton. E, claro, as inesquecíveis peças onde se podia ler Guccy em vez de Gucci. Escusado será dizer que, à semelhança dos “originais falsos” da Vetements, não demorou muito até que as peças “fake” da Gucci esgotassem, transformando-se em pequenas deusas do hype.

Com as próprias marcas a apresentarem um copy pastedescarado, artistas como Ava Nirui, Imran Moosvi ou Emma Rixhon, criadora da Citizens of Nowhere, começaram a fundir monogramas da Louis Vuitton em ténis da Nike, a estampar o logótipo da Gucci em rolos de papel higiénico, cartas UNO ou botas UGG, e a preencher a sigla da Adidas com o famoso tartan da Burberry.

“É muito interessante ver a forma como uma etiqueta, um logo ou um design conseguem mudar completamente a forma como olhas para um objeto, peça de vestuário ou produto (mesmo que não seja autêntico)”, disse Nirui à Dazed. “Para mim, uma réplica [não confundir com contrafação] pode ser tão rara, desejável ou procurada como a verdadeira. Não procuro necessariamente imitações (maior parte dos objetos no meu Instagram são criações minhas), mas se vir uma réplica artística interessante ou única, sou capaz de a comprar. Consegues encontrar criações incríveis na Canal Street e na Knickerbocker Avenue perto da minha casa, em Brooklyn... até na tua loja dos 300 local. Uma amiga minha está em Manila e enviou-me uma caixa cheia de peças com o logo LV e um telefone Gucci com um software temático da Gucci! A Ásia é o local itpara comprar este género de bootlegs.”

Entre a imitação e a criação artística, marcas de peso e artistas independentes procuram usar a cultura da contrafação a favor da inovação. “Para mim, as coisas falsas [e não as falsificações] são muito mais divertidas”, disse Imran Moosvi à edição norte-americana da Vogue. “Há mais liberdade para fazeres aquilo que quiseres. Acho que o estigma associado a algo que é uma réplica ou que parece uma falsificação está a começar a desaparecer aos poucos. No fim do dia, as pessoas só querem ver um produto que seja cool.” Já dizia a velha máxima: se não os consegues vencer, junta-te a eles.

Artigo originalmente publicado na edição de agosto de 2019 da Vogue Portugal.

Mónica Bozinoski By Mónica Bozinoski

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