Quantas vezes usou o nome da sua influenciadora preferida numa expressão? Ou o ouviu em letras de músicas, mencionado em filmes, numa linha de um livro, de um blogue, numa hashtag? Nenhuma? Pois. A não ser que a sua influenciadora favorita seja a Vogue.
Quantas vezes usou o nome da sua influenciadora preferida numa expressão? Ou o ouviu em letras de músicas, mencionado em filmes, numa linha de um livro, de um blogue, numa hashtag? Nenhuma? Pois. A não ser que a sua influenciadora favorita seja a Vogue.
Basta uma pesquisa rápida por um site com algoritmos aguçados que investigam os confins da Internet para nos devolverem em milésimos de segundo quantos “Vogue” existem em letras de música e o número é abismal: 722 menções em letras, 3 artistas e 60 álbuns. Ainda que este resultado possa estar enviesado pela repetição do termo dentro de uma mesma canção, exponenciando largamente o retorno em centenas, a verdade é que, mesmo que a quantidade não seja assim tão obscena, a qualidade é-o. Do agora trio En Vogue, o grupo feminino de R&B/Pop formado em 1989 que nos trouxe Free your mind (1992), a Elvis Costello com o seu Lipstick Vogue e, até, a Frank Sinatra, que em 1941 cantava “I’ll add a smart looking rainbow / Like you see pictured in Vogue” em You Lucky People You, ou Vanessa Paradis a harmonizar o nome em francês no seu single Sombreros, de 2013, não precisamos sequer das outras dezenas de referências menos sonantes para saber que Vogue é oh la la e que, se falasse, dir-nos-ia que “influencia, influenciando”.
E di-lo, na verdade, só que sem palavras. Não precisávamos deste site que, apesar de prestável, carecia de um layout menos wikipédico; na verdade, nem precisávamos da Internet para mencionar a maior referência de sempre em matéria de citação do título: Vogue, de Madonna, chegava em 1990 aos nossos ouvidos, colecionando a primeira posição em tops de todo o mundo, e, pela mesma altura, contagiava as nossas ancas e braços à medida que aprendíamos a coreografia do voguing, o movimento de dança que inspirou o tema e que ganhou nova dimensão de popularidade depois do mesmo. Inspirado pelo estilo dos hieróglifos do Antigo Egito e pelas poses de modelos na Vogue, o uso do nome da publicação no título, a sua repetição incessante ao longo da faixa ou a referência não-escrita nos moves dos bailarinos e da própria Madonna mostram que, antes do advento dos bloggers e do anúncio dos instagrammers, youtubers e todo o género de social media-ers do séc. XXI, já o séc. XIX (1892, mais concretamente) via nascer a mãe de todas as influências (ou melhor, influencers) e inspirações.
A expressão "More issues than Vogue" foi referida por L.H. Cosway em 2014, no seu romance Six of Hearts, e depois cunhada por todos os que a aplicaram em forma de ditado no seu dia-a-dia.
Os anos de impressão no mercado só lhe trouxeram mais domínio e nunca saturação, escalando para a frase que desencadeou todo este texto: “More issues than Vogue”. Se nunca ouviu a expressão ou nunca quis adquirir uma T-shirt ou quadro — ou álbum, como o da artista de R&B K. Michelle intitulado, exatamente, More Issues than Vogue, de 2016 — que o bradasse ao mundo, o ideal é comprar mais a revista que tem entre mãos (há aí claramente uma deficiência de vitamina V — não se vai arrepender, confie), o que lhe vai aguçar a atenção em relação a importantes adições ao discurso do quotidiano como esta do “More issues than Vogue”. A expressão foi referida por L.H. Cosway em 2014, no seu romance Six of Hearts, e depois cunhada por todos os que a aplicaram em forma de ditado no seu dia-a-dia. Da autora, pouco reza a história (a não ser que, como eu, tenha tido a curiosidade de perceber a origem destas quatro palavras que excedem o seu escasso número em dimensão metafórica), mas a frase é agora propriedade da linguagem corrente, bem como de camisolas, canecas e toda a parafernália comercializável para quem quer não só verbalizar o mantra, como ser constantemente lembrada — e lembrar aos outros — do mesmo. A frase original é “Bitch has more issues than Vogue”, perdendo ali o início talvez por uma questão de se ser politicamente correto (ou simplesmente porque o que interessava era o punchline da expressão, mesmo) e o mais atrativo da coisa é que o significado da mesma não esgota a referência à Vogue na palavra.
Ter “More issues than Vogue” brinca com o duplo significado de issues, referindo-se ao número impresso de revistas, mas também à ideia de issues enquanto problemas, questões. Assim, alguém que tenha More issues than Vogue é alguém que seja algo desequilibrado ou problemático psicologicamente porque tem mais questões ainda que as centenas de números lançados pela publicação. Isto no sentido figurativo, claro, porque se for no sentido literal é claramente uma pessoa de extremo bom gosto porque coleciona as edições da revista e mais além. A expressão surge e tem razão de ser porque a Vogue, sendo uma revista que existe desde 1892 com o lançamento original da edição norte-americana, há mais de um século que lança conteúdos de referência para a Moda, mas acima de tudo com pertinência para o mercado e para cada época em que se encontra.
Numa altura em que o mercado era ingrato para as revistas, a Vogue era o caso de sucesso que se mantinha relevante enquanto papel numa era de redes sociais.
Há mais de 100 anos a fazer sair páginas encadernadas de temas que se compram uma vez e se guardam para sempre (sendo que hoje se multiplica em mais de duas dezenas de versões internacionais), a quantidade de números (issues) já lançados pela Vogue só é suplantada pela sua qualidade. Aliás, um artigo publicado no ano passado, em agosto, pelo express.co.uk explicava que, numa altura em que o mercado era ingrato para as revistas e que várias haviam fechado portas nos meses anteriores, a Vogue era o caso de sucesso que se mantinha relevante enquanto papel numa era de redes sociais — melhor, estava a saber comportar-se da mesma forma icónica aí, onde os bits, os bytes, os swipe ups, os scroll downs e os links in bio dominam. Aliás, a hashtag #vogue no Instagram tem quase 19 milhões de posts associados, e a mais complexa #moreissuesthanvogue tem mais de 37 mil retornos (não contando com os typos, como “vouge” na hashtag, que contabilizam mais um ou outro milhar).
Pois. Não é à toa que é considerada a bíblia da Moda. Também não é à toa que conquistar uma capa da Vogue está para as modelos (e celebridades) como um Óscar está para o Cinema e os seus players. Mesmo os peões que se movimentam dentro da Vogue, nos seus bastidores, e que nunca se imprimiram na glossy cover da publicação, gozam do reconhecimento pelo trabalho feito na publicação e visibilidade que o título deu: por estas páginas, vai ver nomes de diretoras como Anna Wintour ou Diana Vreeland ou Joan Juliet Buck ou Franca Sozzani, bem como colaboradores como Lee Miller, Lindbergh, Irving Penn e um punhado de outros talentos que contribuíram para o bom nome da Vogue ao mesmo tempo que usufruíram dele. Não se iluda: a Vogue trabalha com os melhores; mas ela será sempre a melhor. Porque é o modo como os apresenta — dos mais reconhecidos aos emergentes — que faz dela a autoridade e eles o veículo. A Vogue é um trabalho de equipa e trabalha com diferentes equipas, todas elas Vogue. Mas as equipas vão rodando e, ainda que a sua relevância possa ser e é exponenciada pela visão de uma diretora ou de um staff em particular, o título continua com a mesma — ou ainda mais exigente — qualidade, com o passar dos tempos.
Porque há Modas passageiras. E depois há a Vogue. Não é uma Moda. É quem a dita. É a Moda. E se tem dúvidas sobre isso, you have more issues than Vogue.
*Artigo originalmente publicado na edição de outubro de 2019 da Vogue Portugal.
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