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Musa: Claudia Schiffer

24 Aug 2018
By Patrícia Domingues

Como se chama a uma loira com superpoderes? Claudia Schiffer.

Como se chama a uma loira com superpoderes? Claudia Schiffer.

No final dos anos 80, uma anomalia digna de registo ocorreu no mundo da Moda. Em vez da tradicionalmente figura alta e magra de uma bailarina, um novo tipo de musa pisou as passerelles: seios fartos, ancas arredondadas e a tão ansiada parecença com a vizinha “boazona”. De repente, as modelos pousavam em todo o tipo de roupa decotada, inclinando-se para a frente com os ombros, de forma a enfatizar o decote. “Os seios são grandes, os seios estão de volta, os seios são um hit”, escreveu a Vogue em 1989 e, dentro desta panóplia farta de novos bustos, que não se via desde o século XVIII, um determinado par mereceu especial atenção. Uma doppelgänger de Brigitte Bardot emergiu do nada, os cabelos loiros em ondas perfeitas e os olhos azuis a precisar de cama. Uma Barbie da vida real. Era Claudia, eram as Super, o mais audaz fruto da imaginação humana, criaram nome e aura próprios, com as suas viagens pelo mundo, o seu lifestyle de estrela, as suas pernas de quilómetros e a sua encantadora personalidade. Of course, o mundo, inevitavelmente, avançou para os anos 90 e assim como as tabelas de música tiveram de arranjar espaço para Nirvana em vez George Michael, também as passerelles se voltaram para um diferente tipo de modelo (bem-vinda, Kate Moss). Da era das curvas, das glamazons, restou uma irmandade sagrada. Do arquétipo cabelo loiro + olhos azuis, ficou para sempre aquela cara: Claudia.

The duck. The blonde. The ice queen. Baby-Bardot. Barbie doll. Claudia Schiffer teve muitas alcunhas ao longo da vida, mas apenas uma cara. E que cara! A cara que a lançou da Alemanha para o mundo aos dezassete anos, quando um agente a encontrou num bar ao qual os seus pais a tinham obrigado a ir. A cara que se tornou no símbolo de casas como Chanel. A cara que apareceu em mais de mil capas de revistas e que ganhou cerca de 50 milhões de euros. E, por trás desta cara bonita, há mais. Uma pessoa que trabalhou arduamente, destacando-se pelo seu rigor e disciplina em trinta anos de carreira. Uma miúda tímida, com quem gozavam pelas suas pernas longas no liceu.

 

Uma mulher que se apressa a desculpar-se pela estranheza e pelos maneirismos com que brinda cada sessão fotográfica — sim, senhoras e senhores, uma das maiores supermodelos da história é também supertímida. “Nunca fui insegura, mas ainda sou tímida”, começa assim a nossa conversa com Claudia. “Quando comecei a trabalhar como modelo, a minha timidez foi a maior dificuldade que tive de ultrapassar. Era a miúda que se sentava com as outras modelos no estúdio de fotografia e pensava: ‘Só espero que não me escolham hoje, assim, às seis da tarde, já posso estar em casa.’ Não gostava da sensação de ser o centro das atenções, mas, a dada altura, tornou-se parte do trabalho e aprendi a gostar.” Já reparou que Claudia sempre foi a mais sorridente da estirpe Super? (Há, até, uma piada que corre na sua família sobre isso: Schiffer smile, um mecanismo de defesa, reconhecido por quem lhe é próximo, para os momentos em que se sente envergonhada.) “Sempre preferi ouvir e observar no set, o que, em parte, vem da minha timidez, mas, felizmente, algumas das coisas que aprendi dessa forma, de maquilhadores lendários a designers, está a ser posta em uso da melhor forma agora.”

Se não fosse o desfile recente para a Versace, faria quinze anos que Claudia não pisava uma passerelle. Depois do seu adeus épico em 2002, com a Yves Saint Laurent, dedicou-se à família e aos seus outros projetos profissionais (já lá vamos). Sejamos sinceras, Claudia pôde aposentar-se. Ela nasceu numa bolha temporal em que, uma vez super, para sempre super, uma altura em que não havia as “supermodelos do momento”. Para Naomi Campbell, as redes sociais das it girls vieram facilitar algo que lhes demorou anos a cimentar (“boa sorte”, disse à Vogue norte-americana), mas Claudia não é tão radical. Para a modelo alemã, esta nova era é sinónimo de trabalho a dobrar. “Fui capaz de criar uma carreira de sucesso sem uma plataforma digital, por isso, olhando para trás, não mudava nada”, diz. “Creio que o Instagram, e as outras redes sociais, é uma fantástica plataforma para as modelos que começam agora, para serem notadas e para comunicarem o seu gosto e estilo pessoal. Também é um meio de partilharem com o mundo o trabalho que têm feito e de se colocarem na corrida por campanhas e outras coisas.” Claudia teve o “like” de Karl Lagerfeld, já quase nos 90, e a carreira implodiu em milhares de seguidores — leia-se capas e desfiles. O que se passou a seguir é que nos faz querer tirar notas. Claudia não era nem high fashion, nem comercial. Não era a menina boa, nem a mais glamourosa. Fala-se muito de modelos camaleónicas e o seu nome nunca vem à baila, mas, para alguém que nunca mudou sequer a cor do cabelo, ela conseguiu algo incrível: ela era simplesmente ela. Quer num casaco e luvas castanhos Calvin Klein, com um sorriso amigável (seria o tal Schiffer smile?), para a capa da Vogue de agosto de 1990, fotografada por Patrick Demarchelier, quer na campanha da Versace, de jeans, deitada e sem parte de cima, com Nadja Auermann a segurar-lhe as pernas e um olhar que nos faz querer mais. Era 1995. “Tenho memórias incríveis”, conta. “O Gianni [Versace] e o Richard [Avedon] eram autênticos génios e ensinaram-me muita coisa. Lembro-me de que, nas campanhas da Versace, o Richard trazia um coreógrafo que nos ensinava a mover e a estabelecer uma ligação com a câmara e com o ambiente. Tudo ficava perfeito, de qualquer ângulo, a todos os níveis.”

“Se alguém me tivesse dito, há trinta anos, que ainda estaria a trabalhar nesta indústria e a adorar, nunca acreditaria.” 

Fiquei tentada a perguntar-lhe se as loiras ainda se divertiam mais, mas, pela quantidade de celebrações dos seus trinta anos de carreira, pareceu-me escusado. “Se alguém me tivesse dito, há trinta anos, que ainda estaria a trabalhar nesta indústria e a adorar, nunca acreditaria.” Pode acreditar. Só neste ano, foi capa da Vogue alemã, escreveu um livro, criou uma coleção de maquilhagem, participou na produção do filme do seu marido, Kingsman: The Golden Circle, e lançou uma coleção de sapatos com a Aquazzura, resultado de uma daquelas conversas fantásticas que, para a maioria dos mortais, nunca dão em nada. “Conheci o Edgardo Osorio [diretor criativo da marca] num jantar em Londres e tivemos uma química imediata ao falar de Moda e de sapatos. A coleção nasceu quase instantaneamente dessa conversa. Começámos logo a trabalhar durante vários meses e houve um entendimento muito fácil entre nós. Qualquer coisa que eu dizia, ele dizia: ‘Tipo, assim?’ E era logo perfeito.” Podia ter saído uma coleção de sapatos apenas com a sua assinatura, mas ela usa cada par (há fotografias de paparazzi), ela prefere rasos e lá estão os rasos, ela define-se como um misto entre anos 70 e 80, ela usa tudo com blazers, camisas de algodão e jeans, e — surpresa — é o match que encontrará à venda. Diz que só cria peças que também vestiria. “A minha única regra é: tenta coisas novas, mas confia nos teus instintos.” Certo. Menos quando eles te dizem que és demasiado tímida para ser modelo. Aí, pardon my french, manda-os passear. 

*Artigo originalmente publicado na edição de novembro 2017 da Vogue Portugal.

Patrícia Domingues By Patrícia Domingues

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